Mais do que um sobrevivente do rock, Ozzy resiste ao preconceito com que a crônica musical trata o heavy metal, desde o primeiro acorde soado do Black Sabbath até a coletiva de ontem.
Meus amigos, o que é o peso da história. O que é a modernidade. O que é o definitivo e o que é o passageiro. Começo a escrever as linhas de mais uma coluna bicentenária temendo ser repetitivo. Ou, por outra, querendo ser repetitivo. Porque, segundo consta nos manuais dos marqueteiros, só o que se repete se estabelece. Vejam vocês que ontem fui convidado a participar de uma entrevista coletiva com Ozzy Osbourne, no que me enchi de espanto. Ozzy dando coletiva? E precisa? Com os ingressos quase esgotados nos shows do Rio e de São Paulo, o cara vai fazer uma coletiva, seguramente para responder as mesmas perguntas de sempre, sobre álcool, morcegos, série de TV e parar de tocar? Sim, meus amigos, porque se não fosse assim, a coca-cola já teria parado de fazer propaganda há muito tempo. Com um atraso previsível, porém exagerado, as informações vão se sucedendo, e – vejam vocês -, quem decidiu que deveria fazer uma entrevista coletiva no Brasil foi o próprio Ozzy, ou sua esposa e dona Sharon, ou a produção dele. Para tanto, os horários da viagem dele para o Rio, vindo do Chile, onde tocou na terça, foram modificados de tal forma que ele chegasse aqui a tempo de que as entrevistas saíssem nos jornais diários do dia seguinte (hoje), no dia do primeiro show, e para que os telejornais pudessem levá-lo ao ar. Um jato particular, dizem, chegou a ser usado na operação. E olha que o próprio Ozzy (descobri hoje ao ler os jornais) já havia respondido dezenas de perguntas via e-mail a esses mesmos principais jornais. Sim, meus amigos, eu próprio desconfiei de que essas perguntas teriam sido respondidas por um assessor qualquer, mas num desses jornais um jornalista citou uma fala de Ozzy na qual ele admite que não usa internet e que uma secretária digita as respostas para ele. Acreditei na hora.
Se Ozzy já acordou, viu os jornais estampados com suas fotos. Se acessou a Internet com alguém do lado, se viu em tudo que é canto nesse Brasil. Funcionou. É engraçado como as coletivas mudaram – fazia tempo que não ia a uma. Antigamente, funcionários das gravadoras cuidavam de tudo, desde distribuir releases (que fizeram falta) para os jornalistas até forrar as paredes com posters do último lançamento do artista a ser entrevistado. Ontem, numa sala do Sheraton Barra, duas capas de CDs e o próprio disco tocando foi o único sinal de que alguém da gravadora passou discretamente por ali. Outro sinal dos tempos é a quase que ausência da mídia escrita, e um batalhão de garotos e garotas escrevendo para alguma coisa ponto com – eu inclusive. Sim, meus amigos, o mundo já é quase todo on line e a gente não sabia. E, no caso de Ozzy, foi interessante ver todas as emissoras de TV na área, fruto de sua exposição no reality show.
Quando adentra a sala para a entrevista, depois de ser bombardeado por um sem número de flashes, Ozzy não é apenas Ozzy. É como se toda a história do rock e do heavy metal, gênero que ajudou a criar, viesse junto, com seus milhões de capítulos, lendas e o escambau. É como se, na carcaça daquele senhor de 59 anos, estivesse do o peso de várias gerações de músicos e entusiastas andando por aí afora desde que o Black Sabbath mudou a cara do rock, da música e – por que não – do mundo. Ozzy carrega, tal qual um general empunha sua espada numa estátua em praça pública, a história em suas costas, com o mérito legítimo e inexpugnável de tê-la criado ele próprio. Quem estava lá, com um mínimo de referência musical e histórica, sentiu o impacto de tal lenda viva.
Para Ozzy, entretanto, tudo é festa. Seus 59 anos se reduzem a 16, 15 ou menos, e embora encare a entrevista com seriedade, como trabalho, não deixa de brincar. Responde a um jornalista perguntando se ele é casado, diz que se masturba no camarim antes dos shows, só para zoar com quem “elaborou” pergunta tão profunda, ri, pergunta se é crime usar óculos escuros… Se diverte, enfim. Porque ele sabe que as perguntas são sempre as mesmas, há mais de 20 anos. Vocês podem não acreditar, mas houve quem ainda tocasse no morcego mordido, na saudade do guitarrista Randy Rhoads, morto há duzentos anos, e, até, no primeiro álbum que Ozzy (segundo ele próprio) teria gravado sóbrio, há mais de 15 anos. Fala-se pouco de música num evento desse tipo, mas mesmo assim – ou por isso mesmo – Ozzy faz a parte dele e se diverte, fazendo caras e bocas para os fotógrafos. Além de sobrevivente do rock, Ozzy é também um sobrevivente do preconceito com que a crônica musical trata o heavy metal, desde o primeiro acorde soado do Black Sabbath até a coletiva de ontem. Mas ele sabe que é a síntese da história do rock e do heavy metal nos últimos 40 anos, e deixa isso tudo pendurado num cabide, como se fosse um sobretudo londrino, antes de entrar no necessário circo da coletiva.
De uns tempos pra cá, ainda mais depois da exibição de “The Osbournes” no Brasil, virou lugar comum dizer que Ozzy está velho, gagá, que não consegue andar ou fazer nada sozinho. Ontem, Ozzy estava muito bem, física e mentalmente. Não andou cambaleando nem gaguejou na hora de responder as perguntas. Muito mais lúcido que muitos que ali estavam sem, ao menos, terem feito uma ligeira pesquisa no Google. Poucos ali, inclusive, sequer devem ter se dado ao trabalho de escutar o CD de Ozzy. Um retrato cruel da frivolidade desses tempos, onde o boato e a fofoca são notícia, e o trabalho artístico, reles detalhe.
Até a próxima e long live rock’n’roll!!!