Por Luciano Matos
Corrida para o aeroporto depois de almoço rápido e uma manhã de intenso trabalho. Atraso no vôo. Conexão e mais de uma hora de espera, sem muito o que fazer. O que leva um jornalista a sair do conforto de sua casa, enfrentar o cotidiano irregular de viagens, dividir quarto de hotel e ainda correr de um lado para outro para ver shows de artistas desconhecidos da grande maioria? Alguns deles sem nenhum futuro pela frente, seja pela pouca qualidade, seja pelo ingrato mercado?
Deve ser a mesma coisa que move esses próprios artistas, bandas, produtores e toda uma cadeia de profissionais envolvidos com um mercado da música paralelo àquele que aparece na TV. Se o papo aqui fosse, porém, o grande mercado, que padece enfermo, mas ainda tem muito dinheiro e holofote, o aumento dos cifrões na conta do banco dos envolvidos justificaria todo contratempo.
Na Feira de Música de Fortaleza, assim como em diversas feiras semelhantes pelo Brasil e, mais ainda, em festivais durante todo o ano, o estímulo principal é a própria música. Com ou sem recurso, a idéia é levar adiante a criação, a criatividade, a produção própria ou de outros artistas à frente. O jornalista, a imprensa, os veículos de comunicação em geral nem dão muita bola para o que acontece naquela espécie de mundo paralelo, distante daquele de celebridades, flashs e grandes produções.
Quem está nesse circuito é, portanto, um pouco parte dele e enxerga ali algo que merece ser visto. Mas, mesmo conhecendo bem esse mundo, que ainda preserva o batismo de independente, o repórter se pergunta: o que leva as pessoas a toda essa mobilização? Poderiam estar gastando energia em mega shows, em produções de artistas já consagrados, tocando com gente rica e famosa. Poderiam estar produzindo artistas prontinhos, seguindo a fórmula do último verão, preocupados com os cabelos da moda ou apenas com a aparição naquele programa de domingo à tarde.
É fácil entender. Ainda mais quando se lembra da maioria dos artistas que têm sido premiados nos eventos de música “oficiais” de emissoras de televisão, ou o que aparecem como novidade de nossa música nas rádios. Há algo acontecendo na música brasileira, algo que tem muito menos a ver com show business e mais com criatividade, com novidade e com a idéia de se produzir música mais preocupada em qualidade do que em vender bilhões. Se gravadoras, TVs, rádios e a grande indústria parecem não dar a menor bola para isso, então, essa turma se junta e cria o próprio mercado.
Seus selos, eventos, festivais, produções e feiras, e até meios de comunicação, mobilizam um mercado que, sim, quer vender, atingir o máximo de pessoas possível, mas não abre mão disso por um punhado de dólares. Numa feira como essa, além de muita discussão sobre como viabilizar carreiras, circuitos, bandas e festivais, há troca de informação e, sim, até rodadas de negócios. Nelas, especialmente, artistas e seus produtores tentam mostrar o quão interessante são para gente de selo e, principalmente, de festivais e eventos que ocorrem pelo Brasil. Muitas vezes, focando na busca de espaço para mostrar trabalho e não, necessariamente, nos próprios cachês, um entrave ainda não solucionado nesse mercado.
O melhor é quando diante de todo esse quadro, num evento como a Feira de Música, se percebe que o público não é apenas aquele mesmo que freqüenta os já costumeiros pequenos shows do circuito. Quando se percebe que há um público sedento por novidade. Aquele mesmo, que passa ali para ver uma voz e violão de sempre, pára para assistir um show de um quarteto de trombones ou de um instrumentista vanguardista. Aquela turma que veio simplesmente comer em um restaurante chique, acompanha com atenção a uma banda disparando composições que nunca ouviu antes.
A proposta do evento é vista em diversas camisas coloridas estampadas com o mote “Permita-se ouvir” que passeiam pelo espaço, um enorme e belo centro cultural no meio de Fortaleza, batizado com o interessante nome de Dragão do Mar. Mais do que reunir pessoas, colocar artistas para tocar, fazer negócios, a idéia do produtor do evento,o simpático e empolgado Ivan Ferraro, é fazer com que as pessoas se abram para a imensa possibilidade de música oferecida, não só ali nos palcos, mas em todo país, através de sites, blogs, festivais, shows e nesse tal de circuito independente.
Artistas que podem surpreender até mesmo quem já anda por esses eventos, como a banda gaúcha Pública, que contagiou com um show cheio de adjetivos, que o jornalismo perdoa em casos como esse. Belo show de uma banda que atravessou o país, pagou parte das próprias despesas, apresentou-se para pouco mais de cem pessoas, tocou no outro dia em outra cidade do Nordeste, a 800 quilômetros dali, mas conseguiu cumprir muito bem seu papel.
Os bons shows de bandas como Autoramas, nome já veterano e respeitado nesse circuito e que já vem fazendo seguidas turnês no exterior, ou Canastra, ótima banda que traz os dias de hoje o clima e os sons dos anos 50, com sopros, baixo acústico e ótimas composições, mostram que há muito o que se ouvir por ali. Assim como vários outros que passaram pelos três palcos da Feira da Música em seus mais diversos estilos: o ska com frevo da Ska Maria Pastora, a surf music do The Dead Rocks, a musica nordestina moderna do Cabruêra, o rock fofo da Lulina, o forró contemporâneo da Naurêa, entre outros.
Essa música diversa, rica, nova, contemporânea, mas ainda se ajeitando para se tornar viável, é quem move artistas,produtores, festivais,selos, blogs e jornalistas, como esse. Que prefere muito mais assistir a algo real, genuíno e, mesmo cheio de problemas, concreto e promissor, do que a acompanhar um mercado nauseabundo, com cartas marcadas e novidade fabricada em escritório de marketing. Na volta da Feira de Fortaleza, a sensação de estar assistindo algo verdadeiro acontecendo faz com que o repórter nem se lembre de atrasos, conexões, poucas horas dormidas ou outro qualquer contratempo. Bota o fone no ouvido, bota os CDs que comprou e ganhou para tocar… Senhores passageiros, sejam bem vindos a Salvador.