Grupo carioca Do Amor reúne fãs que também gostam de outros artistas relacionados à uma nova – e muito ruim – escola mpbista carioca.
Meus amigos, em rio que tem piranha jacaré nada de costas. Vejam vocês que, ao deixar escapar, mais uma vez, para sexta-feira, esta coluna atualizada à quintas, acabo por mudar de idéia. Ou isto ou aquilo, diria Cecília Meireles. E eu reafirmo: em vez daquilo, isso. Explico. É que trazia, como de hábito, vários temas de mesa de bar rock’n’roll para estas linhas pouco lidas, e, ao desmazeladamente não cumprir os prazos que tenho comigo mesmo neste mundo virtual, simplesmente mudei de idéia. Ou de assunto. Ou as duas coisas. Coisa do rock, meus amigos, coisa do rock.
Acontece que estive ontem no Circo Voador para assistir ao show de estréia do segundo disco do Moptop, e, de lá, saí encafifado com o que vi. Não, não se trata do Moptop em si, banda pela qual tenho bom apreço e que, a partir desse álbum, “Como Se Comportar”, deve se consolidar como um dos principais nomes do rock nacional pós anos 2000. É que a banda de abertura era o Do Amor (ou “a” Do Amor, vai saber) para a qual eu precisava dar mais uma chance antes de confirmar o que já pensava sobre o assunto. Para mim o grupo já começa errado na escolha do nome – mais isso releva-se. O ruim, no caso do Do Amor (perdoe-me a cacofonia que o nome impõe) é que se trata de algo, na melhor das hipóteses, muito ruim – com o perdão duplo da redundância e do duplo pedido de desculpas.
Vale dizer, de início, que a banda vem do Carne de Segunda, repito, a maior agência de bons músicos de que se notícia. E que os quatro integrantes são, reafirmo, bons músicos. E lembro que o Carne era basicamente um grupo instrumental. Hoje entendo o motivo, e eis aqui o que por demais incomoda no quarteto: os vocais. Primeiro que não há um vocalista; todos se revezam no posto, mas absolutamente nenhum deles sabe cantar. Não estou dizendo que têm voz ruim ou que cantam mal. Estou afirmando que eles não sabem cantar. Não têm a capacidade ou discernimento para encaixar a voz em uma melodia, não conseguem acompanhar a afinação da música, não sabem impingir o tom correto. É como se um cidadão qualquer cantasse uma música em um banheiro, só que no palco. A coisa é tão ruim, mas tão ruim, que é quase impossível ficar no mesmo ambiente em que o grupo se apresenta. E olha que eu não sou daqueles que costuma fazer uma avaliação mais rebuscada de vocalistas.
Disse que o pior no Do Amor são os vocais, e já reconsidero. O pior não é a voz, mas a decepção. O sujeito sai de casa para se divertir um show de rock e, ao invés disso, é obrigado a ouvir carimbó, lambada, axé e o escambau. Foi isso mesmo que eu disse. O mas cruel é que, nesse show, começaram com um rock pulsante, com guitarras chupadas de Angus Young, mas logo em seguida apelaram para a baixaria quase vulgar. Não sei de onde vêm essas incontroláveis vontades de se estragar tudo, mas elas são uma constante desde os tempos do Carne de Segunda, onde era impossível concluir-se algo. Uma total falta e respeito, para dizer o mínimo. Uns dizem que a culpa é da tez bronzeada do guitarrista Gustavo Benjão, fã confesso de Pepeu Gomes; outros, das tiradas sempre impagáveis do baterista e figuraça Marcelo Callado. Vai saber. O fato é que o Do Amor é a pior coisa que já aconteceu no rock nacional desde o Zumbi do Mato.
Falei nos integrantes e aproveito para dizer que todos têm pedigree. Callado e o baixista Ricardo Dias Gomes fazem parte da banda que gravou o disco “rock” de Caetano Veloso. Usei as aspas no “rock” para ressaltar que de rock o referido disco pouco tem. Gabriel Bubu foi, durante muito tempo, o quinto Hermano, depois da saída da banda do baixista Patrick Laplan. E Benjão, bom músico que é, toca com Deus e o mundo. Já disse que todos são bons músicos, mas todos fazem parte de uma linha de grupos cariocas identificada com a mpb que é simplesmente lamentável. Posso citar aqui Kassin + 2, Orquestra Imperial, Jonas Sá e outras iniciativas semelhantes, incluindo aí o bizarro Los Hermanos e suas duas repartições. Ao mesmo tempo, morro de medo que grupos como Canastra, Autoramas e Nervoso – todos da mesma turma – se deixem levar por essa coisa inefável que reúne toda essa turma num grupo só.
Não foi ao acaso que reuni esses nomes, mas porque, já andei observando, eles atraem um séqüito de fãs e admiradores em comum que inclui gente muito boa. Para eles, ainda que reconheçam tudo que eu disse aqui, o Do Amor é uma banda excelente. E esses mesmos cidadãos respeitáveis gostam também de toda essa leva de pseudo-artistas mpbistas que são, a bem da verdade, um pé no saco. Chegaram, certa vez, esses artistas (adoram a expressão), a se autodenominar mpc – música popular carioca. Fico imaginando o que leva tais pessoas a se interessar por esse grupo de artistas, e chego imaginar a utilização da ciência como única saída para entender o que se passa. Ainda assim, não vejo explicação plausível.
Ontem, por exemplo. Conversava com um jovem amigo – tão empolgado com o Do Amor que chegou a fazer fotos do show – sobre a decepcionante apresentação, cujo desfecho foi – imaginem – uma cover bizarra de “Lindo Lago Do Amor”, do mala-mor da mpb, Gonzaguinha. Ele, que baixa tudo da banda, é praticamente fã número 1, adorou. Eu, de meu lado, como antes de a apresentação começar disse que iria usar aquele show para tirar a prova dos 9, desandei a dizer mais ou menos tudo isso que estou escrevendo aqui. No que uma pequena, ao meu lado, ponderou: “mas essa não é a proposta”. Como assim? Proposta? E desde quando banda tem proposta? Mais um chope, por favor.
Vejo, no entanto, uma vantagem no Do Amor. Ou, por outra, não no grupo em si, mas em seus integrantes. Por mais de uma vez já disse que são bons músicos – a ruindade da banda comprova que não basta saber tocar para se ter um trabalho bom – e aproveito para dizer que são, também, caras legais. Sujeitos bem humorados e de bem com a vida que certamente não vão ficar bravos ao se deparem com a verdade mais-que-sincera numa tela de computador. Sei também que os cidadãos respeitáveis que gostam, inexplicavelmente, de coisa ruim, também não vão se importar. Afinal, isso aqui não é São Paulo, né?
Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!