Meus amigos, os tempos definitivamente mudaram. Vejam vocês que esta semana fiquei sabendo que aconteceria, no Rio, o segundo show surpresa do MySpace.com no Brasil. O primeiro foi em São Paulo, com o NX Zero, já há algum tempo. Para quem ainda não se ligou, “show surpresa do MySpace.com” (ou Secret Show) é uma modalidade de evento no qual, para se ter acesso, é preciso ter um perfil no referido site de relacionamentos e adicionar o perfil do tal evento como “amigo”. Depois, basta imprimir sua página para provar que você é amigo do evento, e se dirigir para o local aonde o evento irá acontecer, geralmente divulgado às vésperas da data marcada, ser um dos 600, 800 primeiros, e pronto: você já está autorizado a assistir aos shows. Bonito, né? Mas sou do tempo em que, para se assistir a um show no Circo Voador (esqueci-me de dizer que o evento acontece lá) bastava dirigir-me para a Lapa, comprar um ingresso (em geral a um preço bem acessível, não caro como hoje) entrar, comprar uma cerveja e curtir os shows. Hoje, vejam só, se eu quiser ver os shows de Autoramas e Matanza (também me escapou no primeiro parágrafo que eram eles a tocar) terei que entrar, definitivamente, para a modernidade. Admito, porém, que antecedi à própria versão brasileira da engenhoca virtual e já tenho há uns dois anos o perfil no MySpace.com. Sim, já sou amigo no perfil do evento. Só falta imprimir e me dirigir ao Circo Voador e torcer para estar entre os 600, 800 primeiros. Digo 600, 800 porque não sei se o número é um ou outro.
Ocorre que estamos no Rio de Janeiro e as bandas que vão tocar são Matanza e Autoramas, ambas seguramente com mais de dez anos nas costas cada uma. As duas, musicalmente falando, são muito boas, diria até que estão no seleto grupo das bandas independentes que conseguem se manter num momento de dura transição da indústria fonográfica – para não entrar no lengalenga de ficar falando no mercado, fim do CD e blá blá blá. Só que, que eu me lembre, essas mesmas duas bandas, sozinhas, jamais conseguiram encher um local como o Circo Voador, num show, digamos, convencional, daqueles que se compra o ingresso, entra e pronto. Eis, então, a questão fulminante: será que conseguirão lotar o Circo Voador, contando apenas com gente que tem Internet?
Digo isso, meus amigos, porque considero restritiva a alternativa de só se admitir a entrada de que tiver um perfil num determinado site, muito embora participar do site por si só já seja algo válido. É sabido que, depois que voltou turbinado em julho de 2004, o Circo Voador, embora subsidiado pelo Governo Municipal, cobra ingressos caros e inviabiliza o espaço para bandas novas e independentes. Revelar bandas, para o Circo, no passado, era motivo de orgulho para o local e para todos nós que não saíamos de lá, justamente para ver as bandas novas. Portanto, o retorno de bandas como Autoramas e Matanza ao Circo (com a abertura de um outra novinha cujo nome me foge) é um fato a ser destacado, em meio ao desvario virtual.
Só que, se não há cobrança de ingressos hoje à noite no Circo, e só entra quem imprimir o perfil do MySpace.com, sem pagar nada, alguém certamente está pagando a conta. Os patrocinadores do referido site bancam o show (cachê das bandas, som, luz e o escambau) para, em troca, obterem promoção, aumento do número de acessos e por aí afora. A modalidade, evidentemente, não é invento de patente nacional, podemos dizer que é tradicional nos States, se observarmos que bandas hoje manjadas como The Killers, Primal Scream, Jet e tantas outras já participaram dela.
O novo formato também se beneficia de uma das mais significativas mazelas classe-medianas, a do “mais barato, mas de qualidade”, e a “de graça é que é bom”. Não funcionou, no entanto, no início do ano, quando o tradicional festival Humaitá Pra Peixe se apropriou do modelo Radiohead de negócios (o bom e velho “quer pagar quanto” das Casas Bahia) nos show com Canastra e Brasov. Cada cidadão pagou um real, e a modesta Sala Baden Powell não encheu. Agora temos um show fechado para um público restrito, composto por internautas que têm perfil no MySpace, com bandas que, em show aberto para todos, infelizmente, não têm atraído significativo público. Ou seja, mais um capítulo da série “Momentos de Transição Tecnológica”.
Disse lá em cima que os tempos mudaram. E aqui recuo para fazer uma exceção: só os indies continuam os mesmos. Isso porque, na última terça, eles sequer compareceram ao Festival Evidente para ver um grande ícone do mundo independente, o produtor Steve Albini, que, entre outras façanhas, ajudou a catapultar o Nirvana ao estrelato. Ele tocou com sua banda, Shellac, no Teatro Odisséia, aqui no Rio, e dizem que tinha mais gente querendo ver a volta do Smack, renascido do terceiro escalão dos anos 80 versão paulistana. Vai ver preferiram passar a noite na Internet, em busca de novas modernidades.
Sim, os tempos mudaram, mas os não alvissareiros, e que gostam de rock de verdade, costumam reverenciar seus ícones, seus ídolos. Por isso podem anotar aí que todas as catacumbas serão abertas, e vivos e mortos sairão de suas casas para lotar os dois shows que Ozzy Osbourne fará no Brasil na próxima semana. Com ou sem internet, com ou sem MySpace, com ou sem indies. Podem anotar. É batata.
batata mesmo….queria ir!!