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COBERTURA DE SHOWS (MEMÓRIA) – THE EVENS E IAN MACKAYE

Por Leonardo Panço
Jornalista e guitarrista do Jason (RJ)

Ontem eu fui a um show. Bem, já fiz isso algumas centenas de vezes. Aliás, será que já cheguei ao meu show 1.000? Quantos faltam? Será que vai ter festa em uma boate na Barra? Se tiver, eu não vou. De qualquer modo fui a um show de rock na segunda-feira em um lugar pequenino e quente. Muito quente. Sufocante. Mas ninguém arredava o pé. O lugar chama Audio Rebel. E foi lá que eu tive talvez minha lição final na pós-graduação do rock. Eles só venderam 100 ingressos para ver um cara magrinho, careca, vestindo calça tergal e tocando guitarra sentado.

Ué, sentado? Ele tem mais de 40 anos e acha melhor assim. Isso é pouco rock, diriam alguns. E ele trouxe sua namorada para tocar bateria com ele. Sim, eles são meio estranhos. Eu só consegui ver essas pessoas digamos assim, estranhas, porque fizeram os humanos que estavam no show sentar e arrumaram uma lista de espera. Consegui entrar, paguei os 20 cruzeiros requisitados pelo bilheteiro/dono, o Daniel. O lugar é como a padaria da esquina. Lá você sabe quem são os donos e fala com eles. Sim, os proprietários do estabelecimento supracitado também tocam em uma banda de rock.

Ainda não falei da última aula que tive. Tentarei. Há muito tempo em uma galáxia pouco distante, comecei a tocar guitarra por “n” motivos e fui montando conjuntos de música rock. O tempo foi passando e quase 20 anos depois eu ainda exerço essa atividade estranha de debulhador de cordas de aço. Super malvado, né? Mas há bastante tempo eu já entendi como “n” coisas do universo desse tipo de música/business funcionam. Gravadoras, jabá, carisma, talento, mil coisas. Eu faço turnês com minha atual agremiação roqueira. Ela atende por G.R.B.C Jason.

Já fizemos 150 shows na Europa, por exemplo. E é lá que o sonho de viver se concretiza, nem que seja por um breve período de tempo até voltar para casa. Mas funciona. E assim você se sente bem. E eu vi aquele cara caminhando para os 50 anos fazendo um dos shows mais bonitos de todos os que eu vi até hoje. E ele estava feliz. Ele tocava para 130 pessoas numa caverna sem janelas. E esses humanos suados sorriam e cantavam junto com Ian. Ele se chama Ian. Sua extremamente-talentosa-namorada-cantora-baterista, chama-se Amy. Sobrenomes MacKaye e Farina. Juntos eles se autodenominam The Evens.

Poder-se-ia dizer um duo. Eles são de Washington D.C., a capital do mundo das trevas, onde Satã mora e se diverte com seus “funny toys”. Ian toca guitarra há quase 30 anos e sem ele muita coisa no punk mundial não seria o que é. Ele gritava num grupo chamado Minor Threat. Era hardcore, tosco, rápido e feroz. Depois ele quase não cantou no Fugazi. Mas esse seu grupo mudou a vida de muita gente quando passou a fazer a música que fez. Levou uma boa parte da música independente roqueira mundial a ver o planeta de forma diferente. E isso não é pouco.

E eles dirigiam sua própria van, não tocavam em shows com ingressos por mais de U$5. Não faziam camisetas e seus discos não eram vendidos por mais de U$8. Que pessoas estranhas. E quando ainda membro do Minor Threat, este mesmo senhor escreveu uma música que mudaria, mesmo, a vida de muitos pelo mundo. Mais ou menos como Morrissey fez com “Meat is Murder”. A canção chama-se Straight Edge. Ian não queria inventar um movimento, nem ditar as regras da vida de milhares de pessoas. Ele só quis dizer que não tomava drogas e não acreditava na morte de animais. E muitos acreditaram nele e o seguiram. Ele talvez não quisesse ser um Messias, o John Lennon do punk rock. Mas o foi. Seu carisma é imenso. Seu modo de tocar e cantar, únicos. Sua música esbanja poder. Ao vê-lo tocar para 100 e poucas pessoas do outro lado do mundo em relação a sua casa, feliz por estar ali, acessível e simpático, uma lenda do rock, dono de uma gravadora que lança bandas legais, eu recebi a confirmação de estar fazendo algumas coisas da maneira correta. Quem sabe se em mais ou menos 10 anos, aos mesmos 45 de Ian, estarei tocando para 50 pessoas em Washington D.C. Que o Satã da época seja menos rabudo. Minha última aula na pós-graduação do rock foi uma das mais bonitas. Talvez eu ainda faça o mestrado. Mas só até onde já estudei, acho que já é suficiente.

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