Nacional, Natal, Notícias

MEMÓRIA: ENTREVISTA COM OS MARCELO CAMELO EM ABRIL DE 2002

De vez em quando é bom a gente “catucar” o passado para entender o presente. O que você lê agora é uma enteevista com Marcelo Camelo (Los Hermanos) feita em abril de 2002. Na época a banda tinha acabado de lançar o hoje lendário “Bloco do Eu Sozinho”. Leiam que é muito interessante.

Marcelo Camelo é vocalista e guitarrista do Los Hermanos, banda que teve o seu mais recente CD “Bloco do Eu Sozinho” escolhido pela crítica como um dos melhores de 2001. Em entrevista concedida pela internet a Anderson Foca, ele fala um pouco sobre tudo.

Foca – “Bloco do Eu Sozinho” parece remeter também a uma certa previsão: será que as
gravadoras ainda vão querer bandas como os Los Hermanos?

Marcelo – Eu não sei, sinceramente. Parece que não, tendo em vista as demissões da EMI, por exemplo. Mas isso é uma preocupação delas. A música vai sempre existir. O mercado caiu na própria armadilha, provou do próprio veneno. Criou uns tantos monstros neste processo de fazer mega-sucessos e de ganhar mega-dinheiros. Deu mais poder pras rádios, aumentou o preço do disco, “esqueceu” de numerá-los… Vai reclamar de disco pirata a essa altura?

Fingir que dá bola pra direito autoral, pra propriedade intelectual? A situação é complicada de tal maneira que parece preceder alguma mudança de paradigma. É evidente que alguma coisa está para acontecer no mercado fonográfico. A venda de disco em bancas é um bom indicador. O computador começa a democratizar o processo de gravação. A internet começa a democratizar o processo de divulgação. Acho que em pouco tempo a pergunta vai ser: será que bandas como o Los Hermanos ainda vão querer gravadoras?

Foca – “Bloco do Eu Sozinho”, na minha opinião, é um dos poucos discos de carreira que saíram no rock nacional nos últimos tempos. Vocês também pensam que ele é um disco para continuar vendendo daqui a dez anos?
Marcelo – Esse seria um sinal de que fizemos um bom trabalho. Mas isso é um fruto pra se colher daqui a dez anos. Por enquanto vamos em frente, tentando fazer coisas novas melhores, tentando caminhar por lugares diferentes… este é o objetivo. Ainda somos muito novos pra colher qualquer coisa.

Foca – O Amarante vem ganhando espaço nas composições e nos vocais. A intenção
é continuar assim?

Marcelo – Isso nunca foi controlado, nem mesmo discutido. O Rodrigo tem composto mais, o que é muito bom pra banda. O Bruno agora começou a escrever também. Temos de funcionar como uma equipe mesmo. O melhor pra equipe é o que vale.

Foca – Quais as diferenças básicas dos Los Hermanos da época do Abril Pro Rock (eu estava lá), da demo “Amor e Folia” , para agora?
Marcelo – Muitas. Nas vidas pessoais, na vivência como banda… são mudanças naturais
de qualquer coisa que existe há quatro anos. Se você abrir uma quitanda, em quatro anos vai estar vendendo diferente. Nos entendemos melhor tocando, compondo. No palco somos diferentes, cansamos de tentar pular mais que a
platéia, tentar puxar o show pra cima com gestuais. Estamos um pouco mais tranquilos, somos menos apressados.

Foca – Acho que a turnê do primeiro disco foi uma das mais esquisitas de que se tem notícia. O público esperando “Anna Júlias” e a banda detonando um hard core. Nós tocamos com vocês num reveillon aqui em Natal e observamos isso. Como vocês encararam essa turnê?
Marcelo – Foi um aprendizado imenso. Hoje em dia a gente não se surpreende mais com
nenhum tipo de platéia. Em menos de três anos de banda já tínhamos tocado pra todos os tipos. Oitenta mil pessoas putas, oitenta mil felizes, dez putas e dez felizes. Já tocamos pra quem nem sabia quem a gente era e pra um bando de fanáticos na mesma semana. Era nossa rotina.

Foca – Como foi o processo para o segundo disco sair?
Marcelo – Foi ótimo. Fomos para um sítio, sem telefone ou tv. Deixamos as coisas acontecerem. O clima de liberdade foi total. Estar lá para fazer música, naquele clima, permitiu que brincássemos novamente e que os arranjos saíssem como deveriam: sem preocupações.

Foca – Como anda a relação de vocês com a Abril? Vocês ainda vão gravar com eles?
Marcelo – A relação é tranquila. As coisas estão na mesa mesmo. Acho que eles não gostam muito do disco e por isso não investem tanto. Isso certamente dificulta as coisas porque não temos grana pra fazer clip, a música não toca no rádio, os shows não acontecem com tanta frequência.. mas tá tudo certo. Fizemos um disco do qual a gente se orgulha muito. Eu fico com pena por que acho que o “Bloco…” tem muito mais potencial de tocar em rádio (seja lá o que isso signifique) que o primeiro disco. O contrato é de 3 discos mas eles podem rescindir a qualquer momento. Então, não sei se eles vão querer um
próximo.

Foca – Porque a escolha por temas como desilusões amorosas, depressão, etc?
Vocês acham que compõem melhor desse jeito ou sai assim mesmo?

Marcelo – Essa é uma pergunta recorrente. O amor tem muitas formas. “Cadê Teu Suin” é
uma música sobre amor, “Todo carnaval…” é uma música de amor… mas esse tema é tão presente na música brasileira. Será que é tão estranho assim uma banda falar de amor? Quantas músicas do Chico Buarque não são sobre amor, de alguma forma? E do Caetano? Acho que todos consideram estranho o fato de sermos uma banda de rock (????) falando de amor.

Foca – Como é a relação de vocês com a crítica? “Todo Carnaval Tem Seu Fim” tem uma frase que cita a Folha de São Paulo…
Marcelo – É estranha. Às vezes eu ligo, às vezes não ligo. Mas ninguém é mais crítico do que nós mesmos. Sem demagogia. O Los Hermanos é o grupo de amigos com mais auto-crítica que eu conheço. Eu não gosto de ver gente escrevendo sobre o disco sem ouvir. E tem tanta gente que não ouviu, falando bem quanto mal . Eu fico puto quando vejo gente colando coisas do release. Fico puto quando vejo um jornalista copiar a matéria do outro, mudando algumas poucas palavras. É muita cara de pau. É como chegar pra tocar sem saber os acordes, a letra. É ser incompetente, não fazer direito seu trabalho.

Foca – Gostaria que você citasse 5 bandas nacionais que te agradam na atualidade e 5
internacionais e também os 5 discos de todos os tempos pra você.

Marcelo – 5 nacionais: Marcelo Birck, Brasov, Wonkavision, Pato Fu e Los Hermanos
5 internacionais: Weezer, Beatles (você disse 5 bandas que te agradam na atualidade e não 5 bandas atuais certo?), Cake, Blur, Los Fabulosos Cadillacs.

5 discos: Construção do Chico Buarque, Chico Buarque Número 2, dele também, estudando o Samba do Tom Zé, o primeiro do Weezer e o Califórnia do Mr Bungle. Essas listas mudam de quando em quando, naturalmente.

Foca – Do primeiro para o segundo disco a banda tirou um pouco o pé do acelerador, os
hardcores quase sumiram (só entrou aquele que é de uma demo, não é?). A idéia da banda e reformular o som da banda sem fórmulas?

Marcelo – Em outras palavras é manter as portas abertas. Deixar o caminho livre. Deixar o horizonte à vista.

Foca – O que é mais difícil? Gravar um primeiro disco com músicas já amadurecidas no underground ou partir do nada para um segundo?
Marcelo – São processos bem distintos. Acho que gravar um disco do zero dá mais trabalho mas (ou por isso) é mais divertido. O primeiro é sempre um registro de um período longo de shows. O repertório mais parece uma coletânea daquela época. O segundo exige uma pausa, uma reflexão. Ele começa sob outra perspectiva. Já sabíamos das limitações do estúdio, sabíamos com o que poderíamos contar. Pudemos compor as músicas contando com um arranjo de cordas. Aí fica tudo mais divertido.

Foca – Qual é o recado para aquele cara que acabou de gravar uma demo e quer divulgá-la?
Marcelo – Sorria. Divirta-se.

Previous ArticleNext Article

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *