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RESENHA DE DISCO: CIDADÃO INSTIGADO (CE) – E O MÉTODO TUFO DE EXPERIÊNCIAS

Por Luciano Mattos (El Cabong)

Existem determinados sujeitos que são inquietos e instigantes em sua essência. Entre tantas alternativas de vida, alguns deles resolvem mergulhar no mundo da música e costumam presentear os ouvintes com boas esquisitices. O cearense Fernando Catatau é um desses caras. Desde que lançou os primeiros trabalhos de sua banda Cidadão Instigado ele corrompe as regrinhas da música brasileira. Na verdade nem se importa com elas. Depois de anos tocando alcançou o status de um dos músicos mais importantes e criativos dessa nossa música, pelo menos a do universo que mais importa.

Em 2005, foi considerado pela Associação de Críticos de Arte de São Paulo como o melhor compositor brasileiro do ano. Responsável pela composição, produção, arranjos, voz e diversos instrumentos, Catatau acaba sendo a cara da banda, que criou em 1994 ainda em Fortaleza. Catatau já tocou ou toca com gente como Otto, Vanessa da Mata, Zeca Baleiro, Nação Zumbi, entre outros, mas é no seu próprio trabalho que mostra sua enorme capacidade de criação.

Com o Cidadão Instigado (formado por Régis Damasceno, Rian Batista, Clayton Martin e convidados especiais, como Daniel Ganjaman, Maurício Takara e Izaar, entre outros), solta esse petardo que vem tirando do prumo quem já estava se contentando com as repetições, mesmo as mais recentes. “Cidadão Instigado e o Método Tufo de Experiências” altera os sentidos porque é simples. Desnorteia por utilizar elementos de nosso cotidiano, que mal utilizados costumam ser rejeitados, desprezados ou esquecidos. Elementos que aparecem nas letras, melodias, timbres, instrumentos, forma de cantar e que se juntam a elementos mais modernos, como sintetizadores, bateria eletrônica e efeitos. Ao contrário do quem vem sendo alardeado, não é apenas um disco de música brega no novo milênio.

O trabalho da Cidadão Instigado não é tão facilmente encaixável em um tipo de rótulo. Como no primeiro disco, Catatau e a banda subvertem e jogam para o alto qualquer tipo de tentativa de formatar sua música em alguma prateleira. Passeiam por sons psicodélicos, batidas eletrônicas, sonoridades setentistas, ritmos nordestinos e abrem a torneira de um universo particular para experimentar e contar histórias. Há música brega na música que abre o disco, a belíssima “Te Encontra Logo” e na última “O Tempo”. Um brega moderno que traz uma conhecida sonoridade das mesas de bares.

Dor de cotovelo embalada por um ritmo baladeiro com teclados, trechos falados, corinho e letras que falam de romances melodramáticos. “Estou morrendo e tenho medo de só pensar em você/ Te encontro logo a distância/ Antes dela te dizer que já é tarde demais”, na primeira, ou “mas o tempo é um amigo precioso/ que faz questão de jogar fora/ aquela mágoa vencida que ficou/ sofro por não ter pensado em te dar um desconto/ pus o rancor pra cuidar de tudo/ e vi que a vida mudou um segundo/ s vezes choro/ pois sei que não posso deixar que o passado invada meu mundo/ lembrei do perdão e vi nós dois construindo um futuro.”

Preciosidade da última canção do disco. Porém, não é só isso. Como definir “Os Urubus só Pensam em te Comer”, uma excêntrica música retirada da trilha sonora de um curta homônimo. Experimentalismo em cima de uma batida simples, teclados tortos e uma letra metafórica sobre vacas e urubus. Em “O Pobre dos Dentes de Ouro” uma levada mais latina que logo se transforma num samba de terreiro e muda completamente virando uma experimentação sonora com guitarras.

Tudo para contar a história de um sujeito pobre que sonha com dentes de ouro para ficar lindo. A viagem em que mostra personagens comuns, mas que parecem invisíveis prossegue em “Silêncio na Multidão”. E ai ele mostra a estranheza de um lugar como São Paulo, que acolhe e assusta. A realidade da cidade grande, cruel e solitária. “Eu vejo as pessoas que passam por mim/ que falam, que ralam, que gritam/ em harmonia e solidão/ dói no coração ver meu povo silencioso”. Como se quisesse acordar quem o cerca do conformismo e passividade reinante. E segue ainda com o rock experimental alucinado “Calma!”, a estranha “O Pinto de Peitos”, o meio reggae-rock enviesado “Apenas um Incômodo”, que dá um recado nada conformado de um discriminado (nordestino em São Paulo? Cantor desafinado?), a bela “Chora, Malê” e a esquizofrênica a la Zumbi do Mato “Noite Daquelas”.

Catatau e sua trupe passeiam por sons experimentais e ousados. Encontram uma forma inteligente de falar de personagens comuns, problemas sociais, preconceito e de um universo simples, até cotidiano, mas que poucas vezes foi apresentado ao mesmo tempo de forma tão criativa e original. Criam sonoridades interessantes e desconcertantes, que aliadas s letras ousadas e criativas resultam nessa pequena obra prima.

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