Clipping, Coberturas

FESTIVAL DOSOL 2009 REPERCUSSÃO: RECIFE ROCK – PRIMEIRO DIA

Cobertura: Festival DoSol 2009 – Primeiro dia

É gratificante cobrir um festival em que tudo dá certo. Em que todos os 31 shows nos dois dias de evento começam rigorosamente no horário previsto. E, mais impressionante, que boa parte desses 31 shows funcione muito bem. Outra coisa bacana: atrações gringas, nacionais e locais foram tratadas da mesma forma. Talvez isso se explique pelo fato de os organizadores do DoSol, em Natal, serem músicos e terem bandas. Ou seja, eles sabem o que é estar do outro lado, em cima do palco, e tratam os artistas que contratam da mesma forma como gostariam de ser tratados: com respeito. O sorriso de satisfação que vi nos rostos dos produtores, bandas, público, e até imprensa (essa raça chata que só vê defeito em tudo) foi tão ou mais bonito do que os melhores shows da edição deste ano do festival. E eles foram muitos. Os internacionais Danko Jones, Pulverhund e The Exploited foram perfeitos. Pernambuco foi muito bem representado por Nuda, Eddie e Devotos (este último foi um dos grandes destaques do festival). Entre os potiguares, excelentes apresentações de Bugs e Distro. E ainda teve o carioca Confronto quebrando tudo.

Minha única restrição ao DoSol sempre foi a quantidade tremendamente alta de bandas em sua programação. Mas esse ano o impacto causado pela maratona foi bem menor, e isso pode ser creditado ao rigor britânico em começar todos os shows no horário. E o público compareceu em bom número nos dois dias de festival. Cerca de duas mil pessoas no primeiro dia, e um pouco menos do que isso no segundo. E, mais bacana, trata-se de um público bastante interessado em conhecer tudo que está na programação. A delimitação do local também ajuda. Este ano, como nos últimos, o DoSol deixou de ser na rua e ganhou dois locais fechados bem próximos um do outro: um enorme galpão que concentrava os shows maiores, e o bom e velho bar DoSol, com um palco um pouco menor.

Preciso reconhecer que não acompanhei todos os shows. Alguns por culpa minha mesmo. De todos que perdi, o que mais lamento é o do Calistoga. Mas cheguei em um ponto em que ou guardava energias para ver o Devotos, que tocaria na sequência, ou pifava. Peço desculpas aos caras.

E o primeiro show que perdi foi logo o de abertura, da local Flaming Dogs. Mas cheguei em tempo de ver a também potiguar Drive Out, que faz um emocore bem imaturo (redundância? Pleonasmo?). O que se pode dizer em favor deles é que ainda são muito novos. E que o som estava bem ruim. Aliás, as primeiras bandas que tocaram no galpão sofreram com isso nos dois dias. O som estava bem confuso e muito alto, e mal dava para distinguir os instrumentos.

Já no palco do DoSol a coisa funcionou com mais regularidade. Foi assim no bom show da Venice Under Water, que navega na praia do rock inglês climático, com uma sonoridade intensa e muito interessante. Arranjos bem feitos que lembram um pouco o The Mars Volta, mas não fica só nisso. Deixou uma ótima impressão.

Depois foi a vez do show mais estranho de todo o festival: o mineiro O Melda. Banda de um homem só, o impagável Claudão, que toca guitarra acompanhado de batidas programadas em seu lap top. Sem contar o capacete cheio de guizos que fazem o acompanhamento da percussão a cada vez que ele balança a cabeça. O som estava confuso, mas isso não impediu que O Melda prendesse a atenção do público com suas letras sobre sexo e drogas e sua batida acachapante. Sem contar o visual mais do que inusitado. Para quem curte a combinação rock + escracho.

Talvez a grande revelação deste ano tenha sido a sergipana Plástico Lunar. A banda combina boas doses de blues e lisergia, tudo embalado em um rock muito bem executado. A excessiva referência aos Mutantes às vezes soa cansativa, mas dá para perceber que existem vida própria e criatividade ali. Sem contar que passam a impressão de tocarem juntos há anos, tamanha a sintonia entre eles. Tudo sai redondo na apresentação deles. Banda de altíssimo nível e que merece ser vista com bastante atenção.

Outra banda bastante interessante é a Cassim e Barbaria (SC), que consegue um equilíbrio perfeito entre o pop e a psicodelia, tendo sempre o rock como elemento condutor. Por vezes adotam duas baterias na formação, sendo que um dos bateristas divide a condução das baquetas com a execução de sintetizadores. Não é um som fácil, e requer uma atenção especial ao ser ouvido. O que, para mim, é algo que merece elogios.

O Bugs é hoje a melhor banda de Natal. E o caso deles é impressionante. Porque eles já eram muito bons desde a primeira vez que os vi, lá pelos idos de 2004. E só fez melhorar ainda mais desde então. Há quem reclame que falte uma pegada pop neles. Mas é justamente essa “secura” que me agrada no trabalho da banda. São arranjos crus e ao mesmo tempo extremamente bem trabalhados. São ótimos músicos que conseguem a façanha de transformar suas habilidades em um produto final que não soa enfadonho e, ao mesmo tempo, dialoga perfeitamente com o punk, metal, rock de garagem. Tiveram a rara capacidade de lançar mão de um mói de influências e construir uma identidade muito própria, característica. Não é qualquer um que consegue isso. Digo sem medo de exagerar: o Bugs é, hoje, uma das melhores bandas do Brasil.

O mesmo vale para o excepcional Vendo 147, da Bahia, que fez um dos melhores shows de todo o festival. Banda instrumental que conta com dois bateristas tocando um de frente pro outro, um moleque mandando ver muitíssimo bem num baixo de seis cordas e duas guitarras envenenadas na formação. É pesado, cheio, esporrento, violento. Seu som é cheio, nervoso, envolvente, e é impossível ficar indiferente a ele. E seu show não cansa um segundo sequer, apesar de estarmos no pantanoso caminho da música instrumental, tão fadada ao virtuosismo desnecessário e as masturbações musicais de praxe. Esqueça isso, porque definitivamente não é o caso do Vendo 147. Das melhores bandas que vi surgir nos últimos tempos. E com uma dupla de bateristas de encher olhos e ouvidos.

Nem tudo na vida são flores. Quem já foi muito mais interessante é o pessoal do Os Bonnies, a quem já cansei de elogiar aqui. No entanto, resolveram ficar mais pop, acessíveis, “bonitinhos”, quando a graça da banda residia justamente quando eram mais desencanados, mais roqueiros, mais pesados. Ficou a sensação de que tudo foi diluído em nome de algo que não consegui captar. Passou a ser apenas mais uma banda pop bobinha, quando eram muito mais do que isso em um passado recente. Uma pena.

Aí veio o peso do trio Rejects, cujo único problema em seu show foi o som muito alto (sorry, Foca, mas tava alto pra cacete mesmo!). A banda é uma espécie de radicalização do The Sinks, banda anterior de Foca; mais pesada, suja e crua, e com um vocal que fica entre Metallica e Pearl Jam. E tiveram a ousadia de mandar um cover de “Keep On Rock in The Free World”, do mestre dos mestres Neil Young. Bom show de boa banda que seria ainda melhor se o som não estivesse tão alto.

O paranaense Sick Sick Sinners conseguiu promover uma ode ao punk rockabilly no bar DoSol, que teve espaço para roda de pogo ininterrupta. Seu som é absolutamente original e bem definido. Trilha sonora perfeita para pogar e ser feliz. Seco e direto. E com um baixo acústico que faz toda a diferença e é o grande charme e diferencial da banda.

Nunca vi um show ruim do Retrofoguetes, e não seria no DolSol que o veria. Tudo funciona perfeitamente no show deles. O som fica mais cristalino, a diversão impera e a mistura de guitarra baiana com surf music mais parece um novo gênero musical criado por eles. E isso está longe de ser pouco. E ainda mandaram uma hilária versão para o tema do Show de Calouros, de Silvio Santos. Perfeito como sempre.

Repito aqui o mesmo que disse sobre o sergipano The Baggios no Festival Mundo, em João Pessoa. São ótimos músicos, mas sem nenhuma criatividade. A dupla guitarra/bateria lembra demais o White Stripes e todas as referências destes. Ou seja, ficam sem identidade própria. O que é uma pena, pois os caras são realmente bons.

Danko Jones fez história em Natal. A frase parece óbvia, mas foi exatamente o que aconteceu. Prendeu a atenção de todos até o fim. Verborrágico como de costume, Danko dialogou sem parar com a plateia, provocou, fez caretas, perguntou se alguém ali curtia sexo oral. E, acima de tudo, tocou. E tocou muito! Pode-se dizer tudo do trio. Menos que eles não são ótimos no que se propõem: uma sonoridade básica, simples, calcada entre o punk, o rock tradicional e algo (bem discreto) de grunge. Foi um dos grandes shows do evento. Daqueles que ficarão marcados na memória da cidade.

Este ano, o primeiro dia do DoSol foi dividido em duas partes. A primeira seria uma espécie de “matinê” roqueira, enquanto que a segunda, intitulada “Barulhinho Bom”, se concentraria num público mais heterogêneo, com bandas que dialogassem mais com a música brasileira. E funcionou.

Primeiro com a pernambucana Nuda, dona de uma sonoridade tão ímpar que fica difícil de encaixá-los em qualquer categoria. O show deles prendeu atenção do público, que ficou concentrado na mistura de samba, cavalo-marinho, guitarras pesadas, reggae e psicodelia da banda. Músicas como “Samba de Paleta” e “Amar é Nenhuma” mostram um grupo extremamente original, ousado. Belo show de uma banda que merece ser ouvida por mais gente.

O DuSouto é um tremendo fenômeno local. Foi o show mais concorrido da noite. E o de maior apelo entre o público feminino. E o pior que vi em todo o festival. A banda é daquele tipo que você fica se perguntando por que diabos as pessoas gostam, pois não tem nada a oferecer. Um som mixuruca para gringo ver, uma falsa mistura de brasilidade e eletrônica, tudo embalado de forma plastificada, sem um pingo de originalidade, artificial, diluído. Mas faz um sucesso tremendo em Natal. A humanidade e seus mistérios…

Depois entrou a Orquestra Boca Seca, que tem a maior pinta de banda cover tentando fazer música autoral. O que ficou evidente na versão que fizeram para “Manoel”, do repertório de Ed Motta. Nada que acrescente ou que ofenda. Do tipo que ninguém se lembra no dia seguinte.

Apesar de tocar em Natal, o Eddie jogou em casa. Impressionante como a banda é querida na capital potiguar. E isso faz todo sentido. O Eddie tem a cara da cidade: praieiro, descontraído, divertido. Trummer estava com muita vontade de fazer um bom show, e conseguiu. Todas as músicas foram cantadas por todos, e tudo que leva a assinatura da banda tem cara de hit em Natal. Da fase mais brasileira até a mais antiga e roqueira, tudo é muito bem assimilado pelo público. E o todo acaba fazendo todo o sentido do mundo. O Eddie é de Olinda, mas poderia ser de Natal, Salvador, São Paulo…

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