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REPERCUSSÃO ABRIL PRO ROCK 2008: SEGUNDO DIA NO RECIFE ROCK

A cobertura dos shows do palco 2 foi feita por Paulo Floro, editor da excelente revista eletrônica “O Grito” www.revistaogrito.com 

Chevrolet Hall, por volta das 17h. Com os portões ainda fechados, a banda que acompanha Lobão em seu Acústico MTV passa o som. Correndo contra o tempo, uma vez que o vôo que trazia Lobão e banda atrasou, assim como a liberação de todos os instrumentos de seu show no aeroporto, o cantor carioca tenta ser rápido. Na “platéia”, apenas alguns jornalistas privilegiados em ver tal cena, a maioria deles impressionado com a quantidade e diversidade de violões a serem usados. Largadão, de bermuda e camisa branca, fone de ouvido, Lobão arranha riffs de “A Vida é Doce”, “Essa Noite Não”, “Vou te Levar”. Os portões são abertos enquanto ele ainda está passando o som. O inevitável acontece: o público, que ia entrando aos poucos, se maravilha com a cena. Uma moça loira pede para eu tirar uma foto dela tendo como pano de fundo Lobão ao violão. A cena se repete com outras pessoas. De repente, o lobo sentencia: “estou me dando por satisfeito. Acho que é isso. Estou empolgado”. Aplausos. Jornalistas e público aplaudem um pequeno esboço do que seria o show de nove horas mais tarde. Lobão agradece com a cabeça, e diz a um dos músicos que está bastante entusiasmado com o show.

É um Lobão de fato empolgado que encontro por volta das três da manhã em seu camarim. Solícito, educado e inteligentíssimo, faz questão de atender ao repórter de um site com um gravadorzinho na mão com a mesma atenção que dedicou às duas emissoras de TV que o entrevistaram antes de mim. Satisfeito e feliz com o depoimento gravado (que você confere em breve aqui), desço para ver o show.

Pausa para uma breve volta no tempo. Em sua primeira perna (os dois primeiros dias) a grande atenção do festival, quem diria, acabou se voltando toda para Céu. Boa parte do público de cerca de quatro mil pessoas (tinha pelo menos o dobro de gente do dia anterior) foi ao APR naquela noite apenas para vê-la. E saiu bem satisfeita com o que viu. Mas, tecnicamente falando, quem mais chamou os holofotes para si foi o surpreendente show do Superguidis no palco dois e a inacreditável apresentação da banda neozelandesa The Datsuns, que infelizmente pegou um público já massacrado pela maratona imposta pelas 12 atrações anteriores. E, diga-se de passagem, o Chevrolet Hall não tratou lá com muito respeito o público do festival.

Aos fatos: um espetinho, de frango ou de carne, custava três reais. O mesmo preço era cobrado pela cerveja. O refrigerante era vendido por R$2,50, enquanto que a água tinha o preço desértico de dois reais. Ou seja, a situação não era fácil. Caso o cidadão não tivesse a carteira recheada, corria o sério risco de passar sede ou fome. E muitos passaram. Em evento que durou quase doze horas e que contou com 15 atrações, era impossível não sentir sede ou fome entre um show e outro…No pavilhão do Centro de Convenções, ao menos, as coisas eram mais baratas.

Aos shows:

Palco 2 – por Paulo Floro 

Há quem diga – pejorativamente – que o Sweet Fanny Adams tem um som “tipo exportação”. E esta é uma feliz constatação: nenhum elemento de suas músicas remetem a algo feito aqui. Suas referências indie-rock se apresentam desde o visual até os riffs, mostrando uma preocupação estética como dificilmente se vê entre bandas estreantes brasileiras.

O SFA lançou esta semana o novo EP “Fanny You’re No Fun” pelo selo Bazuka Discos e tocaram neste show do Abril todas as faixas do disco. Houve alguns problemas técnicos, mas nada que comprometesse o resultado final. E para quem reclamasse de pouca presença de palco da banda, houve até um convite para garotas subirem no palco em “C’Mon Girls”. No entanto, só uma reinou no palco enquanto filmava os integrantes.

E parecia que neste sábado o palco 2 preenchia a proposta de renovação de bandas e vitrine dos novos nomes da cena independente. O Violins, de Goiania desfilou seu rock em português e conseguiu agradar aos fãs. São as letras o que mais chama atenção na banda. As composições de Beto Cupertino são de uma sofisticação quase inédita no rock independente nacional. O público se esvaziava porque, apesar das guitarras contagiantes, o Violins não são daqueles que conquistam à primeira audição.

A expectativa do show seguinte fez todos se aproximarem do palco antes mesmo de CéU no palco principal terminar de cantar. Era Vitor Araújo e seu piano, desde já a atração mais inusitada na história do Abril Pro Rock. Vitor faz cara de gozo, joga o cabelo e sobra afetação em sua apresentação. É o que está chamando a atenção de todo o país: seu jeito de performer dá nova vida a um instrumento tão hostilizado pela música pop. E ele não se satisfaz apenas com o instrumento, não cabe no formato banquinho-piano.

Após cada música, lá está Vitor falando com o público, tentando ser polêmico (”quem quer ouvir música pernambucana nas rádios?”) e gerando ansiedade para sua própria apresentação (”quem sabe eu toco aquela música do Radiohead?”). De fato, seu show emociona. Mesmo sob um calor desgraçado, num formato que destoava de todo o festival, ninguém arredou o pé. Tudo tão impressioante que descontamos até o falatório. Nada que um consultor de imagem não resolva.

Com dual-disc lançado este mês pela Deck-disc e apresentações pelo país, Vitor, de 18 anos tem tudo para ser fenômeno pop de 2008.

As bandas seguintes, Rockassetes, de Aracaju, e Superguidis, do Rio Grande do Sul fizeram apresentações que poderiam passar despercebidas. Talvez fosse o cansaço da maratona de shows ou outra intempérie, mas o fato é que o rock dos dois parecia feito no piloto automáticos. Tão “normais” que não incita nenhum tipo de reação ou sentimento além da apatia.

O Rockassetes contou com fãs que cantavam todas as músicas na frente do palco. Dava pra perceber as influências de Beatles (nas músicas mais melódicas) e Jovem Guarda. Pela segunda vez no Recife, a banda bem que merece outra oportunidade, mas ali, pareceu “só mais um show”.

Já o Superguidis não empolgou em nenhum momento. O que é algo para ficar surpreso, sobretudo para uma banda eleita revelação em 2006, ano do lançamento de seu disco homônimo. Nenhuma música tocada no show ameaçou ultrapassar o limite do tédio. Sua curta apresentação serviu apenas de intervalo para a atração principal – e essa não era, definitivamente a proposta do palco 2.

Por fim, o trio Pata de Elefante, também gaúcho, conseguiu chamar atenção com seu som instrumental. Baseados no que há de mais básico no rock, soul, blues e psicodelia, a banda causou estranheza no início mas logo impressionou o já cansado público com sua viagem sensorial. Como era a penúltima apresentação do segundo dia (muita gente nem mais assistia ao grupo e fazia plantão em frente ao palco de Lobão), muito das características do grupo não puderam ser percebidas. Vale a pena ouvir o disco “Um Olho no Fósforo, Outro na Fagulha”, para experimentar a sinestesia e texturas do som do Pata de Elefante.
Palco 3 – por Hugo Montarroyos

O pop ainda verde do paraibano Madalena Moog abriu os trabalhos da noite. A banda até demonstra ter potencial, principalmente na parte instrumental. O problema é que seu vocalista estava extremamente nervoso, e desafinou horrores. Sua voz, por vezes, chegava a dar agonia. Mas no geral ficou clara a proposta deles, que foi até bem executada em palco: pop leve e descontraído, com backing vocal e percussão feminina, dando um certo charme ao conjunto. Só precisa amadurecer mais.

Quem acabou comprometendo foi o Erro de Transmissão. Ao contrário do ótimo show que fizeram na última edição do Pátio de São Pedro, desta vez eles acabaram destoando do resto da programação. Fizeram uma apresentação bem fraca mesmo, talvez pelo nervosismo de chegarem tão cedo a um dos principais palcos do País. A palavra “verde” aqui se aplica com muito mais justiça ao Erro de Transmissão do que ao Madalena Moog. Nada que tempo e ensaio (e maturidade e maior vivência de mundo) não resolvam. Mas ontem ficou evidente que eles estavam muito aquém de todo o restante da programação.

O ótimo e escrachado Barbiebill, de Natal, nem deu bola para os problemas de som que enfrentaram no palco 3. Destilaram inteligência, ironia e safadeza debaixo de camadas de batidas eletrônicas e algumas jóias como “Raspadinha”. Ainda “lamentaram profundamente” a aposentadoria artística de Gretchen, rebolaram, esbanjaram presença de palco e fizeram o mais difícil de tudo: soaram espontâneos. A impressão que passa é que eles são do mesmo jeito fora do palco. Belo show que divertiu bastante.

Palco 1 – por Hugo Montarroyos

Os acordes de ”Mundo Moderno” ecoaram pelo Chevrolet Hall e indicaram que estava para acontecer um dos melhores shows da noite. Com o capeta no corpo, Gabriel destilou todos os seus riffs poderosos, ditou as coreografias e mandou pauladas como “Nada a Ver”, “Paciência” e “Você Sabe”. Foi a primeira apresentação da noite que colocou boa parte do público para dançar. Mas o grande destaque – e surpresa – foi a inclusão do clássico “1,2,3,4”, da antiga banda de Gabriel, Litlle Quail and The Mad Birds, em releitura bem Autoramas. Terminaram o show agradecendo ao setor de “Achados e Perdidos” do Aeroporto Internacional dos Guararapes”, que recuperou um monte de pedais de guitarra que ele julgava ter sido extraviado (leia entrevista com Gabriel a seguir).

Wander Wildner fez um dos shows mais inusitados de sua carreira. Primeiro preferiu dar ênfase ao repertório do novo “La Cancion Inesperada”. Depois acabou tocando “Mantra das Possibilidades”, num pequeno aquecimento do que viria: versões vertidas para o frevo, com a ajuda de músicos da Orquestra Contemporânea de Olinda, de “Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro” e “Eu Tenho Uma Camiseta Escrita Eu Te Amo”, em que Wander trocou o “verso” “eu tô de porre” para “eu tô porreta”. E o Abril pro Rock caiu no frevo pelas mãos do gaúcho inventor do Punk Brega. Genial!

Num país onde alguém do quilate de Ivete Sangalo é alçada a condição de rainha da dita MPB, CéU só poderia ser considerada a coisa mais sofisticada da face da Terra. Mas não é. É apenas um produto superestimado consumido por uma classe média iletrada que se guia pela “Veja” e pelo “Fantástico” e “Domingão do Faustão”. Até alcança alguns bons resultados quando tenta dialogar com a obra do genial Fela Kuti. Mas a forçada de barra para parecer cool e descolada chega a ser insuportável. Virou a nova queridinha dos jovens alternativos, a cantora que as menininhas de 16 anos acham legal dizer que gostam. Porém, Fernanda Takai, com toda a sua simplicidade e apelo zero consegue ser trocentas mil vezes melhor e mais competente que CéU, que não é melhor nem pior do que qualquer outra nova cantora da MPB. É apenas mais uma, embora o público do Abril pro Rock, extremamente receptivo ao seu show, discorde.

O doidaço Júpiter Maçã demorou a sintonizar bem seu show, que também foi muito bem recebido pelo público. Se por vezes rendia bons momentos como em “Síndrome do Pânico”, tratava logo de levar tudo ao infinito da chatice com a insuportavelmente longa e enfadonha “As Mesmas Coisas”. Depois a coisa engrenou, e ele chamou algumas garotas e uns carinhas para dançarem com ele no palco, e terminou em clima de apoteose com a genial “Um Lugar do Caralho”, tocada aqui pela primeira vez no próprio Abril pro Rock, em 1998, quando Júpiter ainda era um cara tímido, de cabelo curto e óculos que lhe rendiam um visual nerd. Quem diria que a música se transformaria num clássico…

Assustador mesmo foi o show do fenomenal The Datsuns, que fazem um rockão setentão com o pé fundo no acelerador. Impressionante a facilidade com que os caras conseguem incendiar tudo. Tocam com uma naturalidade inversamente proporcional a sonzeira que produzem. “Who Are You”, “Sittin Pretty”, “Girls Best Friend” e “Human Error” foram o bastante para perceber que eles não pegavam leve. Um músico ao meu lado não resistiu e comentou: “não adianta, é o tipo de som que só gringo sabe fazer”. Vai ver que é mesmo. Infelizmente o público já estava bem cansado àquela altura do campeonato, e pouca gente conseguiu curtir o show de pé.

Lobão nos brindou com algumas surpresas em seu show. Entrando em cena já lá pelas três da matina, tratou de acrescentar coisas antigas e fora do repertório do acústico oficial, como “Robô, Robô” e “Ronaldo Foi Pra Guerra”. Acompanhado de uma banda impecável, comoveu metade do público (a outra metade, já exausta, não agüentou a espera e foi pra casa) com baladas como “Por Tudo que For” e “Chorando Pelo Campo”. Do ótimo e desprezado disco “A Noite”, lançado em 1998, tirou do bolso a sagaz “Samba da Caixa-Preta”. Encantou com “A Queda” e na soturna “A Vida é Doce”, tocou “Rádio Blá” e “Corações Psicodélicos”. Saiu do palco e voltou para o bis, formado por “Vou te Levar” e “Revanche”. E saiu, definitivamente de cena e apressado, dizendo no backstage que já era quatro e vinte da manhã e correndo com mala em punho para o aeroporto.

O único vacilo de seu show (e muito feio) foi o cover de “Gitã”, de Raul Seixas. Logo Lobão, que tanto criticou tanta gente por tanto tempo por viver fazendo releituras das obras alheias, algo que ele classificava “sutilmente” como “gozar com o pau dos outros”, para depois, ele próprio acabar “gozando com o pau de Raulzito”. Desnecessário e contraditório, para dizer o mínimo. No fim das contas, Lobão virou prisioneiro de seu próprio discurso. Vai ser difícil agora se libertar dele.

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