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AS REFLEXÕES DA ORELHA QUENTE

Por Anderson Foca

São tantas camadas interessantes sobre essa volta do Circuito Cultural Ribeira que é impossível usar rede social para falar tudo sobre o assunto. Por aqui é mais organizado. O primeiro relato a fazer é a respeito da onda de comentários odiosos que praticamente todas as atividades culturais da cidade vem enfrentando na pós-pandemia em diversas áreas diferentes. Teve o meme “não vai dar ninguém na Marina Sena” sobre o Festival Dosol 2022 (foi lotado), Baile do DK trollado (foi lotado), bandas locais anunciadas no MADA com forte hate (vai lotar), Ahayá da Potilândia criticado (foi lotado), entre outros tremiliques digitais. Não sei explicar o fenômeno, sou zero especialista nesse tipo de comportamento mas é um fato corriqueiro (e triste).

Sobre o Circuito Cultural Ribeira vou ser obrigado a fazer uma coisa que eu faço pouco. Refrescar a memória da turma para gente chegar até 2023. A ideia do CCR foi criada numa conversa entre o Dosol e a Casa da Ribeira ainda em 2009, em longas conversas até chegar na formatação que vocês conhecem. Nessa época o Centro Cultural Dosol estava em funcionamento dentro de um bairro ABANDONADO pelo poder público e a gente enfrentava uma crise de presença público nas atividades. O plano era o mesmo de agora: reunir num dia de atividades as potencialidades dos espaços culturais que tinham sede no bairro e chamar atenção para que a Ribeira fosse mais valorizada como ambiente com viés cultural. O bairro continua abandonado, registre-se.

No final de 2010 conseguimos um patrocínio para tirar a ideia do papel, oferecer atividade gratuita em cultura precisa de financiamento. Finalmente o Circuito Cultural Ribeira virou realidade e se transformou numa das atividades mais acessadas da cidade, se transmutou por três vezes numa Virada Cultural, até a sua última aparição no final de 2018. Não por coincidência fomos vencidos pelo cansaço e fechamos o Centro Cultural Dosol em janeiro de 2019 depois de 15 anos de portas abertas.

Sempre foi MUITO DIFÍCIL realizar o CCR pelo caráter “ecumênico” da atividade. Cada espaço tem suas características, cada fazedor de cultura suas necessidades e a gente ali tentando administrar tudo do melhor jeito, e aos trancos e barrancos as edições iam se realizando. NUNCA TIVEMOS EM NENHUMA EDIÇÃO O FINANCIAMENTO IDEAL, o Circuito Cultural Ribeira sempre foi precário, feito com verba abaixo do que precisávamos, mas no intuito maior de que aquilo reverberasse para um ambiente de território criativo que todos nós (público, artistas e produtores) enxergávamos.

Dei meu ciclo de atividades na Ribeira por encerrado depois disso. De 1997 a 2019 tinham se passado incríveis 22 anos, senti que contribui como pude com o bairro e segui na vivência cultural que é onde eu estava em 97 e estou agora.

No meio pro final da pandemia recebemos uma proposta pra tentar reverter a energia criativa do bairro da Ribeira e tentar reacender a chama do Circuito Cultural Ribeira. Depois de muito debate e idas e vindas com a natureza do recurso conseguimos garantir uma volta num formato menor, pra que o bairro tivesse alguma luz de novo até o lançamento das ações no dia de ontem. Já no primeiro anúncio de que o Circuito Cultural Ribeira ia voltar eu me assustei com a enorme repercussão. E me assustei mais ainda com o número de inscrições que tivemos para acessar a atividade com programações artísticas.

Com pouco orçamento e rúbricas limitadas para a realização de um projeto desse porte, tivemos que adiar o resultado da chamada pública pra dar conta de ver todo mundo que se inscreveu. O plano de trabalho previa uma chamada pública, não prevê remuneração para produzir, programar, negociar com os espaços culturais, fazer os corres burocráticos, pedir licenciamentos para prefeitura, toda a fauna de ações necessárias pra se realizar um rolé (na rua pública o trabalho é dobrado).

Dito isso tudo e colocando alguns pontos de produção à mesa vamos para outras camadas do assunto.

  1. Criticas sobre curadoria são bem-vindas e corriqueiras e na hora que sobra escolher uma atividade pra se apresentar em qualquer lugar, eu ou qualquer pessoa residente no planeta vai faze-la sobre seu recorte pessoal (estético, de conhecimento de mundo e rito dentro do que vai programar). No caso do Circuito, programamos apenas o Palco Dosol, todo o resto foi programado passando pelas casas residentes do bairro e pelos outros fazedores do circuito mais especializados nas outras áreas. Quase 300 inscrições de música não foram selecionadas, lamento e fico frustrado de não conseguir gerar mais espaço com o recurso que conseguimos.
  2. Vou tocar na atividade sim. Já disse e repito. Pessoalmente tô dando o corre para isso acontecer desde 2009, especialmente nessa volta sem nenhuma remuneração pela parte de produção da atividade. Sobra ser minimamente remunerado tocando. Longe do ideal, mas estou dando meu melhor. Me sinto como em 97 abrindo espaços e promovendo atividades culturais pra poder tocar. Esse quadro não mudou em nada, todo mundo que quer tocar na cidade vai precisar produzir os próprios rolés. Por sorte tenho conseguido fazer coisas que geram oportunidades adicionais pra mais artistas. Mas óbvio, não tenho como abarcar TODAS as necessidades artísticas de TODAS as pessoas. Reforçando: dou o meu melhor e fico feliz com isso.
  3. Acho cretino responder críticas com o tal do “tá achando ruim faça seu rolé”. Mas é um fato que seria legal que mais gente empreendesse em fazer algo pelo bairro em vez de criticar (e muitas vezes humilhar) quem tenta fazer alguma coisa. Sei que não é fácil, não é simples mas aqui estamos. Se ficar puto com o nano-circuito for um disparo para mais ações, terá valido a pena voltar temporariamente com a atividade.
  4. O projeto de volta do Circuito é de 2021, realizado só agora. Isso explica a defasagem de mapeamento das atividades do bairro (apareceram novas atividades de lá para cá). Na emenda parlamentar federal não é permitido alterar uma vírgula do plano de trabalho.
  5. Não tenho medo de críticas, elas entristecem a gente sim, mas também fazem refletir e melhorar. Pararia em 1997 quando comecei se tivesse medo de críticas, principalmente no terreno pantonoso e precarizado da vivência cultural.
  6. Pessoalmente acho que cometemos um erro grave: aceitar voltar com o Circuito numa versão menor (e talvez não comunicar isso de um jeito mais sólido pra geral entender). As expectativas e a memória afetiva sobre a atividade eram muito maiores do que nosso radar captou. Mas quando vejo que quase 40 artistas de diferentes áreas da cultura vão ser remunerados pra se apresentar gratuitamente na Ribeira, penso que está tudo bem também. A última vez que essa quantidade de gente se reuniu pra se apresentar por lá foi exatamente há cinco anos dentro do próprio CCR.
  7. É óbvio que sou junto com Dosol, um dos players protagonista da cultura na cidade, sem nenhuma falsa modéstia. O nosso teto de vidro é enorme, são muitas ações culturais acontecendo e a gente assume isso com responsabilidade e numa boa desde sempre. Receber hate com o Circuito Cultural Ribeira doeu porque a PRECARIZAÇÃO DA CULTURA POTIGUAR NÃO É CULPA NOSSA. O CIRCUITO RE-EXISTIR MUITO MENOR NÃO É CULPA NOSSA. O BAIRRO DA RIBEIRA CONTINUAR ABANDONADO NÃO É CULPA NOSSA, ARTISTA SEM PALCO NÃO É CULPA NOSSA. A responsabilidade de resolução de tudo isso é prioritariamente do MUNICÍPIO e do ESTADO. A gente é parte das MUITAS pessoas que atuam para mudar esse quadro, mas a confusão memética das redes sociais inverte valores, deturpa relações e a turma manda “fogo amigo” sem perceber (e muitas vezes na maldade para tentar enfraquecer o trabalho). Foi com ajuda desse tipo de ambiente odioso que tivemos 4 anos de governo de extrema-direita no Brasil.

Acho que é isso sobre o assunto. Para fã ou hater, sorte e sucesso para geral.

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1 Comment

  1. Esse papo é tão anos 2000. Lembro de eu mesmo falando mal dos rolês do Foca quando ainda nem existia o DoSol (antiga banda oficina eu acho). Isso com meus amigos com bandas sem fazer nem o básico direito e se achando os injustiçados. Chega a ser ate engraçado agora.

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