Show concorrido do Camarones Orquestra Guitarrística
Faz sentido,uma banda atravessar o Brasil bancando parte das próprias despesas da viagem para tocar para pouco mais de cem pessoas? Vale à pena reunir diversos artistas desconhecidos da maioria das pessoas, que não tocam nas rádios, não aparecem na TV e são incógnitos em suas próprias cidades? Pelo visto durante a Feira da Música de Fortaleza – que teve cerca de 50 mil pessoas circulando durante seus quatro dias no último fim de semana no Centro Cultural Dragão do Mar -, não só faz sentido, como há nove anos vem dando resultado para vários dos envolvidos.
Nesse período, a Feira de Música tem se notabilizado por ser uma das ferramentas de discussão, de encontro e de mostra artística para diversos elos da cadeia de música do Brasil, especialmente do mercado independente. A edição de 2010 consolidou ainda mais esse papel, transformando essa na “melhor edição de todos os tempos”, segundo o empolgado Ivan Ferraro, coordenador geral da Feira.
Com diversas ações centralizadas num único espaço, a Feira da Música conseguiu que público, artistas, produtores e quem estivesse por lá circulasse e conhecesse a proposta de música e negócios levantados pelo evento. Com uma estrutura de qualidade, os três palcos da mostra artística, os estandes da feira e até os espaços de discussões, oficinas e encontros receberam um bom público, facilitados pela proximidade entre eles e pela atmosfera que ambientava o lugar. Tudo girado em torno da música.
“A feira são as possibilidades de contato e relacionamento, a oportunidade de se fazer negócios. Os artistas que têm noção do que é participar de um evento como esse aproveitam”, afirma Ferraro.
A possibilidade de circular em um evento onde estão presentes produtores de diversos festivais e eventos do país e até de fora, e poder mostrar seu trabalho, seja nos shows, seja nas rodas de negócios promovidas pela feira, ou mesmo em encontros informais, que são a tônica de eventos como esse, é um dos aspectos mais interessantes de quem passa pela feira. Há ainda a audiência de jornalistas e veículos de comunicação. Parte dos shows – os do Palco Instrumental mais precisamente -, por exemplo, foi transmitida ao vivo por um pool de 17 rádios públicas de diversas partes do país, inclusive a Bahia.
As novidades – Na edição desse ano a Feira da Música recebeu 50 artistas de várias partes do Brasil, nos estilos os mais diversos. Nenhum nome badalado, pelo menos não fora desse circuito. Entre os destaques, porém, nomes já respeitados, como o alagoano Wado, o rapper paulista Emicida e a banda Autoramas. A tônica, no entanto, eram as apostas, os nomes que ainda buscam se firmar e ganhar reconhecimento, mesmo nesse circuito.
Para Teo Filho, vocalista da banda baiana Irmãos da Bailarina, que viajou a convite do evento com passagens pagas pela Fundação Cultural da Bahia, o evento vale muito a pena, “principalmente pela relação que a gente passa a ter com pessoas ligadas a música”. Ele ressalta a satisfação de viajar e encontrar uma estrutura de som e palco de qualidade. “Tocar num lugar assim com as condições que nos ofereceram e ainda receber cachê nos dá um ânimo enorme para continuar produzindo”, diz.
Além da rede de contatos, com festivais, produtores e empresários, dificilmente o leitor leria em alguns dos veículos presentes sobre alguns dos artistas que passaram pelo evento. Improvável ter informação com frequência nos grandes meios de comunicação de bandas como a gaúcha Pública e a carioca Canastra, que fizeram grandes shows no palco rock da Feira.
A primeira com seu indie rok com timbres e arranjos interessantes e até uma cover insólita e muito boa para “Exodus” de Bob Marley. A segunda fazendo um som vintage, pescando referências de Dixieland, big bands, swing, dando um ar contemporâneo e fazendo um som ultra dançante. Dois bons representantes desse universo independente da música brasileira que tem circulado graças a festivais, a organização de associações e ações coletivas.
Destaque ainda para bandas que têm avançado com a música nordestina tradicional, caso da paraibana Cabruêra em um ótimo show, a sergipana Naurêa que faz um forró modernizado e a pernambucana Ska Maria Pastora, que mescla o frevo com ska e cria algo bastante interessante. Bons shows também no palco instrumental com bandas de surf music, lotando a praça e agitando o público, como os fantásticos paulistas da The Dead Rocks com figurinos e música caprichados remetendo aos anos 50 e a banda Camarones Orquestra Guitarrística inserindo diversão e elementos modernos ao som.
Aliás, bela surpresa ver um grande público no palco instrumental, curtindo, dançando timidamente, mas atentos a artistas que nunca haviam visto, sejam essas de surf music, sejam mais tradicionais, como a Orquestra Popular de Recife, o Quarteto de Trombones do Estado do Ceará ou a Assaré Band. O melhor, um público que misturava adolescentes roqueiros, pais com crianças, turistas, cinqüentões e a juventude colorida das boates e botecos no entorno.
Nos outros palcos, bons shows de  Lulina,com seu rock doce e irônico, e Irmãos da Bailarina, únicos representantes baianos. A Facas Voadoras, do Mato Grosso do Sul, fez um show que agradou, principalmente as músicas em português que dão uma personalidade a banda, com um tom meio brega. Ficaram a desejar os cearenses da O Sonso e a paulista Ecos Falsos, muito confusa no palco e com vocais ruins, o que acaba escondendo as boas músicas que a banda possui.
Diego Moraes e o Sindicato funcionariam mais num lugar menor, assim mesmo valeu pelo “quase hit” “Amigo”, uma versão para “Odelay” de Beck e a cover do Jupiter Maçã. A Mini Box Lunar continua sentindo o palco grande, provando que precisa rodar mais e ganhar mais segurança, mas assim mesmo conseguiu mostrar o bem azeitado rock tropicalista que fazem. Fraquinho foi pernambucano Zé Cafofinho, sem graça e pretensioso.
A frase “permita-se ouvir” estampada nas camisas da produção, diz muito do que se propõe a feira e todo esse mercado envolvido. “Não adianta a música ser independente, se os ouvidos não são”, diz o coordenador da Feira. “Estamos mostrando que a música está aí, queremos que o público perceba isso, que ouça outras coisas. Devagarzinho desejamos que cada pessoa abra o cadeado de seus ouvidos, que se permita ouvir outras coisas”, complementa. Vale à pena?