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REPERCUSSÃO FESTIVAL DOSOL – MATRIZ ON LINE (RJ)

Às vezes minha cabeça é invadida pela certeza de que algo premonitório sobre o rock’n roll passou pela mente de Nitzchie quando ele disse que “a arte existe para que a verdade não nos destrua”.

Diante de verdades na maioria das vezes duras e indigestas, o som distorcido de algumas guitarras e adjacentes abre pontes e, como a qualquer manifestação artística, dá-se as opções de simples entretenimento ou de uma arma política. É muito do que eu preciso para viver com uma taxa mínima de (in)sanidade.

A grande sacada do rock foi firmar-se como algo capaz de mudar a vida das pessoas e ao mesmo tempo ser cínico o suficiente para não exigir grandes explicações filosóficas, numa ponta. Na outra utilizou a enorme empatia que a música imprime nas pessoas para servir de instrumento politizado e de protesto contra duras verdades. Unir num curto espaço de tempo as duas coisas é de lavar a alma.

Meninos eu vi o MQN e o Mundo Livre ao vivo, em shows que me fizeram mandar às favas a imparcialidade de quem estava lá a trabalho e deveria tecer comentários blasés, típicos de jornalistas de música que costumam ver shows com uma “pose de bienal” impagável.

O hard rock mais “farofa com coração de frango” possível, as chupadas mais descaradas dos bons discos do AC/DC com leves pitadas de Deep Purple e Black Sabbath e aquela euforia que só Paradise City, do Gun’s Roses, dá na gente – mesmo que você negue que um dia o fez. Junte tudo isso e encontre o MQN.

É a face mais divertida e uma das mais instigantes do rock. Com direito a banho de cerveja no palco e letras profundas como a pia de um boteco sujo, com uns discos empoeirados para ouvir e que a gente quase não encontra hoje em dia.

Cantar “Cold Queen” a plenos pulmões me fez esquecer por instantes a verdade de mais um dia de trabalho que me esperava algumas horas adiante. Foi uma experiência e tanto.

Então, já que algumas verdades ultrapassam o nosso cotidiano tedioso e dão conta de um mundo que muitas vezes passa incólume no Jornal Nacional, sem nenhuma reação de nossa parte, meros expectadores, o rock criou o Mundo Livre S/A.

Eu posso – e isso ocorre de fato – não concordar com muita coisa do discurso do Mundo Livre e ZeroQuatro e achar na maioria das vezes que um show panfletário, mesmo utilizando discursos musicados, corre o risco de ser algo muito chato. No entanto, o que eu vi e ouvi sob o comando de um dos arquitetos do Manguebit, não me dá a liberdade de ignorar a categoria como ele distribui o seu panfleto sonoro.

Quando digo que o Mundo Livre é rock, falo na famigerada “atitude”. Isso que a cada rocker que você pedir um conceito, vai ouvir mil e uma explicações, mas no fundo, a melhor forma de aferir é em cima de um palco e a forma como alguém utiliza o microfone. ZeroQuatro tem isso. ZeroQuatro tem culhões. ZeroQuatro não vai ser visto na sua TV fazendo comercial de cerveja com Carlinhos Brown. Isso se chama coerência e o rock precisa disto.

O sistema contra o qual o Mundo Livre luta, conciliando swing e política, é o mesmo que criou figuras como Sting e Bono Vox (pós-Sunday Bloody Sunday), tão convincentes quanto Maluf fazendo caridade com dinheiro público.

Os motivos da luta do Mundo Livre são geralmente dispersos, pulverizados e contra um inimigo comum mesmo que por razões diversas. Isso dependendo de como se exponha, pode parecer burrice. Não é o caso.

Unir no palco um cover de London Calling – um grito de sufoco de uma juventude inglesa abatida em pleno vôo – com a sagrada tábua de esmeraldas revisitada pelo cheiro da lama de Recife, é para poucos. E quando você sai da música e tenta encontrar uma brecha contra o dircurso, encontra uma declaração de independência num EP lançado longe das grandes gravadoras com músicas cada vez mais afiadas. Esqueça. Eles são o que cantam.

A verdade, porquê às vezes é dura demais para ser encarada de frente, necessita de alguns escudos. Seja para esquecer que ela pode nos destuir, ou para lembrar sempre disso. MQN faz muito bem aquilo. Isto, ninguém no rock brasileiro atualmente, faz melhor que o Mundo Livre. Quando eu precisar de alguma das suas opções, já sei o que fazer

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