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REPERCUSSÃO FESTIVAL DOSOL – RECIFE ROCK (PE) – PRIMEIRO DIA

A história, segundo alguns filósofos, não passa de mera repetição de fatos que um dia foram passado e que acabam se reencontrando no presente. Vejamos: três dias de um festival que privilegia o circuito independente realizado em um local aberto e de fácil acesso que aglomera fãs de música, fanzineiros, produtores, imprensa especializada e selos. Uma cena emergente que está prestes a galgar espaço no país. Pensou nos primórdios do Abril pro Rock? Agora troque a década de 90 pelos anos 00 e Recife por Natal. O Festival DoSol, assim como no ano passado, seguiu direitinho a cartilha do Abril pro Rock em seu início de carreira e fez o que todo centro deveria fazer: um evento que chama a atenção para a sua cena local se utilizando de bandas já consagradas no circuito independente como recheio. O resultado poderá ser colhido nos próximos anos. Fica o exemplo para as demais praças.

Programação eclética (no bom sentido), o primeiro dia do Festival do Sol contou com um público de duas mil pessoas e foi aberto pelo sensacional Os Poetas Elétricos. Trio que dialoga com música, tecnologia e, principalmente, com a força e a ênfase de bons versos, a banda consegue chamar a atenção pelo ótimo casamento entre discursos verbal e não-verbal. Bases eletrônicas, telão com imagens futuristas e guitarra sólida amparam construções poéticas do calibre de canções como “O Dito Erudito” e “A Moça de Moçambique”. Coisa fina, diferente e das mais criativas a surgir no país nos últimos tempos.

Se para o público a estrutura do DoSol em relação ao intervalo mínimo entre os shows, para os jornalistas que o cobrem é um inferno. Dois palcos de mesma estrutura ladeados. Quase não há interrupção entre os shows, o que torna o ritmo dinâmico e por vezes frenético. E de uma saudável esquizofrenia ao casar atrações que vão da mais ousada das inovações até o puro conservadorismo, caso da talentosa Simona Talma, cantora que passeia por tangos, boleros, mpb e quetais. Talvez tenha sido ofuscada pelos Poetas Elétricos. Ou talvez tenha sido o nervosismo. O fato é que ficou a impressão de que poderia render mais. Mas ninguém reclamou, muito pelo contrário.

Quem se deu mal mesmo foi o Parafusa, primeira das seis bandas pernambucanas a se apresentar no evento. Com um som mais do que precário, não restou outra opção à banda a não ser brigar com os equipamentos. Uma pena, pois tinha tudo para ser um grande show. Infelizmente não há o que falar sobre a apresentação deles. Aliás, há: o som do palco não os deixou tocar.

Depois veio o medonho Mad Dogs, de Natal. Para quem é de Recife, a banda cria em seu show um clima de “Downtown ao ar livre”, fazendo blues mauricinho e querendo soar forçosamente engraçadinho e descolado. Não deu. Ou melhor, não dá.

Mas indigesto mesmo é o Seu Zé. De uma forçada de barra que beira os limites da pseudoantropologia. Trata-se de um atestado definitivo de falsificação ideológica: rapazes de classe média-alta bancando os jagunços famintos. E o discurso sonoro é ainda pior. Tentam misturar metal com sertão, resultando numa dialética da “caveira com maxixe” que simplesmente não cola. Tudo parece milimetricamente calculado para soar como “a banda dos intelectuais modernos que valorizam o nordeste a partir de sonoridades pesadas”. Não tem nada a ver, mas deu saudades do Raimundos, que era tosco, burro e maravilhosamente espontâneo. Aliás, espontaneidade é um artigo raro na música hoje em dia. Candidato forte ao posto de pior show do festival.

Uma boa surpresa acabou sendo o Bonsucesso Samba Clube. Tocando fora de casa e para um público extremamente receptivo, a banda soube contornar os problemas de som que teve e fez um belo show, colocando todo o público, em especial o feminino, para dançar.

O potiguar DuSouto é uma das coisas mais estranhas e fascinantes (no bom e no mau sentido) que este escriba já testemunhou. À primeira vista pareceu mais um subproduto do mangue. Depois descambou para uma interessantíssima pegada eletrônica, que acabou transformando boa parte da rua do Chile em uma enorme rave. E, no final, deixou mais dúvida do que certezas. Em suma, pode ser desagradável e ao mesmo tempo muito bom, qualidades dignas das personalidades que nos despertam fascínio e repulsa, ambas na mesma dose.

Já o Experiência Aypus, também de Natal, parece cada ano melhor. Eles conseguem modernizar a MPB sem cair em nenhum clichê pasteurizado que tanto assola nove entre nove artistas que se dedicam a tal tarefa. Descrevê-los é trabalho complicado. Digamos que psicodelia e samba em doses discretas e bem trabalhadas. Olho neles…

O Ludov é uma banda estranha. Não em sua sonoridade, que é simples e despojada, mas em sua trajetória. O grupo beliscou o mainstream, parecia que iria chegar lá e acabou não chegando, o que gerou um certo ranço em seus integrantes. Talvez o Ludov seja menos pop do que imagina. Suas músicas não possuem refrões, e poucas delas grudam de fato na cabeça. E, ao mesmo tempo, passa a impressão de ser uma banda independente com atitude mainstream, um tanto arrogante, talvez até mesmo inconscientemente. No fim das contas fez um show correto, nada mais do que isso, e que, certamente, será facilmente esquecido.

O Mundo Livre acabou sem querer explicando em seu show como é sórdida a indústria da música. Em apresentação que primou por várias releituras e novos arranjos para velhas composições, o grupo mostrou que está mais coeso e entrosado do que nunca. A reação do público foi extremamente positiva.
O problema? Zeroquatro tem vontade de regravar essas canções com novas roupagens. Acontece que, como os quatro primeiros discos do Mundo Livre foram gravados por uma major, o grupo não tem qualquer controle sobre sua própria obra. É ultrajante, mas é verdade. O que explica muito da patifaria que reina no planeta chamado mercado musical. A bola do jogo às vezes é pesada demais no mundo livre da livre iniciativa.

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