Ribeira festiva
O bairro Ribeira, equivocadamente visto por muitas pessoas como velho em vez de ser tratado como antigo ou histórico, foi testemunha de um período de grande efervescência até meados dos anos sessenta do século 20, quando a cidade baixa concentrava boa parte do comércio e da boemia natalense. ‘Abandonada’ nas décadas seguintes, inclusive pelo poder público, a Ribeira ainda preserva vestígios desse passado recente e sua vocação para protagonizar ações culturais ganha novo fôlego com o projeto Circuito Cultural Ribeira
Em cartaz uma vez por mês, desde o carnaval, o evento abraça vários pontos do bairro. Mesmo com o tempo chuvoso, que dominou o clima do último domingo (3), um bom público circulou pelos becos e ruas do lugar para conferir as atrações escaladas para esta quinta edição.
A intensa programação começa cedo – a partir das 15h já tem coisa acontecendo – e o ateliê de Flávio Freitas foi escolhido como ponto de partida: por lá, o bate-papo agendado com artistas plásticos sofreu atraso devido a insistência da chuva, mas a turma presente não perdeu tempo para tecer comentários sobre os frutos já colhidos pela iniciativa, que promove de forma descentralizada e gratuita apresentações de música, teatro e dança, intervenções urbanas, artes visuais, debates, exposições e exibições audiovisuais. Como o tema dessa edição era Artes Visuais, vários artistas foram às ruas pintar prédios e realizar intervenções urbanas.
Limpeza do Beco da Quarentena
Um bom termômetro dessa ‘colheita’ positiva do CCR pode ser exemplificado pelo Beco da Quarentena, localizado entre as ruas Chile e Frei Miguelinho, espaço antes dominado por lixo e todo tipo de ‘milacria’: “Na primeira edição, o Beco da Quarentena chegou a ficar seis horas limpo”, lembra Anderson Foca, produtor do DoSol. “Depois de algumas edições, esse índice pulou para cinco, seis dias”, complementa Edson Silva, da Casa da Ribeira. Para ambos, esse índice já é reflexo das atividades. “Os próprios moradores do bairro estão percebendo o quanto é importante valorizar o ambiente”, comemora Foca. “Nosso trabalho vai no sentido de despertar maior consciência patrimonial”, pontua Edson, graduado em Arquitetura.
A lavagem do Beco da Quarentena pode ser considerada o ponto alto da programação, com cortejo escoltado pela banda Rosa de Pedra. Limpo, iluminado e com uma base de tinta branca, o beco está sendo utilizado como tela para intervenções de artes visuais e grafites – os trabalhos iniciados serão concluídos ao longo do mês de julho. “É interessante que a Ribeira permaneça movimentada independente do Circuito”, declara a equipe de produção.
Durante o trajeto, foram identificadas algumas lixeiras em locais estratégicos – nada que pudesse dar conta do volume de lixo gerado – um problema crônico no bairro. Mas “já é um bom começo. A prefeitura está percebendo que vale a pena apoiar o Circuito”, disse Edson Silva. A Semsur e a Urbana também limparam as ruas e iluminaram o centro do bairro. No quesito segurança, um dos pontos fracos do bairro, a ronda da Polícia Militar até que circulou pelas ruas da Ribeira. Porém, os agentes que estavam na viatura de número 131 ultrapassavam as barreiras montadas pela Semob em alta velocidade e não perceberam que o formato do evento requer uma abordagem diferenciada – à pé ou, no máximo, de moto. Em determinado momento, fizeram questão de atravessar a rua Chile lotada com a Blazer entre o público e ambulantes.
Espaços
Ao todo, treze espaços integram o CCR: Casa da Ribeira e DoSol, mais Buraco da Catita, Espaço Gira Dança, Armazém Hall, Galpão 29, Cultura Clube, Ateliê Flávio Freitas, Central Ribeira Botequim, Consulado Bar, Espaço à Deriva, Let’s Rock Bar e Nalva Melo Café Salão. “Inicialmente a programação ocupava oito espaços, que receberam aporte financeiro (do Conexão Vivo e Lei Câmara Cascudo) para viabilizar os eventos, o restante foi sendo incorporado ao longo desses cinco meses”, informou Anderson Foca – Cultura Clube e Let’s Rock Bar são os caçulas do Circuito. Capitaneado pela Casa da Ribeira e pelo Centro Cultural DoSol com patrocínio do Conexão Vivo e do Governo do RN através da Lei de incentivo Câmara Cascudo, o Circuito Cultural Ribeira que volta a movimentar o bairro no próximo dia 7 de agosto
Encontro entre criador e criatura
Autor do livro “Recomendações a Todos” (1982/Editora Maturi), o escritor Alex Nascimento desceu até a Ribeira para prestigiar o Circuito, onde acompanhou ensaio do Coletivo Atores à Deriva. O grupo está em plena montagem de espetáculo homônimo baseado no livro, e parte de seu processo de criação foi apresentada em primeira mão a uma seleta plateia que compareceu ao Espaço à Deriva.
A livre adaptação tem dramaturgia de Henrique Fontes, direção da equatoriana Coco Maldonado e cenotécnica do alemão Anatol Waschke. “A previsão de estreia do espetáculo é setembro, e seria perfeito se o livro fosse relançado no mesmo período.”, declarou Fontes.
Se depender do autor, o desejo de Henrique pode se tornar realidade: “Não tenho esse tesão todo em relançar o livro, mas se houver convite pode até ser”, confessa Alex, de forma enigmática. Alex contou que o livro teve duas edições, ambas com mil exemplares cada, e que a segunda foi bancada por um professor universitário de São Paulo que visitava a UFRN. “Só pode ser um louco”, brinca Nascimento. O escritor ainda contou que, há uns dez anos, chegou a receber pedido de autorização de um grupo de teatro do Recife interessado em encenar “Recomendações a todos”, mas a proposta não vingou.
Sobre o ensaio, disse que tudo era novidade: “Fui pego de surpresa, não estou sabendo de nada, o que sei, li no jornal (TN de sábado, dia 2). Mas já formalizei a autorização para o grupo”, adianta. O livro aborda a loucura como tema central, e a peça materializa o primeiro e o último capítulos.