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No livro “Temporary Autonomous Zone” o escritor Hakim Bey relaciona algumas situações em que de forma anárquica, determinados grupos sociais conseguem se “descolar” da sociedade, mesmo que efemeramente, aplicando idéias que ao mesmo tempo minam o “establishment” e materializam uma nova realidade usando os instrumentos da que foi deixada para trás.

Há um tom demasiado político nas teses de Bey além de variáveis de cunho filosófico que merecem maiores explanações para se fazer entender por completo.

No entanto, transferida algumas dessas idéias em torno de minar um sistema usando instrumentos dele próprio, uma coisa se encaixa perfeitamente na tese: a música independente do Brasil.

Nos últimos anos o mundo da música – artistas, público e adjacências – assiste à queda das majors, que na real, em raras ocasiões pensaram em outra coisa além de lucro incessante. Talvez tenham esquecido que arte não se mede em cédulas apenas.

As grandes gravadoras, a maioria delas multinacionais, vêem sendo minadas aos poucos, de um lado pela pirataria, do outro por novos projetos e a profissionalização de quem cansou de esperar contratos escravocratas e/ou criou um novo parâmetro de sucesso, que passa longe dos programas de auditório nas tardes dos domingos ótimos para suicídio.

Chico Science estava certo quando disse que se organizando, poderia desorganizar. Ao longo dos anos o que era apenas romântico tornou-se pragmático, com uma leva de novos produtores, selos e gravadoras tomando de assalto um mercado quase sempre viciado pelo que ouve nas rádios, direcionado claro, por generosos jabás.

Essa profissionalização paralela desagüou numa série de pequenos, médios e grandes festivais que acontecem atualmente por todo o país, impulsionando bandas que pouco tempo atrás sequer teriam a chance de sair de suas garagens. Tudo isso com um suporte de boas publicações, revistas, zines etc.

Os instrumentos? Os mesmos que o “establishment” criou em prol dos seus protagonistas, entre elas as grandes gravadoras. Listem-se aí internet, programas para download de música, CD-Rs, softwares que permitem gravar discos inteiros sem sair de casa.

O livre acesso aos meios citados acima tem lá seus pontos negativos. Hoje há uma dificuldade maior em filtrar o que realmente é boa música ou simples diletantismo.

Sites, portais e coisas do tipo disponibilizam milhares de bandas que acabam se perdendo na falta de qualidade ou inexperiência que dificilmente será corrigida na correria das novas informações. É o mal do hype.

Talvez a maior vantagem dessa nova realidade seja a descentralização do foco e a atuação da música profissional, que na maioria das vezes simplesmente desconsiderou um Brasil continente não apenas em tamanho como em produção cultural, que existe além do mundinho SP-RJ.

Hoje as principais fontes da nova música encontram-se longe demais das capitais. Mas isso não se deu da noite para o dia, há um histórico de iniciativas que penaram para consolidar essa realidade, como o Abril Pro Rock , o MADA, o Calango Festival, o Porão do Rock, o No Ar Coquetel Molotov e o Festival DoSol.

Cada um com sua proposta dentro do mesmo terreno e alguns utilizando bandas do mainstream nacional como meio que garanta a cobertura dos custos, é nesses festivais onde as novas gravadoras independentes expõem o seu casting, as bandas ganham público e novas alternativas de distribuição e marketing vão surgindo a partir de discussões sérias aliando tino comercial e produção artística.

Um bom exemplo disso é o que acontece na distante Natal, de onde escrevo. Há dez anos era improvável que mais de cem bandas cariocas se inscrevessem na seletiva de um festival que acontece em terras potiguares.

Foi o que houve na última edição do MADA que apresentou quase trinta bandas em três dias a um custo baixo para o público e com repercussão garantida nos principais veículos de comunicação do país.

É pouco? Sim. Afinal o que não faltam são bandas, novas propostas sonoras que precisam ser mostradas, vencendo a barreira das distâncias e criando novos parâmetros para o sucesso.

A maioria dessas bandas e produtores não tem como meta ser a atração principal do Faustão e caso isso aconteça o objetivo perseguido vai além da mídia, que é ter justamente a sua música conhecida pelo maior número de pessoas possível, um público cativo e que não descarte a sua produção no fim do próximo verão.

Longe dos grandes estúdios bandas como Jane Fonda, Bugs, Os Bonnies, SeuZé e Experiência Ápyus – só para ficar em Natal -, disponibilizam discos bem produzidos, maturidade sonora com propostas diversas e muito profissionalismo, invertendo a lógica da repercussão, sem precisar sair daqui para fazer boa música e ser reconhecido pela qualidade disto.

A única dificuldade ainda é a distribuição dos discos independentes, mas não tarda e isso logo será corrigido, perseverança é o que não falta.

Pensando nessas distorções, ocorre em Natal esta semana além do Festival DoSol – mais um na cidade com quase trinta bandas – uma série de palestras e seminários com pessoas envolvidas na produção de música independente buscando maneiras de ampliar o mercado, interagir melhor com todos os festivais e gravadoras e promover o intercâmbio de bandas.

É mais um petardo contra as majors, mais um passo rumo a uma nova realidade na música brasileira seja rock, MPB, instrumental, agora alforriada, profissional e sem precisar limitar obras de acordo com interesses meramente financeiros.

Conheça um pouco mais das bandas: Os Bonnies, Peixe Coco, Jane Fonda, Bugs, Seu Zé, Bugs, Experiência Ápyus e saiba mais informações sobre o Festival DoSol

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