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BRUNO NOGUEIRA (PE): CASSIM E BARBÁRIA

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De: Florianópolis – SC
Selo: Midsummer Madness
Para quem gosta de: Tropicalismo, experimentalismo e krautrock. Não dá mesmo para citar bandas iguais.

Cassiano Fagundes não acredita na banda do momento. O que é uma grande irônia, porque o grupo que ele montou quando se mudou de Curitiba para Santa Catarina é o nome da vez, aquela banda que todo mundo gostaria de ter previsto que iria acontecer em 2009, mas que ninguém conseguiu. Cassim e Barbária nasceu das músicas que ele criava e não entravam no perfil do seu outro grupo, o Bad Folks, e um convite de Rodrigo Lariú para que ele montasse uma banda para fazer shows com esse novo repertório. “Tenho uma fixação por Krautrock desde 1999 e tinha tentado misturar rock experimental alemão com a tropicália e o soul. Em pouco tempo, pessoas que eu admirava no mundo da música começaram a elogiar”, conta Cassiano, sobre as músicas que subiu em seu MySpace. “Gente como Adam Franklin do Swervedriver, por exemplo”.

Sua banda é um time dos sonhos do experimental brasileiro. É formada pela figura quase lendária do Zimmer, que além de tocar nos Ambervisions, passa parte do tempo com uma máscara de luta livre e um Teremim dos infernos (literalmente), na dupla ABesta, junto com Suzuki Bata. Eles estão juntos com Márcio Silva, que estudou música com um discipulo direto de John Cage, XuXu e MLeonardo da Pipodélica, uma das responsáveis por transformar Floripa no destino da chamada “música livre” e experimental no Brasil. “Aqui tem um ar de fronteira, onde tudo é possível, talvez por isso o noise esteja tão em voga por aqui. São muitos músicos, estudantes de arte e música fazendo som com chaleira, oscilador de frequência, é uma cena muito interessante e inusitada”, relata o músico.

Apesar das referências e do relato, a música do Cassim e Barbária tem uma construção pop que não vai afugentar o ouvido preguiçoso. Essa é, sem sombra de dúvidas, uma das bandas mais criativas e interessantes a surgir nos últimos dois anos nesse cenário independente nacional. “Cassim é um nome árabe e Barbária, o norte da África, é de onde vieram os piratas mais destemidos e aventureiros da história, que fundaram antros como Salé, no Marrocos. Eu já tinha esse nome desde 2001. Gosto muito de piratas”. Nessa levada, a banda já passou pelo South by Southwest, Canadian Music Week e foi o artista nacional – entre os independentes – que fez a maior turnê lá fora esse ano. A entrevista abaixo fala um pouco disso tudo.

Essa turnê rápida na América do Norte serviu para vivênciar um pouco mais da tarefa difícil de viver de música. Valeu a pena? Vocês pretendem voltar a investir nesse mercado lá de fora?

Foi uma tour de 35 dias, então nem foi tão rápida assim. Rodamos 11Mil KM numa van, por 17 estados americanos e duas províncias canadenses. Nenhuma outra banda brasileira que tocou no SXSW 2009 fez isso. Valeu muito a pena. É o que mais vale a pena. Nosso foco é esse: viajar. Sem essas viagens, acho que nem faríamos essa banda. Não importa se é no Brasil ou nos EUA, o importante é viajar. Acontece que no final das contas, a logística de uma tour em outro país acaba sendo mais fácil de ser executada e em alguns casos o investimento financeiro é até mais baixo, ou se não é, compensa mais. E como o pessoal de países como EUA e Canadá parece ter entendido nossa piada, decidimos nos focar nisso.

Mas é aquela coisa: você toca pra 30 pessoas totalmente em sintonia com você. Não é super sucesso de vendas, tipo Bonde do Rolê ou CSS. Nós vemos o que fazemos como nossa vida, não é algo feito para passar como um cometa, algo passageiro, tipo “o tempo está passando, vamos lá, vamos apostar todas as fichas e se não rolar, fudeu”. Eu me espanto um pouco com artistas com muita fome pelo sucesso, especialmente um artista independente. Ainda mais porque sucesso é totalmente relativo. Não é por aí. O David Lynch disse que demorou 3 anos pra fazer Eraserhead, ele tinha muito medo de que o tempo passasse, o mundo passasse e ele e seu filme ficassem pra trás. Quando percebeu que era um artista fazendo algo em que acreditava, percebeu que o tempo e o mundo nunca passariam. Boa arte tem que ser atemporal.

Ainda não chegamos lá, mas é o que buscamos. Fazemos música pra quem gosta de música, acima de tudo, pra quem não se importa com hype, ou com MTV ou com a banda cool do momento. Apesar de eu ser consumidor ávido de todo tipo de música, inclusive do que é hype, não é isso o que quero fazer musicalmente. Acho que tenho um trabalho autoral e sempre tentarei fazer as coisas do meu jeito,e agora, do nosso jeito. E como gosto muito de viajar, de conhecer pessoas, lugares, dividir o palco com bandas que não conheço, vamos fazer de tudo pra tocar pelo menos uma vez por ano nos EUA e Canadá e quem sabe na Argentina, Europa, Japão e pra onde conseguirmos ir.

E em relação ao Brasil? Alguma chance dessa banda ocupar mais espaço que as bandas originais de vocês, devido a repercussão que passou a ter agora? Quais os planos de vocês para a banda aqui?

Nós queremos tocar bastante no Brasil, mas como eu disse, essa fome pelo sucesso, esse jeito “media-friendly” das bandas de hoje não é bem nosso negócio, apesar de não dizermos não para boas oportunidades de aparecer, é claro. O Zimmer por exemplo, gosta muito de aparecer. Não sei no que isso vai dar, mas o que queremos é desenvolver um trabalho juntos, quando digo juntos eu incluo as pessoas que gostam de nosso som, nosso público. Cassim e Barbária é uma banda-pai de outras coisas como Barbária, mais experimental, Cassim (eu e o Isaac Varzim), o solo do Xuxu, etc, e temos produzido muita música, muitos encontros musicais, coisas do tipo. Mês passado tocamos com o Damo Suzuki do Can, num evento de música livre promovido pelos caras, mais o Peter Gosweiler (Colorir). Nós estamos vendo que algo está nascendo em Floripa, são vários caras querendo sair da mesmice sonora, eu acho um privilégio estar aqui agora, no meio disso tudo.

Vamos lançar esse ano um DVD, um vinil, mais vídeos (O Peter Gosweiller acaba de fazer 2), shows com outros artistas. Eu pessoalmente quero que o rock independente no Brasil volte a ser independente. Hoje, o indie tem a mesma postura de banda major, e a mídia que nasceu para ser uma alternativa aos grandes veículos também. O indie acabou sendo seduzido pelas mesmas regras de consumo rápido, a música como um produto com validade, e rola até o famoso jabá no indie nacional, o que é totalmente errado.

Nós queremos ser uma banda verdadeiramente independente, não queremos fazer esse jogo, nós já estivemos nisso antes, e é um ambiente muito duro e sacana, e no fim das contas, se você faz as coisas só pensando em aparecer na MTV e no blog do hype e nos festivais legais, pode se decepcionar, ou acabar fazendo algo com data pra expirar. Nossa história é fazer música a longo prazo.

A formação da banda traz gente que já fez todo tipo de som louco e que já viu a programação de muitos festivais. Queria uma reflexão disso tudo… o que vocês acham que é a música brasileira hoje?

A quantidade de música sendo feita é impressionante. Talvez hoje a cena realmente esteja se tornando horizontalizada, já que os meios para se aumentar o alcance de sua música estão à disposição de todos. Pelo menos em teoria. Mas acho que ainda há um conservadorismo muito grande, o que mais vejo é repetição de fórmula e promoção de fórmulas consagradas por parte da mídia (até mesmo a alternativa). Por outro lado tem muita gente desenvolvendo trabalhos com muita personalidade. Acho que o mundo está cheio de música boa, e o Brasil então, é um solo fértil. Eu sou roqueiro até a alma, mas estou cada vez mais aberto a outros tipos de música. E de certa forma, o Brasil também.

Mas acho importante o independente retomar a postura independente. Não estou falando em radicalismo à la Fugazi. Temos que aprender como ganhar dinheiro sem abrir mão da independência. É algo difícil de se conquistar, mas não impossível. Hoje você vê artistas se equilibrando entre esses mundos: gravando e lançando por gravadora independente e se promovendo no meio independente, mas ao mesmo tempo usando a grande mídia. Acho isso válido. O que não é válido é se vender. É fazer o grande jogo, é entrar no esquema dos jabás e se tornar mais acessível só para aparecer. Acho que falta um pouco esse senso crítico no Brasil. Por outro lado, não vou julgar ninguém por ter optado fazer de tudo para viabilizar a difícil escolha de se viver de música no Brasil.

E ainda sobre isso acima, o que vocês sentem que está fazendo falta? Tanto em termos de sonoridade quanto de mercado?

É o que eu disse aí em cima. Precisamos ter mais coragem, tanto pra criar nossa música mais livres das amarras do mercado internacional quanto para gerenciarmos nossas carreiras de uma forma mais independente. Precisamos também aprender a conseguir dinheiro do governo para viabilizar nossa música. O dinheiro que está lá não vem de nossos impostos? nada mais justo.

O Governo de Santa Catarina apoiou exatamente o que? O disco? A turnê? É fácil para bandas do sul conseguir esse tipo de apoio?

O Governo de Santa Catarina apoiou nosso DVD, que faz parte de nosso projeto de tour, por isso, dá pra dizer que apoiou nossa turnê. Vejo aqui uma disposição do governo em ajudar os artistas. Não sei se nos outros estados do sul é assim também, mas em Santa Catarina é o que parece. É um estado com um grande potencial artístico, mas está totalmente fora do eixo, até mesmo fora da articulação que alguns estados fora do eixo tem feito para driblar o lado ruim de se estar na periferia do eixo Rio-SP. Acho que alguns setores da sociedade aqui estão percebendo que vale a pena investir na arte e na cultura, porque tem coisas incríveis acontecendo que são reconhecidas em lugares como China e EUA, mas no Brasil poucos sabem disso. Até mesmo em SC poucos sabem disso. Tem 2 ou 3 projetos catarinenses de música experimental rodando o mundo, então o Governo começou a perceber que tem um ambiente interessante pra esse tipo de coisa. Além disso, o rock/pop e eletrônica tem uma vertente forte aqui, como o Clube da Luta, que é uma festa semanal de bandas e artistas que cresceu muito. Esses dias fomos lá e ficamos surpresos ao ver 150 pessoas cantando em coro todas as letras de bandas locais como o Aerocirco.

Sou de Curitiba e sei que lá esse tipo de coisa é mais difícil de acontecer. Agora até acontece, mas demorou, por muito tempo, Curitiba e Floripa foram cidades provincianas, onde o público não valorizava nada que não viesse de fora, uma espécie de bairrismo às avessas. Aqui, parece que o público dos artistas “da terra” está crescendo exponencialmente. Mesmo que eles não toquem nas rádios, ou apareçam na televisão. É o efeito da democratização das ferramentas, da internet, etc, eu acho. Mas também é algo mais. Hoje todo mundo quer ser artista, e de certa forma, todo mundo é. Ao menos aqui em Floripa.

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