Coberturas, DoSol Eventos

COMO FOI? BUENA VISTA SOCIAL CLUB EM SALVADOR

Por Luciano Matos

É muito raro Salvador ter um final de semana tão agitado de shows internacionais como foi esse último. Se o Perc Pan deixou a desejar para muita gente, especialmente com o show interrompido de forma meio caótica do Beirut, a mescla de músicos veteranos e jovens do grupo cubano Buena Vista Social Club Stars foi a redenção. Muita gente ainda questionava a validade do show, já que os nomes mais conhecidos não estavam presentes na turnê pelo Brasil, que incluiu além de Salvador, Olinda e São Paulo. Questionamentos desnecessários. Primeiro porque o Buena Vista é uma junção de artistas diversos de Cuba que num determinado momento ganhou uma produção conjunta num disco produzido por Ry Cooder e depois num documentário feito por Win Wenders. Ou seja, não era, nem é, uma banda com integrantes fixos e pré-determinados. Segundo, boa parte daqueles nomes do disco e do filme, infelizmente, já morreu. Terceiro, bastava assistir esses shows no Brasil para entender que a essência da música cubana estava ali da mesma forma, presente, forte, inspiradora e apaixonante.

Comandandos por dois dos nomes presentes desde a edição mais famosa do Buena Vista – Amadito Valdes, “la baqueta de oro de Buena Vista”, e Barbarito Torres, “el rey de laúde” -, o grupo desfilou em duas sessões no Teatro Castro Alves música de primeiríssima qualidade, daquelas de dar inveja e fazer pensar porque na Bahia não se faz algo tão nobre com sua música mais popular. Nada cult, metido a sofisticado ou pretensioso demais. Muito menos popularesco, descartável ou submisso. Eram excelentes músicos mostrando que é totalmente viável, possível e até fácil, para quem sabe, fazer um show que alie no palco entretenimento e qualidade. Uma lição para 9 entre 10 artistas baianos e, porque não, brasileiros.

Evidente que não é em todo lugar que se pode ter uma banda brilhante desse naipe. Rodolfo Argudin no piano atuava como o diretor musical, comandando a banda e o ritmo com suas teclas e um jeito todo cubano de tocá-las. A cozinha cubana mostrou seu tempero forte, com o baixo acústico preciso de Fabian Garcia e a incrível e hiper suingada percussão de Johannes Bonat Garcia (bongo), René Suarez Zapata (timbal) e Mayito Rivera, que também assumia os vocais em alguns momentos. Nos sopros, Heikel Fabian Trimiño levava o trombone, enquanto Thommy Lowry García quase roubava a cena sozinho do show tocando magistralmente seu trompete. Sabe aqueles caras que tocam tanto, que não só outros músicos ficam vidrados, como qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade é arrebatada? Era ele. Daqueles caras que fazem muita gente querer sair do show e aprender a tocar. Ainda na parte instrumental, os dois mestres: Amadito Valdes dava seu show a parte nos timbales e Barbarito Torres mostrava outra particularidade da ilha que já foi de Fidel, o alaúde servindo à música cubana, com direito até a virtusiosismo com ele tocando com o instrumento nas costas.

Parágrafo a parte são as duas cantoras, que contavam ainda com uma backing vocal. A veterana Teresa Garcia Caturla, no alto de seus 72 anos, mal começou a apresentação e já estava no meio da platéia puxando o povo para dançar. Nada forçado ou querendo ser estrela demais, tudo no ritmo e no jeitinho cubano de ser. Conquistou a todos e, em 15 minutos de show, já tinha o Teatro Castro Alves inteiro em suas mãos. Animada como num autêntico baile cubano, conversava, dançava, mandava o público bater palmas, cantar, levantar. Num momento passou uma música inteira andando pelo meio do público jogando seu caxerê para as pessoas como se fosse uma bola numa brincadeira. Isso tudo sem falar na voz, que ela soltava sem piedade. Sem desafinar, sem sair do tom, sem fraquejar, mostrava que Cuba é terra também de boas cantoras. Aliás, redundância falar em boas cantoras com a outra figura responsável pelos melhores momentos da noite, Idania Valdes. Que voz. Poucas cantoras conseguem mostrar ao mesmo tempo uma voz tão bela, forte e emocionante. Os queixos ficaram espalhados pelo chão.

Sem se esforçar e sem ficar posando de diva, Idania, mostrou o que é saber usar o talento. Sem firulas, cantava de forma precisa e só quando a música pedia largava o vozeirão em tons quase inimagináveis. Com um apertado vestido preto que delineava as curvas da mulher cubana, dançava no alto de seus saltos. Como todos na banda mostrava uma simpatia impressionante e em sintonia com o público (e com a música brasileira) entoava trecho de “Mas que Nada” no meio de uma guaracha. Ainda cantou com a platéia “Corcovado” de Tom Jobim, com sotaque e ritmo cubano. Pequenos trechos que só mostravam a proximidade entre a música brasileira e cubana e o imenso talento em cima do palco.

Mas foram os ritmos da ilha do Caribe, é claro, que deram o tom da noite. A habanera, o merengue, a criolla, a guaracha, a guajira, a rumba, a salsa, o mambo, o bolero e o cha-cha-chá. A alegria da banda parecia reforçar as semelhanças com a música feita na Bahia. A diferença está no apuro e na preocupação em se pegar o que de melhor vem sendo produzido por lá há décadas, talvez séculos, e colocar isso de forma tão inteligente e com qualidade em cima do palco. Um repertório com parte de músicas desconhecidas, que pareciam no inconsciente de todos presentes, e outras tiradas do já clássico álbum do Buena Vista, como as lindas “Dos gardenias”, “Chan Chan”, “Veinte años” e “El cuarto de Tula”. Com direito a dois biz na segunda sessão, o grupo terminou com um marco da música cubana, a célebre “Guantanamera”. Daquelas noites para sentir orgulho de ser latino e lamentar que não é todo dia que podemos assistir a um espetáculo de tamanah qualidade por aqui.

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