A Vida dos Outros, filme alemão que venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2007, é do ponto de vista político um libelo contra a arbitrariedade que uma ideologia – no caso o socialismo – pode imprimir na vida das pessoas. Isso quando levada às últimas conseqüências de um projeto que foge, por ser guiado por humanos e passível de vícios e erros, do rumo pretendido como ideal.
A extensão mensurável do estado de horror vivido especialmente por intelectuais da Alemanha Oriental (principal argumento do filme) pode ser observada sob vários aspectos, um deles torna-se meio de protesto do dramaturgo e escritor Georg Dreyman, interpretado por Sebastian Koch: o suicídio. A negação da vida e há quem diga da liberdade se inverte e toma um aspecto de morte da esperança, justo por não haver direito a uma vida, sequer a mínima liberdade.
É sintomático do sistema em que essas pessoas estão inseridas. Essa violência se dá como fruto do sectarismo primitivo que passa em determinada altura a funcionar em prol de uma máquina partidária muito mais do que de idéias políticas, sufocando o cidadão comum, podando o criativo e tornando quem serve a essa máquina, bestial e sádico, com raras exceções, como se fosse uma linha de montagem, tal qual o socialismo tanto execra.
É sobre essa possibilidade de exceção alimentada por uma fagulha de humanismo que o diretor Florian Henckel se debruça dando vida a um dos personagens mais instigantes do cinema europeu dos últimos anos, Gerd Wiesler, interpretado pelo soberbo Ulrich Mühe. Wiesler é um agente da polícia secreta alemã que por motivos a principio aleatórios torna-se espião da vida de Dreyman, abrindo dois caminhos: a fidelidade canina ao sistema apodrecido ou o resgate do que possa existir de dignidade na sua vida burocrática, que pode em determinado ponto da história salvar vidas, mesmo que haja um preço alto a ser pago por isso.
Há ainda uma citação sutil e alegórica de um episódio bíblico, o da cobiça do Rei Davi sobre a mulher de Urias, Betseba, levando a sua força de rei a voltar-se contra um simples soldado do seu regime.
Das Leben der Anderen, 2007, Florian Henckel.