Festival DoSol
17/08/2006
Ano passado estive no Festival DoSol (Natal/RN) do qual o Alexandre Matias já falou aí no Barra Limpa. Deu pra conhecer uma cena diferente, vibrante e cheia de bandas bacanas, que eu só tinha ouvido em CD ou mp3 – além de assistir a shows de grupos como Gram e Matanza.
Este ano, o festival rolou de novo, entre os dias 04 e 06 de agosto, trazendo bandas locais, grupos indies e atrações maiores, como Autoramas, Ludov e Forgotten Boys. Mas acabei não podendo ir. Pedi então aos jornalistas Rodrigo Levino, Bruno Nogueira e Hugo Montarroyos, que são da área (os dois primeiros de Natal, o terceiro de Recife) que me dessem seus pareceres. Saiu isso aí embaixo!
“DoSol – 04 de agosto – Rodrigo Levino
Entre os muitos méritos da música independente no Brasil – com destaque para o rock – um deles merece especial destaque: a descentralização dos focos.
Um deles é justamente o geográfico. A coisa anda de tal forma organizada que há muito a música deixou de ser vista como algo que acontece apenas no eixo Rio-SP.
Do Mato Grosso ao Acre, passando por todos os estados do Nordeste, há hoje um “pool” de festivais, publicações, gravadoras e selos pragmáticos e articulados que rompem a barreira da distância como nunca visto antes.
E foi isso que se viu em Natal entre os dias 04 e 06 de agosto último. Em sua segunda edição o Festival DoSol firmou-se como um evento de médio porte e completamente inserido na cena independente do rock nacional.
Acrescido de um dia e dez bandas em relação à primeira edição, o festival deu-se ao luxo de experimentar algumas seqüências de estilos que pode ser chamado de diversidade. Embora isso às vezes acarrete alguns erros.
É o caso d’Os Poetas Elétricos, o grupo que abriu os trabalhos no palco principal. Esteticamente talvez seja a produção potiguar mais ousada – lá vai o rótulo -, uma espécie de Haroldo de Campos com rock’n roll.
A poesia de Carito interpretada por Michele Regis, mais os timbres variados da guitarra empunhada com categoria por Edu Gómez findam num espetáculo visual e sonoramente interessantes, mas a julgar pela reação do público, vanguardista demais para um dia que tinha como headline a melodia açucarada do Ludov.
A apatia do público – injusta, diga-se de passagem – foi a mesma diante de Simona Talma, que fez um show corretíssimo, de muito bom gosto, mas novamente com o corpo jogado em algo de difícil absorção para o público ainda disperso: o blues. De qualquer forma é bom anotar este nome. Ainda vai longe.
Já os pernambucanos do Parafusa precisam voltar à Natal para aferir melhores considerações tanto da crítica como do público. É mais um dos trabalhos vindos de Recife com grande potencial, mesmo com uma receita às vezes batida de regionalismo lírico.
Alguns problemas em amplificadores, cabos e coisas do tipo deixaram o clima no palco bem tenso e o público sem entender muito do que eles são capazes.
Em seguida mais uma atração potiguar, o Mad Dogs. O apuro técnico dos músicos e as letras fáceis parecem não romper – mesmo com a boa recepção do público local – a sina de “banda de barzinho”, e isso conferido sem muito esforço na performance da banda. O palco é transformado com irreverência num imenso pub, mas não passa disso há tempos e nem é salvo pelos bons covers dos Beatles.
O SeuZé, como sempre aliás, atraiu um séquito de fãs que acompanharam em coro as músicas da banda, mas a apresentação serviu também para mostrar que é hora de “dar um time” e voltar com novo gás, novas músicas e um show que passe longe do que já é visto desde 2005, inclua-se aí as apresentações em dois MADA seguidos. A mistura repetitiva de regionalismos com rock e blues torna-se mais saturada ainda com apresentações previsíveis.
Por falar em regionalismo, que o Bonsucesso Samba Clube não se perca pela nome. De samba só algumas referências “roots”, o resto é a malemolência de Olinda, um frevo com compasso atrasado e letras quase crônicas de um cotidiano sem muitos atropelos que fez o público dançar um pouco num clima para lá de esfumaçado.
Era apenas o ensaio do segundo melhor show da noite: o DuSouto. O “eletrosambacocogroove” da banda deixou as mais de 1.500 pessoas que àquela hora estavam no Largo da Rua Chile em polvorosa. A banda jogou em casa, para um público que sabe de cor e salteado as letras e não se importa com o “incidentalismo” comum de Jorge Ben e Luiz Gonzaga.
O DuSouto lançou no show um disco homônimo remixado e remasterizado pela Nikita Records, e a julgar pela forma como vêm aproveitando os bons ventos, pode ser o pontapé inicial de uma carreira promissora.
Encerrando o casting de bandas locais, a Experiência Ápyus fez o show mais correto da noite, mas sem empolgar o público. “Redondo” como se diz, entrosado e estreando Ticiano D’Amore – um dos melhores do RN – na guitarra.
O funk é da melhor qualidade, mas às vezes perde-se em referências ao samba e à bossa nova datadas. É deveras estranho pedir isso, mas falta um pouco mais de noise, sujeira, algo de visceral que os pais do samba e do funk (e do sambafunk) – de Tim Maia a Curtis Mayfield – podem ensinar sem cobrar nada.
Quase no fim da noite subiu ao palco uma banda que impressiona pela empatia, a presença de palco e a forma como conduz o grande número de fãs natalenses: o Ludov. Do início ao fim do show, viu-se um público empolgado que sabe cantar muito além de “Princesa”, se esgoelando para não perder nenhuma estrofe do set list.
Não é à toa que Anderson Foca, o produtor do festival, sempre diz que Ludov é uma das três (além de Matanza e Mukeka Di Rato) bandas “residentes” da casa. O público agradece e recompensa com um ótimo espetáculo para os olhos e ouvidos.
Fechando o naipe da diversidade, com alguns minutos de atraso o panfletário Mundo Livre S/A começou seu show. ZeroQuatro, um dos arquitetos do Mangue Bit, comandou uma apresentação cansativa para quem estava no largo desde o fim da tarde, mas imperdível para quem curte a banda.
A marcante politização das letras caíram como uma luva no cover incidental de “London Calling”, do Clash. De “Bolo de Ameixa” a “Mexe Mexe”, passando por “Mangue Bit”, a banda desfiou também um rosário de composições recentes, como “Nega Ivete” e “Abrindo o Coração Para Uma Cadela Chapada e Bêbada” do último EP, lançado independentemente e com sempre, abrindo fogo contra as majors.
Do Sol – 05 de agosto – Bruno Nogueira
Ficar de ressaca no Festival DoSol é uma tarefa fácil. No sábado a história começa às 16h30, no bar que serve de quartel general para a cooperativa que também é selo, produtora de vídeo e estúdio. Você acorda tarde, pensando “mas será que alguém vai para lá essa hora?”. Passam na cabeça todos aqueles shows que só começaram no madrugão e encerram na manhã seguinte. Mas para Anderson Foca, o homem por trás dessa história, formação de platéia é assunto sério. A van descarrega os jornalistas na rua Chile e, de repente, às 16h30, os portões estão abertos. E já tem gente chegando.
De repente, no bar DoSol, já tem gente junto do palco, com uma guitarra empurrando a programação calor abaixo. Não tem outra, o expediente começa também com a primeira cerveja. A Distro, banda potiguar que deu início ao sábado do festival, favorece isso. Rock duro, gritado, com uma menina na guitarra. O bar é uma espécie de Belfiori / Casa da Matriz tropical. Esquema inferninho para 200 pessoas, iluminação forte nas paredes vermelhas. Na entrada, um bar garante o social com cinco figuras olhando de longe. São caricaturas de Joey Ramone, Bob Marley, Kurt Cobain, Jim Morrisson e Chico Science. Recife agradece o prestígio.
Quando entra a Doris, a coisa muda de história. Banda dessas
que passeia numa viagem própria, de rock de guitarras com letras que conseguem comunicar para qualquer ouvido, cantando as dificuldades de ser rico fazendo música.
A piadinha infame do dia falava que “a sexta era o dia da música, o sábado do rock”. E pelo menos até o terceiro show dos palcos grandes, a impressão é de que seria uma piada sem graça. Dead Funny Days e 2Fuzz repetiram aquele emocore mais-do-mesmo para pouca gente, que agora ficava dispersa na espaçosa rua Chile. A diferença veio com a Carfax, com seu pop-rock mais redondo, que acabou também tocando para poucos. Era de estranhar, a este ponto. Quando a mão leva o relogio a vista – enquanto o colega segura a outra cerveja – e se constata que ainda não eram nem 20h30. Cedo, cedo…
Parece bobo ficar impressionado com os momentos seguintes. Olhando com calma, o sábado do DoSol tinha uma escalação que dá muito certo em qualquer cidade do Brasil. São algumas das melhores bandas da vez, na peneira do mercado independente. Quando a guitarra forte, louca e de black power loiro dos baianos Los Canos entrou berrando estridente no palco, tudo parecia certo. Certo demais até, quandos os heróis locais do Bugs mostraram nova formação e músicas do novo EP. Momento que carece uma pausa.
Pausa para o Bugs. Esses caras são, definitivamente, a banda certa de Natal. O vocalista tem a cara do Paul Bettany – aquele ator inglês do filme Winbledon – e eles fazem o rock sujo que ora lembra o grunge, ora não lembra nada além de uma estética própria. A estética inseto, do Bugs, é radiofônica, sem soar melosa, ou comercialmente tachativo. Divertido. Bem divertido.
A esperteza do Anderson Foca não tem tamanho. Bois de Gerião e Walverdes (o show mais alto que já ouvi em toda vida) intercalavam o rock sessentista-terninho da Revolver e da piscodelia virtuosa da Memória Rom. As duas bandas são o lançamento da vez do selo DoSol, e nem precisava de tanto para conseguir atenção de todos. Em Natal rola uma coisa engraçada… o público está muito mais interessado no local que nas bandas de fora.
Quando o rock duro da MQN entra no palco, já se perdeu a conta das cervejas. Fabrício Nobre, talvez um dos melhores frontmen rockers do país, funciona como um tipo de imã de público. É engraçado. O cara entra no palco “Venha aqui neste lugar chamado inferno”… e todo mundo vai mesmo. Deve ser o show mais anti-social também, porque todo mundo para de conversar para correr e fazer parte daquela uma hora seguida de rock.
Não sei se por isso, ou pelo facínio local, a ZeroOitoQuatro fez um dos shows mais empolgados da noite. É estranho, porque a banda passa longe de ser tão interessante assim. Rock modesto, sem muita novidade.
A sempre surpreendente Autoramas entra com seu sempre surpreendente show já perto da madrugada. O DoSol começa a desenhar seu final quando a madrugada ainda é uma criança. Oito horas seguidas de rock se descarregam no show do Forgotten Boys. A banda estava estranha no palco, meio contida – ou talvez intimidade com tanto rock bom que viram no dia – que o show do Stand by the D.A.N.C.E acabou sendo bem meia-boca. Mais cerveja e uma missão quase impossível. Acordar inteiro até às 15h do dia seguinte para continuar a maratona do Festival DoSol.
DoSol – 06 de agosto – Hugo Montarroyos
O ronco excessivamente alto de um colega de profissão e de quarto me fez acordar mais cedo do que gostaria. Desci para tomar café da manhã no hotel. Entre mesas compostas por jornalistas, bandas e produtores, o local dedicado ao desjejum mais parecia um congresso de roqueiros. Eis que vejo o Devotos em uma das mesas. Sento-me ao lado de Cannibal, que está com uma touca no estilo Bob Marley, Neilton e Cello. Eles me explicam que o disco novo está pronto. Animado, Neilton me diz que caprichou na arte gráfica do CD, um tanto interativa (a arte) segundo ele. Me perguntam sobre o festival e pelo público. Respondo que está tudo ok, que o público é extremamente receptivo e que eles não deverão ter problemas para fazer um bom show. Alerto apenas para terem cuidado com o som, pois algumas bandas tiveram suas apresentações prejudicadas por conta de problemas técnicos. No final, Neilton desabafa:
– Velho, você acredita que está mais fácil fazer show no Sul e Sudeste do que aqui no Nordeste?
– Sério?
– Verdade. Vamos para São Paulo no final da semana. E ainda não temos nenhum show marcado no Recife.
– Pô, mas agora vocês estão com disco novo. Deve ser mais fácil.
– Tomara. Mas acho que vai ficar na mesma.
Corte para o final da tarde, Rua do Chile. Separo uma grana para comprar uns discos. Vejo o do Devotos e não tenho dúvidas: compro de imediato. A arte, de fato, está mais do que caprichada. O sugestivo título Flores com Espinhos para o Rei vem logo abaixo do nome da banda, ambos ao lado de uma caricatura grotesca e fascinante, assim como todo o desenho do encarte. Há um furo redondo nele, em forma de olho, para você escolher qual será o recheio dele, uma vez que o disco é desenhado por um círculo formado por círculos menores, cada um ostentando um desenho diferente. Se apenas talento fosse suficiente neste país…Resolvo, corajosamente, fazer o que há anos tenho vontade: pedir um autógrafo aos caras.
Discos na bolsa, compras feitas, é hora de começar a encarar, junto com os cerca de três mil presentes, a maratona de onze shows da noite. Assim como no ano passado, o DoSol Rock Bar acolhe três shows locais em suas dependências. Destaque absoluto para o Ravanes, que faz um thrash metal muito raivoso e bem trabalhado. Abriram com “Intro”, do Sepultura, e fecharam com “Roots Bloody Roots”. Entre as duas, apresentaram um bom punhado de boas composições próprias, levando o público do bar aos já tradicionais moshs e rodas-de-pogo.
Depois foi a vez do paraibano Dead Nomads levar seu hardcore californiano para o palco da Rua do Chile. Seria um show para passar despercebido, não fosse a grotesca versão punk para “Bigmouth Strikes Again”, dos Smiths. Constrangedor.
O local Karpus conseguiu ser ainda pior. Com um hardcore melódico pretensamente político de consistência zero, a única coisa que ficou de relevante da apresentação deles foi a exibição de uma bandeira do Líbano. Onde será que compraram?
Os Astronautas, de Pernambuco, fizeram um dos piores shows de sua carreira. Com nova formação em trio, desfalcados de uma guitarra, a banda perdeu muito do peso de seu som, que acabou ficando vazio e um tanto oco. Ainda assim, foram bem recebidos pelo público.
Quem também teve bela recepção foi o local Allface. Em show de estréia de Ana Morena no baixo, tudo parecia conspirar contra eles. Logo de início, o baixo ficou mudo. Depois, o palco inteiro pifou. O revés acabou sendo bom, pois assim que as coisas voltaram ao normal a banda tocou com uma raiva e raça poucas vezes vistas em uma banda de hardcore melódico/emo.
Já o paulistano Aditive foi sonolento. De uma infantilidade atroz, o grupo reza pela cartilha “punk feliz/vida bela/flores para todos”. Fica impossível de agüentar para quem tem mais de 20 anos. Resolvi que era hora de jantar…
O potiguar Jane Fonda é de longe a banda mais popular de Natal. Seu som sofre de falta de personalidade, ora flertando com o new metal, ora com o rock, ora com nada disso e tudo isso e mais um pouco. Foram aplaudidíssimos. Ainda me pergunto o motivo, mas foram…
O Devotos acabou fazendo o melhor show da noite. Amparados pelo carisma de Cannibal e pelo peso de seu som, seguraram a roda-de-pogo durante os quase cinqüenta minutos de show. Priorizaram o repertório do “Agora tá Valendo”, e tocaram a nova “Rádio Comunitária pra Informar”. Como é de praxe, o mundo quase veio abaixo com o final com “Punk Rock Hardcore Alto José do Pinho”.
O Dead Fish já entrou no palco com o jogo ganho. Banda ainda em cima do muro, que não sabe se a
braça as glórias da indústria (e da grana) ou continua no mercado independente, o fato é que o grupo está cada vez mais parecido com o CPM 22. Não há nada de errado em ganhar rios de dinheiro fazendo música. O que é constrangedor é ver uma banda precisar se transformar no CPM 22 para isso. De qualquer forma, o show foi tecnicamente impecável, sem falhas. E agradou geral aos moleques que, daqui a cinco anos, terão vergonha de dizer que gostam do CPM -ops- do Dead Fish.
Ah, pedi meu autógrafo ao Devotos. E ainda tive de “agüentar” a companhia do trio no ônibus de volta. Coisas que só mesmo o rock pode proporcionar.”
Ano passado estive no Festival DoSol (Natal/RN) do qual o Alexandre Matias já falou aí no Barra Limpa. Deu pra conhecer uma cena diferente, vibrante e cheia de bandas bacanas, que eu só tinha ouvido em CD ou mp3 – além de assistir a shows de grupos como Gram e Matanza.
Este ano, o festival rolou de novo, entre os dias 04 e 06 de agosto, trazendo bandas locais, grupos indies e atrações maiores, como Autoramas, Ludov e Forgotten Boys. Mas acabei não podendo ir. Pedi então aos jornalistas Rodrigo Levino, Bruno Nogueira e Hugo Montarroyos, que são da área (os dois primeiros de Natal, o terceiro de Recife) que me dessem seus pareceres. Saiu isso aí embaixo!
“DoSol – 04 de agosto – Rodrigo Levino
Entre os muitos méritos da música independente no Brasil – com destaque para o rock – um deles merece especial destaque: a descentralização dos focos.
Um deles é justamente o geográfico. A coisa anda de tal forma organizada que há muito a música deixou de ser vista como algo que acontece apenas no eixo Rio-SP.
Do Mato Grosso ao Acre, passando por todos os estados do Nordeste, há hoje um “pool” de festivais, publicações, gravadoras e selos pragmáticos e articulados que rompem a barreira da distância como nunca visto antes.
E foi isso que se viu em Natal entre os dias 04 e 06 de agosto último. Em sua segunda edição o Festival DoSol firmou-se como um evento de médio porte e completamente inserido na cena independente do rock nacional.
Acrescido de um dia e dez bandas em relação à primeira edição, o festival deu-se ao luxo de experimentar algumas seqüências de estilos que pode ser chamado de diversidade. Embora isso às vezes acarrete alguns erros.
É o caso d’Os Poetas Elétricos, o grupo que abriu os trabalhos no palco principal. Esteticamente talvez seja a produção potiguar mais ousada – lá vai o rótulo -, uma espécie de Haroldo de Campos com rock’n roll.
A poesia de Carito interpretada por Michele Regis, mais os timbres variados da guitarra empunhada com categoria por Edu Gómez findam num espetáculo visual e sonoramente interessantes, mas a julgar pela reação do público, vanguardista demais para um dia que tinha como headline a melodia açucarada do Ludov.
A apatia do público – injusta, diga-se de passagem – foi a mesma diante de Simona Talma, que fez um show corretíssimo, de muito bom gosto, mas novamente com o corpo jogado em algo de difícil absorção para o público ainda disperso: o blues. De qualquer forma é bom anotar este nome. Ainda vai longe.
Já os pernambucanos do Parafusa precisam voltar à Natal para aferir melhores considerações tanto da crítica como do público. É mais um dos trabalhos vindos de Recife com grande potencial, mesmo com uma receita às vezes batida de regionalismo lírico.
Alguns problemas em amplificadores, cabos e coisas do tipo deixaram o clima no palco bem tenso e o público sem entender muito do que eles são capazes.
Em seguida mais uma atração potiguar, o Mad Dogs. O apuro técnico dos músicos e as letras fáceis parecem não romper – mesmo com a boa recepção do público local – a sina de “banda de barzinho”, e isso conferido sem muito esforço na performance da banda. O palco é transformado com irreverência num imenso pub, mas não passa disso há tempos e nem é salvo pelos bons covers dos Beatles.
O SeuZé, como sempre aliás, atraiu um séquito de fãs que acompanharam em coro as músicas da banda, mas a apresentação serviu também para mostrar que é hora de “dar um time” e voltar com novo gás, novas músicas e um show que passe longe do que já é visto desde 2005, inclua-se aí as apresentações em dois MADA seguidos. A mistura repetitiva de regionalismos com rock e blues torna-se mais saturada ainda com apresentações previsíveis.
Por falar em regionalismo, que o Bonsucesso Samba Clube não se perca pela nome. De samba só algumas referências “roots”, o resto é a malemolência de Olinda, um frevo com compasso atrasado e letras quase crônicas de um cotidiano sem muitos atropelos que fez o público dançar um pouco num clima para lá de esfumaçado.
Era apenas o ensaio do segundo melhor show da noite: o DuSouto. O “eletrosambacocogroove” da banda deixou as mais de 1.500 pessoas que àquela hora estavam no Largo da Rua Chile em polvorosa.
A banda jogou em casa, para um público que sabe de cor e salteado as letras e não se importa com o “incidentalismo” comum de Jorge Ben e Luiz Gonzaga.
O DuSouto lançou no show um disco homônimo remixado e remasterizado pela Nikita Records, e a julgar pela forma como vêm aproveitando os bons ventos, pode ser o pontapé inicial de uma carreira promissora.
Encerrando o casting de bandas locais, a Experiência Ápyus fez o show mais correto da noite, mas sem empolgar o público. “Redondo” como se diz, entrosado e estreando Ticiano D’Amore – um dos melhores do RN – na guitarra.
O funk é da melhor qualidade, mas às vezes perde-se em referências ao samba e à bossa nova datadas. É deveras estranho pedir isso, mas falta um pouco mais de noise, sujeira, algo de visceral que os pais do samba e do funk (e do sambafunk) – de Tim Maia a Curtis Mayfield – podem ensinar sem cobrar nada.
Quase no fim da noite subiu ao palco uma banda que impressiona pela empatia, a presença de palco e a forma como conduz o grande número de fãs natalenses: o Ludov. Do início ao fim do show, viu-se um público empolgado que sabe cantar muito além de “Princesa”, se esgoelando para não perder nenhuma estrofe do set list.
Não é à toa que Anderson Foca, o produtor do festival, sempre diz que Ludov é uma das três (além de Matanza e Mukeka Di Rato) bandas “residentes” da casa. O público agradece e recompensa com um ótimo espetáculo para os olhos e ouvidos.
Fechando o naipe da diversidade, com alguns minutos de atraso o panfletário Mundo Livre S/A começou seu show.
ZeroQuatro, um dos arquitetos do Mangue Bit, comandou uma apresentação cansativa para quem estava no largo desde o fim da tarde, mas imperdível para quem curte a banda.
A marcante politização das letras caíram como uma luva no cover incidental de “London Calling”, do Clash. De “Bolo de Ameixa” a “Mexe Mexe”, passando por “Mangue Bit”, a banda desfiou também um rosário de composições recentes, como “Nega Ivete” e “Abrindo o Coração Para Uma Cadela Chapada e Bêbada” do último EP, lançado independentemente e com sempre, abrindo fogo contra as majors.
Do Sol – 05 de agosto – Bruno Nogueira
Ficar de ressaca no Festival DoSol é uma tarefa fácil. No sábado a história começa às 16h30, no bar que serve de quartel general para a cooperativa que também é selo, produtora de vídeo e estúdio. Você acorda tarde, pensando “mas será que alguém vai para lá essa hora?”. Passam na cabeça todos aqueles shows que só começaram no madrugão e encerram na manhã seguinte. Mas para Anderson Foca, o homem por trás dessa história, formação de platéia é assunto sério. A van descarrega os jornalistas na rua Chile e, de repente, às 16h30, os portões estão abertos. E já tem gente chegando.
De repente, no bar DoSol, já tem gente junto do palco, com uma guitarra empurrando a programaçÃ
£o calor abaixo. Não tem outra, o expediente começa também com a primeira cerveja. A Distro, banda potiguar que deu início ao sábado do festival, favorece isso.
Rock duro, gritado, com uma menina na guitarra. O bar é uma espécie de Belfiori / Casa da Matriz tropical. Esquema inferninho para 200 pessoas, iluminação forte nas paredes vermelhas. Na entrada, um bar garante o social com cinco figuras olhando de longe. São caricaturas de Joey Ramone, Bob Marley, Kurt Cobain, Jim Morrisson e Chico Science. Recife agradece o prestígio.
Quando entra a Doris, a coisa muda de história. Banda dessas que passeia numa viagem própria, de rock de guitarras com letras que conseguem comunicar para qualquer ouvido, cantando as dificuldades de ser rico fazendo música.
A piadinha infame do dia falava que “a sexta era o dia da música, o sábado do rock”. E pelo menos até o terceiro show dos palcos grandes, a impressão é de que seria uma piada sem graça. Dead Funny Days e 2Fuzz repetiram aquele emocore mais-do-mesmo para pouca gente, que agora ficava dispersa na espaçosa rua Chile. A diferença veio com a Carfax, com seu pop-rock mais redondo, que acabou também tocando para poucos. Era de estranhar, a este ponto. Quando a mão leva o relogio a vista – enquanto o colega segura a outra cerveja – e se constata que ainda não eram nem 20h30. Cedo, cedo…
Parece bobo ficar impressionado com os momentos seguintes. Olhando com calma, o sábado do DoSol tinha uma escalação que dá muito certo em qualquer cidade do Brasil. São algumas das melhores bandas da vez, na peneira do mercado independente. Quando a guitarra forte, louca e de black power loiro dos baianos Los Canos entrou berrando estridente no palco, tudo parecia certo.
Certo demais até, quandos os heróis locais do Bugs mostraram nova formação e músicas do novo EP. Momento que carece uma pausa.
Pausa para o Bugs. Esses caras são, definitivamente, a banda certa de Natal. O vocalista tem a cara do Paul Bettany – aquele ator inglês do filme Winbledon – e eles fazem o rock sujo que ora lembra o grunge, ora não lembra nada além de uma estética própria. A estética inseto, do Bugs, é radiofônica, sem soar melosa, ou comercialmente tachativo. Divertido. Bem divertido.
A esperteza do Anderson Foca não tem tamanho. Bois de Gerião e Walverdes (o show mais alto que já ouvi em toda vida) intercalavam o rock sessentista-terninho da Revolver e da piscodelia virtuosa da Memória Rom. As duas bandas são o lançamento da vez do selo DoSol, e nem precisava de tanto para conseguir atenção de todos. Em Natal rola uma coisa engraçada… o público está muito mais interessado no local que nas bandas de fora.
Quando o rock duro da MQN entra no palco, já se perdeu a conta das cervejas. Fabrício Nobre, talvez um dos melhores frontmen rockers do país, funciona como um tipo de imã de público. É engraçado. O cara entra no palco “Venha aqui neste lugar chamado inferno”… e todo mundo vai mesmo. Deve ser o show mais anti-social também, porque todo mundo para de conversar para correr e fazer parte daquela uma hora seguida de rock.
Não sei se por isso, ou pelo facínio local, a ZeroOitoQuatro fez um dos shows mais empolgados da noite.
É estranho, porque a banda passa longe de ser tão interessante assim. Rock modesto, sem muita novidade.
A sempre surpreendente Autoramas entra com seu sempre surpreendente show já perto da madrugada. O DoSol começa a desenhar seu final quando a madrugada ainda é uma criança. Oito horas seguidas de rock se descarregam no show do Forgotten Boys. A banda estava estranha no palco, meio contida – ou talvez intimidade com tanto rock bom que viram no dia – que o show do Stand by the D.A.N.C.E acabou sendo bem meia-boca. Mais cerveja e uma missão quase impossível. Acordar inteiro até às 15h do dia seguinte para continuar a maratona do Festival DoSol.
DoSol – 06 de agosto – Hugo Montarroyos
O ronco excessivamente alto de um colega de profissão e de quarto me fez acordar mais cedo do que gostaria. Desci para tomar café da manhã no hotel. Entre mesas compostas por jornalistas, bandas e produtores, o local dedicado ao desjejum mais parecia um congresso de roqueiros. Eis que vejo o Devotos em uma das mesas. Sento-me ao lado de Cannibal, que está com uma touca no estilo Bob Marley, Neilton e Cello. Eles me explicam que o disco novo está pronto. Animado, Neilton me diz que caprichou na arte gráfica do CD, um tanto interativa (a arte) segundo ele. Me perguntam sobre o festival e pelo público. Respondo que está tudo ok, que o público é extremamente receptivo e que eles não deverão ter problemas para fazer um bom show.
Alerto apenas para terem cuidado com o som, pois algumas bandas tiveram suas apresentações prejudicadas por conta de problemas técnicos. No final, Neilton desabafa:
– Velho, você acredita que está mais fácil fazer show no Sul e Sudeste do que aqui no Nordeste?
– Sério?
– Verdade. Vamos para São Paulo no final da semana. E ainda não temos nenhum show marcado no Recife.
– Pô, mas agora vocês estão com disco novo. Deve ser mais fácil.
– Tomara. Mas acho que vai ficar na mesma.
Corte para o final da tarde, Rua do Chile. Separo uma grana para comprar uns discos. Vejo o do Devotos e não tenho dúvidas: compro de imediato. A arte, de fato, está mais do que caprichada. O sugestivo título Flores com Espinhos para o Rei vem logo abaixo do nome da banda, ambos ao lado de uma caricatura grotesca e fascinante, assim como todo o desenho do encarte. Há um furo redondo nele, em forma de olho, para você escolher qual será o recheio dele, uma vez que o disco é desenhado por um círculo formado por círculos menores, cada um ostentando um desenho diferente. Se apenas talento fosse suficiente neste país…Resolvo, corajosamente, fazer o que há anos tenho vontade: pedir um autógrafo aos caras.
Discos na bolsa, compras feitas, é hora de começar a encarar, junto com os cerca de três mil presentes, a maratona de onze shows da noite. Assim como no ano passado, o DoSol Rock Bar acolhe três shows locais em suas dependências. Destaque absoluto para o Ravanes, que faz um thrash metal muito raivoso e bem trabalhado.
Abriram com “Intro”, do Sepultura, e fecharam com “Roots Bloody Roots”. Entre as duas, apresentaram um bom punhado de boas composições próprias, levando o público do bar aos já tradicionais moshs e rodas-de-pogo.
Depois foi a vez do paraibano Dead Nomads levar seu hardcore californiano para o palco da Rua do Chile. Seria um show para passar despercebido, não fosse a grotesca versão punk para “Bigmouth Strikes Again”, dos Smiths. Constrangedor.
O local Karpus conseguiu ser ainda pior. Com um hardcore melódico pretensamente político de consistência zero, a única coisa que ficou de relevante da apresentação deles foi a exibição de uma bandeira do Líbano. Onde será que compraram?
Os Astronautas, de Pernambuco, fizeram um dos piores shows de sua carreira. Com nova formação em trio, desfalcados de uma guitarra, a banda perdeu muito do peso de seu som, que acabou ficando vazio e um tanto oco. Ainda assim, foram bem recebidos pelo público.
Quem também teve bela recepção foi o local Allface. Em show de estréia de Ana Morena no baixo, tudo parecia conspirar contra eles. Logo de início, o baixo ficou mudo. Depois, o palco inteiro pifou. O revés acabou sendo bom, pois assim que as coisas voltaram ao normal a banda tocou com uma raiva e raça poucas vezes vistas em uma banda de hardcore melódico/emo.
Já o paulistano Aditive foi sonolento. De uma infantilidade atroz, o grupo reza pela cartilha “punk feliz/vida bela/flores para todos”.
Fica impossível de agüentar para quem tem mais de 20 anos. Resolvi que era hora de jantar…
O potiguar Jane Fonda é de longe a banda mais popular de Natal. Seu som sofre de falta de personalidade, ora flertando
com o new metal, ora com o rock, ora com nada disso e tudo isso e mais um pouco. Foram aplaudidíssimos. Ainda me pergunto o motivo, mas foram…
O Devotos acabou fazendo o melhor show da noite. Amparados pelo carisma de Cannibal e pelo peso de seu som, seguraram a roda-de-pogo durante os quase cinqüenta minutos de show. Priorizaram o repertório do “Agora tá Valendo”, e tocaram a nova “Rádio Comunitária pra Informar”. Como é de praxe, o mundo quase veio abaixo com o final com “Punk Rock Hardcore Alto José do Pinho”.
O Dead Fish já entrou no palco com o jogo ganho. Banda ainda em cima do muro, que não sabe se abraça as glórias da indústria (e da grana) ou continua no mercado independente, o fato é que o grupo está cada vez mais parecido com o CPM 22. Não há nada de errado em ganhar rios de dinheiro fazendo música. O que é constrangedor é ver uma banda precisar se transformar no CPM 22 para isso. De qualquer forma, o show foi tecnicamente impecável, sem falhas. E agradou geral aos moleques que, daqui a cinco anos, terão vergonha de dizer que gostam do CPM -ops- do Dead Fish.
Ah, pedi meu autógrafo ao Devotos. E ainda tive de “agüentar” a companhia do trio no ônibus de volta. Coisas que só mesmo o rock pode proporcionar.”