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REPERCUSSÃO FESTIVAL DOSOL – A TARDE (BA)

Universo independente em Natal
Agosto 10th, 2006 by Luciano

Natal tem pouco menos de 800 mil habitantes e é mais conhecida por seus atrativos turísticos. Um novo aspecto vem, no entanto, chamando atenção da cidade e colocando a capital do Rio Grande do Norte no foco de revistas especializadas de músicas e caderno culturais de todo país.
É a música independente, que vem sendo contemplada com dois bons eventos durante o ano e nesse último fim-de-semana levou quase seis mil pessoas para as ruas da Ribeira (o centro antigo da cidade) para assistir 37 bandas no Festival do Sol. Em dois palcos principais e um menorzinho, uma grande maioria de bandas de rock mostraram em três dias que há muita vida inteligente além das rádios e gravadoras.
Para quem não conhecia, a surpresa foi a banda baiana Los Canos, que, com seu punk rock poser despretensioso, conquistou público e crítica. Um pouco mais pesados que de costume, mas com a mesma veia pop e a capacidade de criar canções pop, singelas e até românticas. No final, saíram consagrados com os jornalistas presentes os colocando entre os melhores shows.
Um festival como antigamente, que, sem ser nostálgico, reuniu num mesmo espaço tudo que um evento desse porte pede. Música boa rolando, um público bastante jovem circulando, feira de CDs, camisetas e bottoms, mostra de fanzines, discussões sobre o mercado de discos e muito rock, sem brigas, completamente na paz.
Mesmo Natal não tendo ainda uma cena musicalmente consistente, da quantidade e diversidade de estilos e bandas que circulam nos três dias do Do Sol devem aparecer bons resultados. A ausência de um artista de expressão da cidade – o nome mais conhecido talvez seja o cantor Gilliard – ainda faz muita falta. A circulação musical vista nos festivais, porém, traz um fato novo, a informação circula, a garotada vê novidades, conhece opções e se influencia.
Misturas – Se ainda não há um nome de grande expressão, dois grupos despontam como boas apostas na cidade. Uma foi destaque no Do Sol do ano passado – os garotos d’Os Bonnies -, a outra foi a grande surpresa da edição desse ano, DuSouto. Um grupo que faz música contemporânea de qualidade, rezando na cartilha de misturas.
No palco, na primeira noite do festival, mostraram com competência que Natal está sintonizado com o que de melhor anda se fazendo com a junção de música brasileira com batidas eletrônicas. Melhor, sem soar clichê. Uma estrutura convencional de baixo-guitarra-bateria mesclado a programações, samples, scratches, beats e bits.
Côco, samba, reggae e baião à base de drum’n bass, dub, jungle e raggamuffin. Som para dançar, com referências de Luiz Gonzaga e Jorge Ben, e que fez o DuSouto transformar o festival, eminentemente de rock, numa grande rave-terreiro-funk. A melhor surpresa do evento.
E, se o grande papel de um festival independente é mesmo apresentar bandas para o público, o Do Sol cumpriu muito bem esse papel. Foi a oportunidade do público local assistir a grupos de quase todo o Brasil (11 estados estavam representados). AlLém do Rio Grande do Norte, Pernambuco era o estado com maior número de representantes (seis grupos), incluindo desde o Mangue Beat do Mundo Livre S/A até o punk do Devotos.
Um dos maiores acertos do evento este ano foi a ampliação de um dia, com a criação de uma noite dedicada a sons menos rock. Valia de tudo, da eletrônica já citada do DuSouto, passando pelo experimentalismo de poesia e guitarras d’Os Poetas Elétricos e do Blues com MPB da cantora Simona Talma até o blues rock do Mad Dogs e o pop do Ludov e do Parafusa.

Mundo Livre S/A e Bonsucesso mostraram o excelente nível da música independente pernambucana. A primeira se embasando cada vez mais em revisitar e recriar o repertório próprio. Fazendo versões de sim mesma, com o flerte do punk com o samba. Foi um grande show, que incluiu alguns de seus hits e versões e referências a banda inglesa The Clash.
Já o Bonsucesso Samba Clube mostrou como pegar referências diversas – carimbó, côco, dub, reggae, funk, rock – e embalar numa música particular. Misturas bem azeitadas herdeiras do Mangue Beat.
Misturas que já viraram uma fórmula seguida Brasil afora e que, em Natal, tem como maior representante a banda SeuZé, que fez um show regular, meio perdida em tentar ser Mangue Beat ou seguir um caminho mais em direção ao rock popular brasileiro do Los Hermanos. Rumo já definido por outra banda local, Experiência Ápyus, que, com o violão em destaque, fez um show competente mas sem muito brilho.
Os paulistas do Ludov já têm uma certa fama graças à MTV, mas não dá para destacar uma banda pop que não consegue emplacar canções marcantes e refrões que façam o público sair cantando. Mais um grupo que tem uma musicalidade de qualidade, faz um show competente, mas não consegue ir além disso.

Rock e hardcore – Os outros dois dias tiveram foco maior no rock. No sábado, um desfile de bandas visitantes, entre elas a baiana Los Canos. Grande destaque e supresa foi a Bois de Gerião, de Brasília. Sem muito alarde, ganharam a todos com uma formção que se destacava pelo vocal de Rafael Farret, o trabalho de guitarras e o naipe de sopros. No som, punk rock, ska, boas canções e diversão, com direito a recriações bem interessantes de músicas do Clash, dos Mutantes e do Led Zeppelin. Uma excelente surpresa.

Os shows mais rock’n’roll do festival viriam a seguir. Seja com os gaúchos do power trio Walverdes, que comemoraram 13 anos de estrada com um punk rock envenenado e uma guitarra suja e alta até o talo, que deixaram os ouvidos apitando durante os dois dias seguintes. Seja com o som infernal e brutal do MQN, quase uma banda de metal de tão sórdido. Muito bom.
Seja ainda com o Forgotten Boys, a principal atração da noite. Os paulistas comprovaram a fama, num show de nível internacional supercompetente. Hard rock, duas guitarras, postura clássica de rock-star para roqueiro nenhum botar defeito.
Antes, no entanto, os cariocas do Autoramas já tinham colocado público e bandas no bolso. O grupo despertou todo mundo e mostrou como se fazer rock simples, direto, dançante, apenas com guitarra, baixo e bateria. O melhor exemplo possível de como unir rock, pop, new wave, surf music e boas canções. Mesmo sem frequentar rádios e vivendo absolutamente no universo independente, o grupo teve as músicas acompanhadas em coro. Daqueles shows que você poderia no dia seguinte sem enjoar. Ia dançar e curtir da mesma forma. Melhor show de ROCK do país

Sem muita graça – Mas nem todo mundo tem a capacidade de criar canções com tamanha competência. É o caso de algumas bandas que passaram pelo festival sem brilhar justamente por não apresentar a dose cancioneiro rocker suficiente, mesmo com um bom instrumental. Caso da local Dead Funny Days e Memória Rom e das visitantes Carfax (de Pernambuco).
A potiguar Jane Fonda também ainda falha na pretensão de soar pop utilizando os caminhos sujos do rock. Fizeram um grande show, mas muito mais devido a impressionante sintonia com o público – que cantava todas as músicas, para surpresa de quem não era de Natal – do que pela sonoridade.
No domingo, foi mais marcante a capacidade de não aproveitar a possibilidade de fazer canções, mas a idéia dos grupos nesse dia era mais fazer barulho. Era noite de hardcore. Bem feito por grupos como os locais do Allface, que vem evoluindo bastante, e os paulistas do Aditive.
Além dos dois palcos, colocados lado a lado, o bar Do Sol servia como um laboratório para bandas iniciantes que vislumbravam ganhar destaque nas próximas edições do festival.
Duas bandas do palco principal, Revolver e Karpus, haviam passado pelo teste no ano passado. A primeira não repetiu o bom show de 2005, com seu som sessentista e integrantes vestidos de preto e com gravatinhas, não empolgaram tanto.
A segunda enfrentou o público de
skatistas, que se divertia dançando e gritando ironicamente “Emo! Emo!” (se referindo ao estilo em voga atualmente, o emo-core), além de outros impropérios não publicáveis. Foi a parte mais divertida do show.
Os paraibanos do Dead Nomads foram os primeiros a abrir as rodas de pogo com um hardcore correto, enquanto os pernambucanos do Astronautas acertaram em cheio com seu rock-urbano-tecnológico.
O destaque desse último dia ficou por conta do punk-rock-hardcore do Devotos. Sem falatório, sem dar satisfação, sem grandes invenções, a banda tascou uma porrada sonora. Com o rasta Canibal à frente, e um som tosco de tão simples, fez girar as enorme rodas de pogo sob letras que aclamavam por igualdade social.
Os capixabas do Dead Fish finalizaram o festival com seu hardcore melódico, num show sem supresas, que agradou ao público jovem, mas que não somou muitos pontos na vida de ninguém. Nessa semana, talvez ninguém mais se lembre muito dessa apresentação, mas o festival segue seu papel de mostrar possibilidades e influenciar uma cidade que nunca se destacou na música nacional, mas que vem mostrando como dar atenção e espaço às novidades, sem se preocupar com modismos.

Destaques
Público – Além da primorosa organização, caprichada em todos os aspectos, o maior destaque do festival foi o público. Impressionava especialmente três coisas. Primeiro a média de idade da platéia. Garotada com média de 18 anos. O que dá uma sobrevida a cena local mesmo se tudo desse errado a partir de agora, já há um público imenso de meninos e meninas atrás de rock fora do padrão totalmente mainstream. Segundo aspecto é a quantidade de gente em Natal disposta a sair de casa para ver bandas independentes. Não havia nenhuma banda assídua freqüentadora de rádio, uma ou outra que freqüenta a MTV e 99% totalmente desconhecidas para os pais de qualquer um presente ali. O outro aspecto é o mais surpreendente. Como poucas vezes já vi, o público valoriza bastante as bandas locais, vai para frente do palco, aplaude e o melhor, canta a maioria das músicas em coro. Destaque nesse caso para Allface e especialmente para a Jane Fonda que parecia ser uma mega banda tão era a vibração do público, Tudo bem que toca muito na rádio, mas ai é só mais um mérito da cena local.

Programação – Acertada, bem equilibrada e que agradou. Sem medalhões e valorizando tanto a cena local quanto apresentando novidades de outros estados. A primeira noite mais “adulta” e não tão rock agradou e pode ser o melhor caminho para diversificar o público. Aprovado com louvor. Não à toa reuniu mais de duas mil pessoas com Mundo Livre S/A, Bonsucesso Samba Clube e Ludov dividindo as atenções com atrações principais. O sábado foi mais fraco, com cerca de mil pessoas. O que era esperado, já que não havia uma banda de apelo maior. Forgotten Boys ainda não é tão grande, mas já tem seu público e Autoramas é “apenas” a maior banda independente de fato do Brasil. No domingo, a união de bandas locais fortes, Dead Fish e Devotos foi o tempero perfeito para atrair uma multidão. Umas três mil pessoas compareceram. Muito bom. Isso poruqe na última hora os responsáveis pelo Tributo ao Ramones deu para trás, mas o Fetsival do Sol estava com tudo acertado para receber no último dia a turnê que reunia Marky Ramone, The Queers e Tequila baby.

Emos – A maior surpresa do festival foi a reação hilária de um bando de garotos no show da Karpus. Assim que começou a apresentação, uma parte significativa da platéia (uns skatistas de seus 18 anos) começou a chamar a banda aos berros de “Emo! Emo!” e dançavam de forma hilária. Provocou o ódio do vocalista da banda que bradou contra a postura das “dançarinas”, com ele revidou. Piorou. A cada fim de música, os gritos se alternavam entre “Emo!”, “Gay!” e “Viado”. No maior bom humor, o garotos insatisfeitos e talvez começaram a decretar em Natal o fim da onda chatona do emo-core.

Feira – Difícil achar algum lugar que além dos stands com selos, bancas de CDs (que tiveram boas vendas e renderam sorrisos dos vendedores), camisetas e bottons, tenha ainda uma mostra de zines na feira. Além de lembrar bons anos onde a informação corria pelas revistinhas xerocadas, é saber que é um meio que resiste firme com uma importante função no meio independente. Durante o Do Sol vários deles estavam em exposição disponível para o público. Trabalhos velhos e novos. Teve até lançamento do número 4 do Lado R, do produtivo colega Dimetrius Ferreira. Zine bacana, feito com aquele papel marrom reciclado e que chega a quarta edição trazendo contos, quadrinhos, textos sobre música, fanzines etc. Outro zine local interessante é o Barulhoscópio, de outro parceiro, Alexandre Alves, da Solaris. Em formato A4 traz resenhas de CDs e textos sobre bandas, entrevistas, tudo em torno do universo indie (respeitando o termo como era usado na época áurea dos zines de papel, ou seja, guitar bands e afins). O melhor (mais nostálgico ainda) foi encontrar na feira uma fita demo, sim, isso mesmo, demo em cassete. Acreditem, isso ainda existe. O lançamento faz parte dos projetos do pessoal do Lado R e traz um lado da banda potiguar Dead Funny Days e do outro os baianos da A Sangue Frio. O resultado é interessante, com um trabalho gráfico de qualidade (o som ainda não ouvi) feito por Leo Villas.

Pensando música – Além de músic apara ouvir, dançar, cantar, pular e comprar, o Do Sol desse ano uniu forças com o selo Mudernage e o Sebrae local e promoveu um encontro de gente que faz no meio independente para discutir o mercado e os pilares do mercado indepedente. Selos, festivais e mídia foram os principais focos das mesas, que reuniu nomes como o produtor Paulo André (Abril Pro Rock e Porto Musical), o joranlista Alexandre Matias (editor do Trabalho Sujo e colaborador da Bizz e da Folha de São Paulo), Fabrício Nobre (festival Goiânia Noise e selo Monstro), Fabiana Batistela (Bizz, Inker e Mundo 77), entre outros. Discussões interessantes e a conclusão que o universo independente cada vez mais deixa o ranço de desorganizado e se profissionaliza.

Algumas das melhores notícias – Entre as informações que circularam no Fetsival do Sol algumas boas notícias correram. A melhor delas é que a ABRAFIN (Associação Brasileira de Festivais Independentes) conseguiu uma importante conquista junto ao Ministério da Cultura. Está sendo criado um edital específico para os festivais independentes. Na proposta o Ministério irá selecionar alguns dos eventos pelo Brasil e dará um aporte de R$ 50 mil. Um reforço e tanto. Outra boa nova é a respeito da Feira de Música que o Ministério vai promover na semana pré-carnavalesca de Recife, provavelmente ampliando a idéia do Porto Musical. Parece bacana. Entre as bandas, a snovidades são o novo disco da banda Vamoz!, de Pernambuco. O novo trabalho será duplo e tarrá um disco de inéditas e o outro com um show acústico gravado, além da inclusão de clipes e making of. Isso é um dos caminhos para tornar o produto CD interessante. Por outro caminho, o MQN vai lançar o novo disco em vinil, com 12 música sque também serão disponível na internet. Snooze e Allace foram as bandas nordestinas que acertaram os ponteiros para lançar discos novos pela Monstro. Por lá também se falou da vinda do Nofx ao Brasil, que inicialmente iria tocar apenas no eixo Rio-São Paulo, mas que pode ter a turnê esticada até Natal.

Festivais pelo Nordeste – O Do Sol não era o único festival a rolar no Nordeste neste fim-de-semana. Além de Natal, João Pessoa e Fortaleza realizavam seus eventos. Sem a mesma grandiosidade que o Do Sol já tem, mas com um bom começo, eles aproveitaram as grandes atrações do festival potiguar para fazer suas programações com bandas locais. Em Fortaleza rolou o Festival Ponto.CE e em João Pessoa o Aumenta que é Rock, que contou ainda com b
andas maiores, como Retrofoguetes (BA) e Relespública (PR).

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