II FESTIVAL DOSOL Por Rafael Jr*
Quando: dias 4,5 e 6 de Agosto
Onde: Natal/RN
37 bandas, sendo 20 locais
Público: cerca de 6.000 pessoas nos 3 dias
www.dosol.com.br/festival
A segunda edição do Festival Do Sol, realizada em Natal/RN nos dias 4 a 6 de agosto, reuniu uma boa amostra do que tem rolado na cena alternativa nacional, equilibrando em sua programação bandas já consagradas e revelações, com ênfase na rica cena local e amparado por uma rede de comunicadores que se deslocaram de várias partes do país para cobrirem a festança rock que mais tem crescido e se consolidado no Nordeste.
Braço da Do Sol Produtora – que engloba ainda um sêlo, um estúdio e um bar com shows semanais -, o festival fluiu com ótima estrutura e organização eficiente, premissa básica para um evento que recebeu nesse ano 17 bandas de 8 estados diferentes e dezenas de jornalistas, produtores e donos de sêlos independentes, que trocaram experiências através de um ciclo de palestras e debates sobre produção de shows, mercado fonográfico independente e mídia impressa e eletrônica. Entre os palestrantes, o produtor pernambucano Paulo André, do festival Abril Pro Rock, Fabrício Nobre da gravadora Monstro Discos de Goiânia e os jornalistas Adilson Pereira (Revista Outracoisa), Fabiana Batistela e Alexandre Matias, ambos da Revista Bizz.
A capital potiguar, conhecida como “cidade do sol”, guarda várias semelhanças com nossa Aracaju. É um pouco maior (cerca de 800 mil habitantes), mas o trânsito não é caótico, as praias são belas e o povo é acolhedor como o aracajuano. Em síntese, é uma cidade tranquila, limpa e organizada. Em relação ao rock, está muito à frente de Aracaju em termos de articulação, estrutura e viabilidade, graças ao trampo sério de gente como o produtor Anderson Foca, responsável pela Do Sol Produtora. O reflexo do trabalho a longo prazo está nos 5 sêlos locais com lançamentos constantes (os destaques são a Solaris Discos e a Mudernage Diskos), os shows semanais em várias casas noturnas e principalmente os 2 grandes festivais anuais, o Do Sol e o MADA – Música Alimento da Alma -, que acontece no mês de maio.
OS SHOWS
Nesse ano nenhuma banda sergipana foi escalada para o festival, diferente de 2005, quando a Snooze viajou até Natal representando Sergipe. A programação da sexta começou com pouquíssimo atraso (mais um ponto positivo na organização) com os locais Poetas Elétricos e Simona Talma. O primeiro faz colagens sonoras em cima de poesia concreta, um projeto experimental e multimídia que inclui ainda projeções num telão. Já a cantora Simona Talma traz uma sonoridade jazzística para a MPB, com baixo acústico e uma pegada bluesy. A primeira atração de fora veio do Recife. O Parafusa tem um CD na praça e se alinha à geração Los Hermanos, aproximando melodias e arranjos pop à tradição da nossa música popular. Os locais Mad Dogs introduziram pitadas de diversão e humor alcoólico à sua apresentação, enquanto o Seu Zé decepcionou um pouco, com um show apenas correto. Seu CD “Festival do Desconcerto” (Mudernage Diskos) está sendo muito elogiado pela crítica especializada. O Bonsucesso Samba Clube é uma dissidência do ótimo grupo Eddie, de Olinda, e não deixa nada a dever a seus antigos parceiros. No caldeirão do CD “Tem Arte Na Barbearia” e do show, os ingredientes são dub, reggae, afrobeat e drum’n’bass orgânico, com muita percussão brasileira botando os rockers pra dançar. Na sequência o DuSouto, de Natal, também seguiu na onda dançante dub/drum’n’bass, mas com uma sonoridade mais eletrônica e a presença de um DJ. Experiência Ápius, última atração potiguar, ficou espremido entre novidades dançantes e a ansiedade dos fãs do Ludov, e apesar das boas músicas samba-funk-rock, o show não funcionou como na primeira edição do festival. Os paulistanos do Ludov, que têm emplacado vários hits nas FMs e MTV, fizeram um show competente e profissional, com direito a côro dos vários fãs presentes. O encerramento da primeira noite coube ao experiente Mundo Livre S/A, líder da geração mangue bit junto com a Nação Zumbi. Unindo rock groovado e Jorge Ben circa 74 com maestria, o grupo deu uma aula de samba-punk politizado, numa pincelada geral nos seus 6 discos. Não dá pra ficar parado em pérolas como “Bolo de Ameixa” ou “Mexe, Mexe”.
O segundo dia foi batizado de “noite indie” por trazer grupos mais desconhecidos (mas não menos legais) da cena rock nacional, e foi a noite com público mais fraco: 800 pessoas, contra 2.000 rockers que compareceram na sexta. Entre os destaques locais, o punk old school da Drunk Driver, o emo da Distro e o hardcore desacelerado da Dead Funny Days representaram bem, mas o grande destaque foi o power trio psicodélico Bugs, pela originalidade e competência. O Dead Funny lembra bandas excelentes como Garage Fuzz e Fugazi, já o Bugs tem cara própria e o EP que acabaram de lançar confirma isso. São duas das melhores bandas de Natal junto com o Automatics, que não tocou no festival. O 2 Fuzz foi a primeira atração “estrangeira”, diretamente de Fortaleza/CE. Fazem rock pesado que remete à cena grunge de Seattle, em composições densas e arrastadas, um pouco difícil de digerir pelo público médio, tanto é que os aplausos foram tímidos. Os baianos da Los Canos trouxeram na bagagem um rock mais divertido e acessível, contagiando a galera. A despretensão punk de canções bubblegum como “Eu Sou Mal” são impagáveis! Excelente banda. De Brasília veio o Bois de Gerião, com 12 anos de carreira misturando rock e ska, com naipe de metais. Tocaram meu coração com uma ótima versão de “Virginia” dos Mutantes e o cover de “Revolution Rock”, imortalizada pelo The Clash no clássico “London Calling”, disco duplo de 1979. Os gaúchos Walverdes fizeram o show mais barulhento de todo o festival, um esporro garageiro que deixou muita gente de queixo caído. Ainda fizeram covers de Rocket From The Crypt e Black Sabbath, fora os ótimos rocks de seus 3 CDs. Com certeza um dos melhores shows de todo o evento. O MQN, de Goiânia, também tem raízes garageiras mas mistura isso com hard rock/metal tipo AC/DC, gerando um som poderoso e pesado. O frontman Fabrício Nobre é insano: insulta o público, xinga, berra ao microfone, dá banho de cerveja no baixista headbanger. O grand finale inclui pratos da bateria lançados ao chão. A maratona seguiu com mais rock de primeira, do performático power trio carioca Autoramas. Canções ganchudas de riffs rockabilly, coreografias chupadas do Devo, surf rock e interatividade com o público em clássicos do underground brasuca como “Fale Mal de Mim” e “Auto-destruição”. Rock! A última banda pegou o público cansado mas fez bonito no palco. A competência do Forgotten Boys, de São Paulo, salta aos olhos. Misturando glam rock com punk ’77 e hard rock, o quarteto mandou muito bem, com som perfeito e energia de sobra.
O domingo, último dia de festival, concentrou mais bandas no estilo punk-emo-hardcore, e logo no começo da noite já se registrava um público de 3.000 pessoas, com faixa etária média de 18 anos no máximo. Isso graças à popularidade de bandas como Dead Fish (ES) e Devotos (PE), as principais atrações de fora, e a local Jane Fonda, que segue o estilo new-metal e possui um público fiel e numeroso na cidade. A outra exceção estilística da noite, além do Jane Fonda, foi dos pernambucanos Astronautas, que fazem space-rock pesado e se deram bem com o diferencial. A venda nas banquinhas de CD e de comidas explodiu, a molecada se divertiu e as primeiras rodas de pogo se formaram no show dos paraibanos Dead Nomads, continuando nas apresentações do Karpus e Allface de Natal e Aditive de São Paulo, todas seguindo a trinca punk-emo-HC.
ARTICULAÇÃO
O Festival Do Sol é um exemplo de competência e articulação, com uma equipe coesa
e profissional que ajuda o rock a girar na cidade. Um exemplo para ações mais concretas em Sergipe, onde tivemos apenas uma edição do Rock-SE e o mais bem sucedido festival local, o PUNKA, deixou de acontecer há 2 anos. Cabe registrar também que o evento só é viável graças a duas leis de incentivo, uma municipal e outra estadual, que fazem a ponte entre grandes empresas e o patrocínio do Governo do Rio Grande do Norte e da Prefeitura de Natal, viabilizando o apoio logístico (hotel, passagens, alimentação e translado) e a estrutura com 2 palcos, som e luz de primeira. Isso é política cultural, bem diferente do que ocorre em terras de Serigy. Próximo ano estarei lá de novo!
* Rafael Jr é músico e colaborador do Caderno Olho Vivo. Viajou a Natal a convite da produção do festival e com apoio do Cinform.