Por Bruno Nogueira (popup)
Acho que muita coisa já está bem resolvida agora, 10 anos depois de todo o tremor causado pela troca de música na Internet. Circulação é algo que já entendemos bem como funciona, produção é algo que praticamente não mudou (afinal, continuam fazendo música praticamente do mesmo jeito que faziam antes de estarmos conectados). De todos os buracos, o mais fundo ainda é o do consumo. E é isso que me faz quebrar mais a cabeça: afinal de contas, como consumimos música?
No açucarado mundo dos anos 80 e 90, o processo de ter uma música era muito simples. Você ia até uma loja e comprava o disco. Ponto final. As rádios tocavam os singles que você podia gravar em fitas K7, mas dificilmente teria um álbum completo. Quase sempre teria aquela música recheada de vinhetas da rádio no começo, meio e fim. Isso facilitava muito também a forma de pensar dos músicos e gravadoras. Como ganho dinheiro? Vendendo o disco. Como eu fico rico? Vendendo muito disco.
Isso funcionou durante muito tempo, para muitas pessoas. As principais fases da MPB: Bossa Nova, Jovem Guarda, Sertanejo e Axé, todos tem seus representantes que não tem dúvidas de como ficaram milionários: vendendo um monte de discos. Gosto de pensar nisso como uma fileira de formiguinhas, fazendo sempre o mesmo caminho em direção ao grande floco de açúcar, para então seguir em frente rumo a sabe-se-deus-onde. O que a Internet fez foi jogar um copo inteiro de água no meio desse caminho, molhando todo o açúcar no processo. Agora as formigas estão desesperadas, espalhadas por todo canto, se afogando, tentando lembrar o que era mesmo que estavam fazendo.
A Internet diluiu o valor agregado do disco. Antes existia a noção de que você precisava daquele suporte para ouvir música. Hoje, isso não existe mais. Você pega direto de um site e através de programas de trocas de arquivos. Encontra raridades que saíram de circulação a álbuns que só serão lançados daqui a um semestre. O fetiche de ter um pedaço físico daquele artista em sua prateleira morreu totalmente. De repente, você entra numa loja de discos e vem um estalo. “Caramba, isso custa R$ 30!” e lembra de todas as outras coisas que pode fazer com esse dinheiro.
Agora vem o momento de terror. O que se pode observar, é que as principais gravadoras estão apostando as fichas todas de que o CD continua. Seja com menos música (como o CD Zero da Sony/BMG), com apenas parte da mídia usada (como o SMD), seja com conteúdo agregado (como o Dual Disc, que a Deckdisc popularizou, trazendo CD e DVD numa só mídia). O número de lançamentos diminuiu drasticamente (a Trama não lançou um disco sequer em 2007). Mas as pessoas continuaram não comprando.
Paralelamente, músicos e bandas começam a perceber que estão todos perdidos e passam a sair das gravadoras. O choque maior vem com Chico Buarque e Maria Bethânia, que saíram do conforto de uma “major” para ser tratado como independente. Alguns trabalham até por conta própria. O excesso é cortado e um outro monte de artistas vai para a rua.
Então que finalmente as gravadoras (as brasileiras, porque as americanas já estavam fazendo isso a tempo) começam a concordar em vender músicas neste novo formato. E fazem isso com o uso do DRM, um dispositivo que não permite você compartilhar aquele arquivo mais de duas vezes (mesmo que seja com você). Isso, por si só, já foi suficiente para ajudar o processo a não dar certo. Mas a música protegida por DRM não funciona diretamente com os iPods, precisando ser convertidas antes. E volta o desespero: lentamente, uma a uma, elas vão desistindo da proteção. Enquanto fazia esse texto, chegava a notícia via o rss do Trabalho Sujo de que a última resistente, a Sony, decidiu abrir mão do DRM.
O que não resolve todos os problemas. Para testar, entro agora no iMusica, primeira plataforma de venda de músicas digitais no Brasil. O álbum mais vendidos, segundo o rankinig, é o do Mamonas Assassinas (lembro quando tive uma loja de discos com minha família que todas as copias desse disco acabaram no mesmo dia. Um foi meu.). Cada faixa sai por R$ 2,50. O álbum completo, com um desconto camarada, por R$ 34,86 (economia de R$ 0,14). Caro, muito caro. Tão caro quanto a loja Uol Megastore vende, por exemplo, o “Confessions Tour” da Madonna. Mesmo preço do CD normal, só que você não leva encarte, caixa, ou mesmo o disco como suporte. Três custos que deveriam contar a menos. Ah, por sinal, ambas lojas ainda trabalham com DRM.
Em poucas palavras: as gravadoras não estão pensando em uma nova maneira de consumir música, mas sim como fazer você continuar comprando CDs. Qualquer esperança de que a solução virá desse lado da história encerra aqui. No outro extremo, aqueles artistas que saíram das corporações começam a atirar também para todos os lados na esperança de serem ouvidos. Alguns, como o Pato Fu, conseguem fazer que suas músicas sejam vendidas online pelo preço de R$ 0,30 a faixa, algo próximo do ideal (na minha opinião seria: R$ 0,50, o preço que a TramaVirtual dá por download remunerado).
Talvez a história mais clássica seja do pague-quanto-vale do Radiohead. A banda inglesa disponibilizou o disco inteiro no próprio site e cada um fazia o download pagando quanto quisesse… até mesmo nada. Não chega a ser um formato e, quem copiar, tem grande chance de se dar mal. Foi o que aconteceu com o Trent Reznor, do Nine Inch Nails, que achou que ficaria rico fazendo a mesma coisa e no fim das contas, se deu mal. Somente 18% das pessoas que baixaram toparam pagar US$ 5 pelo disco do rapper Saul William (quem?).
A única certeza é que a música está se tornando cada vez mais uma comodidade. Eu arriscaria que 98% dos artistas em atividade está mais concentrado em fazer shows que fazer discos. O que não é necessariamente uma solução. O valor do ingresso para o show do Radiohead subiu para um preço que o americano médio não pode mais pagar e isso gerou protestos. O plano da banda de compensar a grana do CD lucrando em shows tem dado errado até na Inglaterra, cidade natal deles. Com isso o vocalista Thom Yorke declarou que o futuro da banda não será mais tão online assim.
O mais complicado é que nenhuma dessas tentativas, de nenhuma das partes, aponta para alguma provável solução. A Internet expôs que o individuo é muito mais relevante que a massa. Perguntar a 20 pessoas como elas consomem música geraria 20 respostas diferentes. E se fossem 20 mil, provavelmente seriam 20 mil respostas diferentes. Mas eu preciso encontrar uma única dica, por menor que seja, sem futurologia, do que pode acontecer daqui pra frente.
discordo num ponto: artistas nunca ficaram milionários vendendo discos em nenhum momento da história, principalmente no Brasil. Muito pelo contrário, muitas vezes os adiantamentos das gravadoras serviam até como uma forma de escravidão velada para segurar os artistas nas companhias.