Clipping, Coberturas

FESTIVAL DOSOL 2009 REPERCUSSÃO: POPUP (PE)

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Foto: Danko Jones no Festival Dosol 2009, por Rafael Passos

Por Bruno Nogueira

http://www.popup.mus.br/2009/11/16/dosol-2009-cobertura-parte-dois/

Já completou uma semana que o último amplificador desligado e o apagar das luzes anunciavam o encerramento da quinta edição do festival DoSol em Natal. Ainda assim, a experiência de dois dias de algo que presenciei nascer no Rio Grande do Norte continua martelando constantemente na memória. O que se viu ali foi mais do que uma mostra de bandas e uma celebração a boa música, mas um vislumbre rápido do futuro, no Nordeste, de um formato clássico de consumo de música. Pode-se dizer que o DoSol conseguiu não apenas legitimar uma nova experiência em festival, mas dar uma identidade muito mais brasileira a esse tipo de evento e também associar a um método de trabalho muito mais complexo para que aquelas dois dias de música aconteçam.

Em um cenário onde a maioria dos festivais – inclusive o vizinho Mada – só diminuem, o DoSol consegue o incrível feito de crescer. No lugar do ambicioso palco gigantesco que aguarda pelo menos uma dezena de milhares de pessoas, a rua fechada no centro histórico de Natal reserva duas casas de show para a maratona de 30 bandas. Com a modéstia de quem reconhece que o rock independente tem um nicho pequeno de público, o sucesso do DoSol é justamente atingir um público que é selecionado. Não deixa de lembrar, de certo modo, o mote do “Think Different” que a Apple lançou uma vez para lembrar que as vezes é bom estar do lado de uma minoria criativa e vanguardista.

E é desse público que vem o melhor do festival. Mesmo em uma área distante da via costeira de Natal, sem nenhuma lembrança da maravilhosa praia da cidade, o DoSol se enfurna em uma rua estreita e traz um dos melhores climas para confraternizar com amigos. Estar ali chega a ser mais divertido, certas vezes, que assistir alguns shows. Como todo festival deveria ser, na verdade. O que é irônico de pensar que, justamente o festival que acontece em uma área mais apertada é o que menos te obriga a assistir todos os shows. E clima, tratando-se de festival, é algo que vale ouro. Bom humor, companhia dos amigos e cerveja sempre gelada consegue fazer até banda ruim ficar boa.

O formato menor – aliás, diria até “o formato sensato” – do DoSol seria suficiente para colocar esse como um dos cinco melhores eventos de música hoje no Nordeste. Mas o festival acontece cercado por um contexto que é ainda mais importante de ser citado. Estar ali é presenciar também um trabalho de continuidade. Enquanto cerca de 80 a 90% dos festivais hoje acontecem como uma nave espacial que desce na cidade durante três dias, depois sobe e só volta no ano seguinte, as ações ao longo de vários fins de semana que acontecem no Centro Cultural DoSol Rockbar é o que garante esse público tão selecionado. A formação nasce ali e não na internet.

Esse contexto todo com cara de enrolação acima é importante por dois motivos. O primeiro é para entender porque uma programação que cobra ingresso e onde a figura mais famosa a circular entre o público é o vocalista Cannibal da banda Devotos, consegue reunir um público de mais de 3 mil pessoas. E o segundo, mais importante, é para compreender que apenas em um ambiente desses – e com o trabalho de continuidade – que Natal hoje consegue ter uma coisa que parecia impossível assistindo edições passadas do Mada e até as primeiras edições do DoSol: banda boa.

PRIMEIRA NOITE
O DoSol é um festival que começa cedo. Quando o relógio marca 14h, as bandas já estão passando som na Ribeira, centro histórico de Natal que fede a peixe sem dó de quem passa por perto. Mais educados que eles, só mesmo o público, que também chega na hora marcada para ver as primeiras atrações. Claro que ainda é um público formado principalmente por amigos, namoradas e até parentes. Mas se esses não chegassem lá – e não chegam na maioria dos casos – o DoSol já teria problemas demais para dar conta. Para Flaming Dogs, Driveout e Venice Under Water, abrir os trabalhos não apenas uma obrigação burocrática.

Para os educados em atrasos e festivais que varam a madrugada, como eu, chegar no DoSol às 18h significa perder sete shows. Dois deles, ainda bem, já tinha visto duas semanas antes no Calango, em Cuiabá. Era O Melda, projeto de one-man-band de Claudão Pilha, mesmo que toca Aobra e o Campeonato Mineiro de Surf; e a outra o catársico Cassim e Barbária, um show que mesmo ainda recente na memória, fez falta ter perdido. Foi agradecer a sorte de pegar os momentos finais do Bugs, banda que joga na primeira divisão do rock potiguar. Show surpreendente, que diria muito sobre o restante da noite.

Diria muito, mas não tanto quanto a banda que tocaria logo depois. Vendo 147 é a grande revelação do DoSol. Instrumental de Salvador, com duas baterias que tocam se encarando, mandam de trilha sonora de Caverna do Dragão a versões mashup de Iron Maiden e Black Sabbath, mas fazem o queixo cair mesmo nas faixas autorais. É quase uma face skate-rock do que o Retrofoguetes já faz com a Surf Music. Não vai ser surpresa ler o nome da Vendo repetidas vezes próximo ano nos calendários dos festivais, porque se tivesse que apostar todas as minhas fichas agora, diria que essa é a grande banda da vez.

Junto com o Bugs, os Bonnies e Rejects completam esse teoria de que Natal já é uma terra de ótimas bandas. A segunda, em edições anteriores, não passava de uma curiosa bandinha mod com uma gurizada de terno arriscando um rock sujo. Agora estão mais velhos, mais sujos e com uma força rock destrutiva que é contagiante. Quem chegava perto do palco já tirava a camisa e pulava feito pipoca de um jeito contagiante. Já a última é o time da casa, banda de Anderson Foca, produtor do festival. Destrutivamente alta, daquela que você considera duas vezes se quer ou não perder um pouco do timpano só para estar no mesmo ambiente. Mas a guitarra sempre é mais convidativa que o bom senso.

Sem contar claro, com o melhor show da noite, que foi da banda Retrofoguetes – o que soa redundante. Não tenho dúvida que eles sempre vão ser o melhor show onde quer que toquem – a primeira noite do DoSol chamou ainda atenção para como é grande o público psychobilly no Nordeste. Uma ótima surpresa ver a casa totalmente lotada para a apresentação do Sick Sick Sinners e impossível não se deixar contagiar pela insanidade de todo o sindicato do suor que se reunia lá dentro. Desconforto compensado com o momento mais divertido da noite.

Teve mais, claro. Danko Jones, com seu hard rock moderninho, conquistou a maior parte do público que era formada por quem ainda não conhecia sua música. E teve também a ótima idéia de mudança de público na meia noite, quando o rock deu espaço ao Baile Barulhinho Bom. Eddie antecipou o carnaval em Natal e não aceitou sair do palco antes das 4h da manhã, com um de seus repertórios mais completos, mostra que está em uma de suas melhores fases. Teve até cover de Ramones.

SEGUNDA NOITE
Clima criado no sábado parecia até mais fácil para as bandas locais tocarem na última noite do DoSol. Destaque para a Fliperama e Distro, que parecem até que se transformaram em novas bandas, se comparadas com os shows que faziam há quatro anos. Boas a ponto de poder circular sem medo pelas cidades vizinhas em outros festivais e, finalmente, livres das referências ao hardcore melódico que inevitavelmente apareciam vez ou outra em suas músicas. São duas bandas que amadureceram e cresceram junto com o DoSol.

Em uma noite marcada principalmente por bandas pesadas ao extremo, acabou chamando atenção quem fez menos barulho. Como a Norueguense (e parte brasileira) Pulverhund e o Devotos. A local Calistoga parece ter encontrado seu real lugar no mundo vegan, mas essa fase piano da banda continua a pessoalmente achar ela cada vez mais esquisita no palco. Estão mais racionais, com um pouco menos daquela energia que marcava os primeiros shows. A exceção a essa regra toda é a Mugo, de Gôiania, que no quesito barulho conseguiu fazer uma das apresentações mais memóraveis do festival.

Mas, programação a parte, essa era a noite do Exploited. E o DoSol conseguiu entrar para a história do rock no Nordeste trazendo uma das maiores lendas do punk para tocar pela primeira vez na região. O sorriso estampado no rosto do vocalista Wattie Buchan era a tradução mais simples e direta sobre tudo que foi dito aqui sobre clima e que nem ele, com seu sotaque escocês indecifrável, conseguiria explicar. A banda só tocou os sucessos mais conhecidos, que arrancaram um “ah, é a banda dessa música, é?” do público desavisado ao ouvir “Sex and Violence”. E da mesma forma que começou cedo, o festival terminou antes da madrugada, como tem que ser um bom domingo.

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