Por Marlos Apyus
Com o sucesso de programas como Friends e Seinfeld, onde os atores principais ganhavam quantias gigantescas por cada episódio filmado, os seriados norte-americanos aprenderam uma lição: nunca um ator ou personagem deve se tornar mais importante que a própria história a ser contada ou então graves problemas surgirão.
Desta forma começaram a nascer seriados com um número gigante de personagens principais justamente para evitar a supervalorização de um ou outro profissional. São bons exemplos desta prática enlatados como “Lost” e “Heroes”, cada qual com mais de uma dezena de artistas dividindo um mesmo cartaz.
A prática se mostrou certa. Quando uma atriz como Michele Rodriguez, a “Ana Lucia” de Lost, começou a dar problema, foi bastante fácil matar seu personagem e, por mais que tal acontecimento tenha desequilibrado o enredo até então impecável, dar continuidade à história.
A música, principalmente a brasileira, de certa forma tem aprendido a trabalhar neste formato. De alguns anos para cá uma pá de novas bandas tem dado suas caras contemplando formato semelhante ao de uma orquestra para dar viabilidade à sua arte. É o caso de trabalhos como o do Funk Como Le Gusta, Karnak, Orquestra Imperial e Monobloco.
Se o custo de uma equipe assim tão grande fica mais alto, a garantia de sua sobrevivência também cresce. Este fim de semana a Orquestra Imperial se apresentou em Recife na festa de lançamento do bloco “Enquanto Isso na Sala de Justiça”. E, para decepção de alguns, e até alegria de alguns outros, levou falta a pessoa de Rodrigo Amarante. Levou mas não fez. Porque apesar de as canções de sua autoria não terem sido executadas, o show seguiu numa energia exemplar, com Moreno Veloso, Talma de Freitas e Cia. tocando o barco na maior. O mesmo poderia acontecer com o Los Hermanos, por exemplo, de se apresentar sem metade da sua dupla de compositores? Com certeza seria um fiasco.
O mesmo ocorreu com a atração seguinte, o Monobloco. Composto por mais de cem batuqueiros, o grupo se apresentou com apenas duas dezenas deles. Sérgio Lorosa e Pedro Luís, dois dos seus componentes mais relevantes, sabe-se lá por quais motivos, não compareceram. Isso impediu que o show fizesse com que mais de 15 mil pessoas pulassem todos fantasiados de super-heróis até o sol nascer sobre o mangue pernambucano? Não senhor.
Esta é uma idéia a se pensar. Até que ponto um músico deve ser mais importante que sua banda? John e Paul fizeram estragos juntos como Beatles, mas separados em suas carreiras solos poucas vezes foram além do mediano. Nós somos fãs de John, de Paul, ou dos Beatles?
Talvez o exemplo vá longe demais. Mas é fácil aproximarmos de nossa realidade de músico independente. Tantas vezes assistirmos bandas promissoras encontrarem seu fim precoce por causa de um ou outro integrante que emperra o trabalho por conta de seu desinteresse, de sua arrogância, ou até mesmo de fatalidades. E prática comum é: “Sem fulano, banda tal deixa de ser banda tal”. A pergunta é: por quê? Se este fosse o pensamento, Steve Harris teria colocado um ponto final no Iron Maiden antes do lançamento do primeiro disco, a Legião Urbana talvez nunca tivesse existido e até mesmo os Beatles talvez sofressem com uma crise de identidade, pois todos eles precisaram trocar de integrantes antes de atingir o sucesso que atingiram.
Então podemos muito bem adotarmos a lição de Hollywood: nunca um músico deve se tornar mais importante que a própria banda, ou então graves problemas surgirão.
MUITO BOA ESSA MATERIA!!!
E É VERDADE!!
Isso só não é valido quando o músico que sai É a banda, ou seja, é o compositor, é o cara que tem carisma, é o cara que corre atrás… aí não tem jeito.
Vindo mais pra realidade local, um Matanza sem o jimmy ou sem o donida, não é matanza, é outra banda… os outros podem ser trocados milhões de vezes, mas a essência criativa está nesses dois.
Puxando mais ainda pra realidade local: uma banda como o Jane Fonda sem BS perde a graça, só vai funcionar se entrar outro vocalista que tenha tanto carisma e cante tanto como ele. Nesse caso ainda dá certo pq os principais compositores são João e Leo, se fosse BS aí era babau!
Jão jamais aceitaria trocar BS por Babau. Porque nunca soube engolir aquela derrota no prêmio Hangar!
Muito legal o texto. Aponta para uma análise combinatória dos novos tempos. Muito interessante o exemplo da Orquestra Imperial e do Monobloco. Acho que no caso dos velhos tempos a análise é mais complexa, e os próprios exemplos citados refletem isso. Eu particularmente não acredito em fórmulas (ou talvez o mais adequado seria eu dizer que não gosto muito delas), mas em possibilidades, incluindo as paradoxais. Às vezes funciona simplesmente substituir o aparentemente insubstituível, comprovando o velho ditado que ninguém é. Mas será que funcionou o Doors sem Jim, com o cara do The Cult? Talvez para umas pessoas sim, para muitas outras não. Lá em Fortaleza essa industria é bem objetiva: tem aquelas músicas pop dos anos 70 e 80, tipo Hotel California e são feitas versões em português de forró não-sei-oquê (sei lá que adjetivo utilizar para eu não ser acusado de preconceituoso ao tentar diferenciá-lo do pé de serra)… Quanto aos músicos dessas bandas… Ah! Eu já ia me esquecendo: existem músicos, né? Mas esse problema (porque músico hoje parece que é mais problema do que música) não é problema: é uma empresa como qualquer outra, o música não concorda? Como dizia o Gato Lúdico: good bye… tola! Eu acho essas versões medonhas, mas muita gente gosta – ou seja, a questão parece que não é apenas funcionar, já que teoricamente música é alma, é arte, química, e gosto não se discute mas qualidade sim! O The Who é acusado até hoje: não deveria ter continuado depois que Keith Moon morreu. Nunca pensei assim. Mas gosto muito mais dos discos mais antigos do Who, o que não me impediu de comprar os (poucos) “novos”. O Led também tinha essa postura até pouco tempo. Recentemente David Gilmour foi visto e entrevistado assistindo ao show do Led em Londres (com Jason, filho do finado Bonzo, na batera). Cutucado sobre uma possível volta do Floyd ele não hesitou e respondeu: “acho que os caras do Led devem fazer mais shows, mas eu só tenho prazer hoje em dia nas minhas excursões solo”. Amores acabam e amores são eternos, assim como bandas (que são casamentos, e os casamentos hoje em dia ganharam novas possibilidades de existência e desistência), projetos, universos paralelos e perpendiculares, o mundo é heterogênio, a vida é diversa, com fases, erros e tudo, porque nem sempre é bom fazer tudo certinho (embora eu realmente não sei bem o que é isso)… dependendo do projeto, acertar na mosca só se for para fazer ela cair na sopa! Caro Marlos, como sempre, seu texto provoca, sugere, nos chama para a reflexão, cumpre o seu objetivo quando diz: esta é uma idéia a se pensar. Por fim, penso: e a Experiência Apyus sem o Apyus? Abraços e parabéns pelo texto.
grande carito. Vou subir esse texto como um réplica e uma reflexão sobre o texto de marlos. Muito bom.
Um ponto que achei interessante: talvez o exemplo dos doors com jim morrison não sirva pelo fato de ele é maior e mais relevante que a própria banda, que no caso foi só uma ponte entre ele e o público. Eles quase se confundem doors e jim morrison sacou?
Uma outra análise…
Grande Foca: quanto ao caso do Jim, não necessariamente concordo ou discordo. Esse é meu foco no tema em questão: uma dialética de somatória, não de exclusão. Não mais sim ou não. E sim, sim e não. Sem perder o trocadilho: Jim e não! Citei o caso do Morrison de propósito. Pelo que parece, Os Doors não são os mesmos sem Jim. Mas também acho muito simplista afirmar e até questiono a suspeita aparentemete lógica que Jim seria Jim mesmo sem os Doors. Acho que ele seria Jim sim. Mas provavelmente um outro Jim. Se ele era a figura emblemática, protagonista, não há dúvida. Mas será que ele sem os Doors não haveria uma dívida? Só sei que ele com os Doors, se confundindo, como você bem colocou, foi/é uma dádiva. Cada caso é um caso. Para acontecer um protagonista, é preciso coadjuvantes. E muitas vezes bons coadjuvantes fazem surgir bons protagonistas. Os coadjuvantes são importantes também. Há protagonistas e protagonistas, há coadjuvantes e coadjuvantes, há músicos e músicos. Será que esse meu raciocínio serve para Cláudia Leite que vai deixar agora o Babado Novo? Nesses novos tempos, o que é armação ou uma nova forma de estruturação de bandas (ou de bundas)? O Red continuou Hot e Chili sem a Peppers do John Frusciante por alguns anos (e gosto até mais do cd solo dele). Mas quando ele voltou para a banda, trouxe aquele tempero essencial junto com ele: uma mistura apimentada de criatividade e sucesso. Assim, apesar de outsider, sendo co-responsável pelos momentos de auge da banda, não creio que Frusciante pode ser considerado uma espécie de coadjuvante ou “lado B”. Mas uma das coisas que acho importante no texto de Marlos, é lembrar da importância dos “lados Bs”. Um cara “lado B” da Tropicália, Tom Zé (“eu tô te explicando pra te confundir, tô te confundindo pra te esclarecer”) era um coadjuvante fundamental para o movimento. O tempo, a história e o próprio Tom Zé se reinventaram. Com o distanciamento histórico, o legado é delegado aos ecos – Tom Zé então virou um outro tipo de protagonista. Podemos também analisar a Tropicália como uma grande banda. E apesar dOs Mutantes serem antropofágicos, eles não curtiam muito certos regionalismos, como a nordestinidade de Gil. Mas rolou Domingo no Parque com Gil e os Mutantes juntos, e os domingos e os parques e Gil e os Mutantes não foram mais os mesmos. Ou seja, um músico pode ser irrelevante e substituível, mas um músico também pode ser fundamental para sua banda. Um músico realmente é apenas parte de um todo. Mas essa parte, toda essa parte, pode ser pouca coisa ou muita coisa, acabada ou nunca terminada, determinada a ser determinante, ou ser minante. Depende do todo, depende da parte. Será arte? E para eu não ficar num Matos sem cachorro, cito o próprio Gregório: “O todo sem a parte não é todo / A parte sem o todo não é parte / Mas se a parte o faz todo, sendo parte / Não se diga, que é parte, sendo todo”.