Por Bruno Nogueira, Recife/PE
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Essa dívida antiga com o Festival Mundo me forçou fazer uma loucura das grandes. O show do Macaco Bong (que explicou a história do amp no post anterior) terminou perto das 4h da manhã e sai de lá direto para a rodoviária. Voltei para o Recife, fui trabalhar no jornal e sai de lá de volta para a Paraíba. Direto, sem dormir e sem parar para comer. Tudo porque me comprometi com um dos debates da programação, que acontecia logo após uma mesa com o pessoal do Macaco Bong sobre o dia-a-dia de uma banda independente. Cheguei no centro histórico às 16h e o pessoal ainda estava lá, em circulo, conversando.
Novamente ficava a sensação do quanto o Festival Mundo é necessário para a atual cena de João Pessoa. Estava lá a banda que talvez mais circule hoje pelo Brasil tocando em festivais, disposta a entregar todo o ouro sobre como se inserir nesse circuito e como dar um sentido muito maior nessa história de ter banda. E a presença local era mínima, até de quem estava escalado para tocar no evento. O Mundo faz mesmo um trabalho didático e, pelo visto, dando murro em ponta de faca.
Desta vez consegui acompanhar tudo desde o começo. Deu para se surpreender desde o primeiro show, com a banda Cerva Grátis. Rock bem simples, desse mais cru que você encontra na esquina com qualquer Rock Rocket. Sim, eles dão cerveja de graça no palco, o que achei o máximo. Nem peguei, na verdade, mas me parecia que o nome da banda não passava apenas de uma idéia em comum com os amigos. Mas eles acrescentam isso na mis-en-cene e funciona que é uma beleza. Depois dessem do palco e continuam bebendo o que sobrou =P
Falar em palco, o som no segundo dia melhorou substancialmente.
A Paraíba se parece muito com o Recife de alguns anos atrás quando o assunto é a cena rock. Parece que eles ainda estão no processo de definir sua identidade – com pequenos surtos de uma Zefirina Bomba ganhando destaque, de vez em quando – e, enquanto o fazem, dão um constante ar de semelhança a outras bandas nacionais. Ficava impossível não associar a Elmo com o Dead Fish, principalmente pela semelhança na voz de Júnior, que dava vida ao grupo.
Olhar para o próprio país me parece ser uma boa opção. Pelo menos assim as bandas da cidade encontram espaço para amadurecer sem esbarrar constantemente em questões mais bobas como letras em inglês e outros purismo que nunca fizeram sentido nesse meio independente. Assistindo a Elmo e a Cerva Grátis, não vi também muita pretensão de sair – pelo menos por hora – desse esquema de shows locais. Sei que isso não justifica o ritmo lento da cena paraibana, mas pelo menos explica muito bem o contexto do cotidiano desses grupos.
Quem parece romper timidamente com isso é a Nublado. De todas as de rock local (com exceção da Star 61, claro), eles são as que melhor caminham para uma identidade própria. Isso quando arriscam em fazer músicas próprias, porque o show no festival foi quase todo de covers. Tocaram Radiohed, Franz Ferdinand, Arctic Monkeys… e Superguidis! Mais uma vez, acabo esbarrando em um comentário que só faria sentido se eu fosse produtor de bandas, mas arrisco a dica: talvez se o baterista Rayan Lins (que também é um dos produtores do Festival Mundo) seguisse nos vocais, eles chamariam ainda mais atenção.
Talvez pela adrenalina e correria de organizar um evento desse porte, quando ele começou a cantar Malevolosidade dos Guidis o show cresceu. Parecia outra banda, mais rápida e agitada, como se os próprios integrantes da Nublado tivessem se contagiado pela animação da mudança de vocalista. Se eu tivesse que apostar em um dos grupos de rock para sair dessa programação e figurar em festivais vizinhos, seriam eles.
O Festival Mundo não caiu no clichê comum de padronizar os dias e, após duas bandas instrumentais na primeira noite, na segunda teve outra, O Garfo. Já falei deles por aqui antes. De Fortaleza, criada a principio para ser cantada, eles conseguem fazer uma música que eu gostaria de ouvir em qualquer boa festa. Pop, rápido, dançante, eles ficam sem dever nada a outros grandes nomes instrumentais como Pata de Elefante e Retrofoguetes. Formada por parte da Fóssil, eles são daquele tipo de banda que já nasce pronta.
O segredo do Garfo está nos timbres do baixo afogando a distorção da guitarra. Parece uma disputa amigável, com ambos os instrumentos tentando sobreviver de acordo com o ritmo da bateria. Sem virtuosismo e caras e caretas, a banda conquista pela repetição, aquele grande segredo escondido da música pop. A gente percebe fácil as estruturas da canção e, com um pouco de atenção, dá até para acompanhar junto. Eles já são revelação do ano, mesmo tendo tocado pouquíssimo.
Eu queimei a língua a profetizar que a Sweet Fanny Adams faria o melhor show da noite. Talvez por assumir um pouco do orgulho pela banda local. Não que eles tenham feito uma apresentação ruim. Longe disso, estavam lá com o pique do artista pronto, daquele que você pluga os instrumentos e eles descarregam quase uma hora de show insandecido. Quando tocaram, já davam dica de que o público da noite passaria das mil pessoas. E eles estavam bem interessados no que acontecia no palco.
A verdade é que a associação Garfo + SFA foi muito bem feita. O clima já era de festa total, com gente pulando ao som da ótima versão que eles fazem para Wolf Like Me do TV On The Radio. A mesma que fizeram no Boom Bahia semanas antes e que, depois, me disseram ser uma versão criada pela própria TV on The Radio.
Mas eles não foram o sucesso da noite. Pelo mesmo motivo que explicava porque o rock na Paraíba ainda caminha devagar. Quando a local Burro Morto, outra banda instrumental, subiu no palco, tudo ficou claro. Com cara de “música do mundo” (que é como o pessoal da World Music tem pedido para ser chamado agora) eles deram o saque para a catarse da noite. Já era impossível circular na frente do palco com tanta gente tentando existir ao mesmo tempo no mesmo lugar. E ficar lá tinha regra: tem que dançar.
É impossível ver a banda de perto e não se contagiar com a música deles. Esse show foi ainda melhor do que o que eles fizeram no Coquetel Molotov, mesmo sem a ajuda de um ambiente mais lotado. E digo isso sem vergonha de deixar claro que essa sonoridade quase hippie está bem longe de me agradar. Mas não tem como não virar cúmplice do que eles fazem. Se eu tivesse que escolher apenas uma banda de todo o Festival Mundo para ver, seria o Burro Morto.
Lembra que falei do saque? A Cabruêra já entrou no palco dando o corte. Nunca tinha visto o show deles, apesar de já terem tocando centenas de vezes no Recife. Dali pra frente foi jogo ganho. Já tinha gringo, gente que nem fazia idéia que aquilo ali era um festival e só tinha aparecido para ver a banda. “É aqui que vai ter show da Cabruêra?” Era pergunta principal na bilheteria. E acabou nesse clima de festa, com eles esticando o repertório, chamando um grupo de amigos da Itália para cantar junto. Tudo bem memorável. Como todo bom festival, o Mundo teve nesse seu momento histórico.
Depois disso pluguei meu computador no som de lá e entrei no momento autista. Fui de R.E.M a Common People, tocando apenas para mim mesmo, enquanto o lugar esvaziava. Me diverti um monte. Fiz vídeo de tudo lá, com audio bem horrível. Depois publico aqui.
Fotos: Rafael Passos