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AUTOR CONVIDADO: CENA CEARENSE "TANÍSIO VIERA – A ESTÉTICA DA AUTO-DESTRUIÇÃO"

Inicialmente gostaria de pedir desculpas ao meu companheiro de SOMA Talles Lucena pela demora na “resposta” ao seu artigo sobre o Festival Nordeste Independente.

Todo esse tempo entre o festival (07 de março) e este texto, fique pensando se devia escrevê-lo, já que desde o início dos anos 2000 debato junto com outros companheiros da chamada música independente fortalezense, “porque que a gente é assim?”.

Devo esclarecer que só estou disponibilizando este texto para que Talles não achasse que está sozinho (já que menos de vinte membros da lista do Nordeste Independente e nenhum de nossos companheiros de SOMA se prontificaram a comentar seu texto) nesta empreitada de compreender culturalmente nossa cidade.

Vou tentar ser breve. Mas, creio que necessito de um rápido histórico de minha trajetória no circuito independente para que as idéias que expressarei possam parecer mais claras.

No final dos anos 80 as FMs, as TVs comerciais e a revista Bizz eram os únicos veículos que disponibilizavam para mim e meus amigos as “novidades” da música brasileira e, sobretudo, do rock brasileiro e gingo: ritmo que eu havia aprendido a gostar com meus irmãos mais velhos. E as ouvíamos, assistíamos e líamos compulsivamente.

Neste período algumas bandas já haviam se destacado nacionalmente e, por conseguinte, os bastidores de suas carreiras (biografias de seus membros, curiosidades artísticas, gostos musicais, etc.) passaram a fazer parte dos noticiários.

Lendo as matérias e as entrevistas descobrir que a essência do que as bandas do “rock nacional” punham em prática, em nosso país, era o “do it yourself”, lema dos punks ingleses do final dos anos 70. Como eu era um garoto inquieto, que gostava de interpretar as letras das músicas para discuti-las com os amigos, o próximo passo para fechar o ciclo da identificação com os ídolos seria, claro, montar a própria banda! E o fiz. Aprendemos alguns acordes e começamos a tocar nas escolas do bairro.

Com a leitura mais apurada das informações e entrevista das bandas descobrimos que muitos de seus membros eram – ou haviam sido – estudantes universitários e, como achávamos suas letras instigantes, acreditávamos que só seríamos capazes de escrever letras a altura se fossemos para a universidade. Ingressamos (os três que escaparam à seleção natural dos primeiros passos do aprendizado musical) na universidade.

No início dos anos 90, quando ingressei na Universidade descobri que fazia parte do rito de entrada uma festa chamada calourada. Descobri também, com muita frustração, que as calouradas dos cursos de Comunicação Social e Psicologia eram super badaladas e concorridas e a “minha” (de História) era uma espécie de revival dos anos 70: alguém ao violão tocando MPB e meia dúzia de pessoas tomando bebidas baratas e falando mal do capitalismo (vale informar que até hoje me classifico como um comunista com tendências anarquistas e, frustrado por viver no capitalismo).

Bem, eu e alguns colegas de curso também insatisfeitos com tudo aquilo resolvemos assumir nossa calourada e transformá-las em festas de rock aos moldes das outras duas. Então, entre 94 e 96 fiquei a frente da produção das calouradas do curso de História da UFC.

Em 1997, minha banda não havia “acontecido” e eu havia terminado o curso, então resolvi continuar minha aventura acadêmica e fui fazer o mestrado em São Paulo. Mesmo nos três anos sem contato direto com a música – coisa que não acontecia desde minha adolescência – mantive um intenso contato com a efervescência cultural de sampa.

Voltei para terrinha em 2000, montei uma nova banda com um dos insistentes dos tempos da adolescência e passei a freqüentar os circuitos do chamado rock independente de nossa cidade. De cara um tremendo estranhamento: a maioria dos membros de banda se dizia “apolíticos”. Para mim – formado na efervescência política do final dos anos 80, idealizador da arte como forma se não de mudar o mundo, pelo menos as pessoas – separar arte e política, parecia, e ainda parece, algo absurdo.

Creio que este deve ser o eixo de nossa discussão. Por que os alternativos do início dos anos 2000 e os de hoje, separam arte e política.

ARTE PELA ARTE?

Com os anos de convivência descobri que a maioria dos membros das bandas ditas alternativas não conseguia perceber que a estética é precisamente um discurso, um conjunto do qual a roupa, ou a moda, em sua expressão mais uniformizadora, não são nada mais de que formas de se comunicar com o mundo.

Ora, Karl Marx, já no final do século XIX, dizia que os proletários seriam a classe revolucionária ruma à destruição do capitalismo e ascensão do comunismo. Mas, no caso do Brasil, creio que isso será impossível, já que os mesmos não têm, por vários motivos, acesso aos meios de educação ou de informação. Já nossa classe média – vale ressaltar que a classe onde reside a maioria dos membros das bandas de rock alternativo de Fortaleza – monopolizou o acesso ao ensino médio de qualidade – claro que me refiro à qualidade técnica que adestra para o vestibular – e praticamente fez o mesmo em relação às universidades públicas, de reconhecida qualidade técnica e humana. Deveriam, portanto, ter se “transformado” na classe revolucionária, como previu Karl Marx?

Ora, creio que já comecei a responder esta instigante pergunta. Ensino técnico, escolha pela cultura de massa, e acesso a uma enorme quantidade de informação sem o devido critério seletivo, apesar das inúmeras possibilidades disponíveis.

Após a ditadura nossa classe média se preocupou mais em conservar seus bens duráveis “conquistados” ao longo dos anos 70 e 80 e ameaçados pela pilhagem neoliberal dos Fernandos (Collor e Henrique Cardoso, eleitos, aliás, por eles) nos anos 90, que lutar por uma melhor qualidade de vida, como o fez a geração dos anos 60. Seus filhos, enfim, tornaram-se (infelizmente) seus espelhos.

No início dos anos 2000 já era démodé falar de política, movimento estudantil, música de protesto. As bandas de rock mais famosas vinham a Fortaleza e dividiam palco com cantores de axé e de forró e as bandas do chamado rock alternativo ou faziam seus discursos elitistas e herméticos, cantando em inglês ou cantavam em português por que “queriam ficar famosos”, “deixar de tocar para poucos e atingir as massas”. Resultado: habita Fortaleza hoje um exército de jovens entrincheirados em seus computadores e suas comunidades virtuais, que acham que a estética é só roupa de marca e “ar” descompromissado como o mundo (blasé), mas que, por incrível que pareça, ouvem rock.

Em suma, nós que acreditamos que a arte é uma forma de liberdade temos que abandonar a ingenuidade e encarar de frente o fato que vivermos em um país capitalista e nos comportar como movimento organizado, do contrário, creio que estaremos sempre fadados ao fracasso financeiro e verdadeiramente estético.

A estética da liberdade.

Como fazer para comprar, ou pagar as prestações de nossos instrumentos se nossos shows são sempre esvaziados, já que nem todos têm pais “compreensivos” (!$!) que sabem a importância da arte na formação de um jovem? Ao longo de todos esses anos desenvolvi algumas respostas que gostaria de compartilhar para ampliar nosso debate.

Dentre as mil e uma possibilidades, vão aqui apenas algumas: unirmos-nos e começarmos a freqüentar uns os shows dos outros (fazer número mesmo! Na medida do possível); mais apuro técnico; mais preocupação com as “produções”, que é a essência da formação de platéia. Mas, creio que falta, sobretudo, investimento na formação do artista.

Só assim os donos de casas de shows nos encarariam como movimento “rentável” (e não iriam querer mexer “em um time que está ganhando!”) e poderíamos, mesmo como alternativos, viver de música, sermos músicos intelectualizados ou simplesmente “ter carro do ano, TV a cores, pagar imposto, ter pistolão, ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão. Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão”, como profetizou Renato Russo.

Isso seria escolha, o que não acontece hoje e vai continuar não acontecendo enquanto a maioria continuar entrincehirada em suas comunidades virtuais e não sair à rua e dar a cara a bater, como público e como artista.

Enfim, o que somos hoje é por nossa culpa, nossa máxima culpa!

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4 Comments

  1. Bem, galera, minha idéia principal é que temos que frequentemente expor nossas idéias.
    Aproveito para agradecer ao Foca pelo espaço e a todos que leram meu texto.
    “Força sempre”, pois “palavras e idéias podem mudar o mundo”.

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