Passado, presente e futuro se juntam para o nobre exercício da colocação de pingos nos “is”.
Meus amigos, se uma mentira repetida mil vezes se transforma numa verdade, imaginem uma verdade, ela própria, se for repetida não mil, mas um milhão de vezes. Digo isso porque temo, ao começar esta coluna, soar repetitivo. Certamente vou falar sobre aquilo que já falei, mas isso depende de quem me ouviu. Ou, por outra, se alguém me ouviu. Em ambos os casos, vou me permitir ao artifício de repetição, porque, se repetem-se os que falam o que querem, devem ser repetitivos aquele que os fazem ouvir o que não querem. É ou não é? Disse que ia ser repetitivo e o máximo que consegui, em vez de alcançar a ira do leitor pela repetição, foi deixá-lo confuso com um texto mais truncado que jogo de time treinado por técnico gaúcho. Mas queria voltar ao ano de 2003, quando um show do Coldplay, aplaudidíssimo, no Rio e em São Paulo, fez um moderno colunista quarentão ir gastar módicos R$ 100 num restaurante classemediano. Naquela oportunidade, o Brasil descobria o Brasil, e o jornalismo cultural brasileiro descobria, pela enésima vez, o rock. Fato que fez o tal colunista praticamente se desesperar e optar pelos prazeres da decadente classe média cosmopolita de São Paulo. Imagino até o restaurante escolhido pelo falastrão de plantão e sua, digamos, acompanhante. Até nela, sinceramente, chego a pensar.
No mesmo ano de 2003 detectei um certo preconceito com guitarrista solo e com artistas que tocam com alguma freqüência no Brasil. Para pessoas ligadas de alguma forma à crônica musical brasileira, show de banda estrangeira no Brasil só é legal se essa banda nunca tenha vindo tocar aqui. Se vem uma, duas, três vezes, aí já era, trata-se de uma “turnê caça-níquel que ninguém quer ver”. Quase cinco anos depois, vejo que a coisa continua a mesma, raciocínios com esse tipo de lógica continuam rolando por aí, e, o pior, publicados em jornais de grande circulação.
Citei duas colunas passadas porque um fato novo liga as duas histórias. Novo, porém antigo, e, portanto, repetitivo, como anunciei lá em cima. É que outro dia, vi o tal colunista quarentão esbravejando justamente conta dois shows agendados para o Brasil neste primeiro semestre, com bandas decadentes que “ninguém quer ver”. O conceito de “decadente” do cidadão pode até ter lá seus motivos, porque é possível enxergar decadência em qualquer expressão artística, muito embora eu duvide que o tal fulano tenha se dado o trabalho de fazer sequer uma análise desse tipo de conteúdo. Já o “ninguém quer ver” passou bem longe dos fatos – no caso da primeira banda – e deve passar também no caso da segunda.
Sim, meus amigos, o “ninguém quer ver” apontado pelo afamado colunista resultou numa Via Funchal lotado, em São Paulo, e de cerca de 3 mil pessoas no Citibank Hall, no Rio. Toda essa gente queria ver um show inteiro do Whitesnake, que vinha ao Brasil pela quarta vez em 23 anos, sendo a terceira em São Paulo, e a primeira vez com um show só da banda. Longe de ser caça-níquel, o show, que passou ainda por outras tantas cidades, fazia parte da turnê do recém lançado álbum da banda, “Good To Be Bad”, ranqueado pela Revista Sucesso! Entre os 30 mais vendidos do Brasil. Isso, para o colunista decadente adepto do jantar classemediano, é o tal “ninguém quer ver”. Lamentável.
Disse qual foi a primeira bravata que gerou o início dessa Rock é Rock Mesmo, e quase não falo da segunda. Pois a outra banda citada era o Megadeth, um dos ícones do thrash metal mundial, e que toca por aqui no início de junho. Thrash metal? Mas isso não é coisa dos anos 80? Perguntaria o ávido leitor. No que eu retruco que é, sim, e eu próprio já havia dito que o Megadeth teria acabado, baseado nas palavras do líder da banda, Dave Mustaine, que me concedeu uma entrevista publicada na Revista Dynamite há alguns anos. Realmente hoje o nome Megadeth serve para Mustaine fazer o que bem entende; bem, na verdade sempre foi assim mesmo. O fato é que pode-se falar de tudo em relação ao Megadeth, exceto de decadência. Com um disco novo na praça, “United Abominations”, de 2007, o grupo está em turnê mundial de forma ininterrupta há mais de um ano, passando por Estados Unidos, Europa, Japão e o escambau. é mais um espetáculo que temos a sorte de passar por aqui, e que seguramente servirá para calar – mais uma vez – nosso moderno colunista quarentão. Que “ninguém quer ver” que nada.
Disse que ia me repetir, comecei todo enrolado, mas até que me saí bem. Porque, meus amigos, uma das funções desta coluna é colocar certos pingos nos “is”. Há tempos, aliás, ela não se prestava a isso. Só mesmo nosso moderno classemediano de plantão poderia me dar – de novo – essa oportunidade. Há que se lamentar, contudo, que um jornal de grande circulação ainda dê voz a esse cidadão. Mas podem anotar aí: tal qual seu antecessor, será, em caráter irrevogável, humilhantemente demitido em praça pública. É só uma questão de tempo.