NATAL – “Excutcha…”. A sala de imprensa estava cheia de gente “fazendo hora”, quando um desses turistas típicos abriu e forçou um português enrolado para fazer uma pergunta. Ele queria saber por que o domingo do Festival DoSol, terceiro dia do evento que reuniu 37 atrações na rua Chile – uma espécie de Pátio de São Pedro Potiguar – estava com tão mais pessoas que no primeiro dia. Ninguém soube explicar muito bem. Natal ainda é, sob muitos aspectos, uma cidade bastante peculiar e única.
Esse traço é mais marcante no público, quase seis mil pessoas somando os três dias. Das 37 bandas que tocaram, o interesse maior de todos não era por quem vinha de fora, mas pelos próprios grupos locais. Como evento novo, o DoSol ainda se permite experimentar – e errar – com um pouco de freqüência. O tratamento mais folgado com algumas bandas acabou fazendo com que algumas não fizessem passagem de som. Na sexta-feira isso fez mais diferença. Parafusa teve o show prejudicado pelos equipamentos, não conseguiu sequer tocar três músicas usando todos os instrumentos.
No primeiro dia, cerca de duas mil pessoas davam um tom mais florido ao festival. Era um momento mais samba-rock, com mais cerveja servindo de motor para dancinhas sossegadas. Vale a pena anotar o nome do DuSouto, banda potiguar que faz um samba-rock bonzão para churrasco e praia. Joga baixo – bem baixo – tocando um Jorge Ben aqui e ali, mas também tem mérito próprio na conquista do público. Do Recife, o Bonsucesso Samba Clube fez uma troca boa com quem fazia questão de mostrar que conhecia todas as letras da banda. A empolgação da galera ajudou a melhorar um show que também não estava nos seus melhores dias.
Mas o que vale mesmo é anotar na agenda o seguinte lembrete: não perder o próximo show do Mundo Livre. ZeroQuatro e cia deram arranjos novos para vários clássicos da banda. Na boca do povo, era o melhor momento da noite. Já era bem tarde, passando das 2h, quando o DoSol começava a dar os sinais de que estava apenas começando.
A noite “rrrock!” do sábado também teve publico tímido. Igual aconteceu ano passado, o DoSol Rock Bar – casa noturna que faz parte do coletivo do festival – mostrou umas boas promessas da cena potiguar. Drunk Drive e Doris fogem do estigma que a cidade está perto de ganhar – explicado abaixo – com um som próprio.
O DoSol traz uma característica própria que é apostar no mercado do rock independente. Neste sentido, não existem os tais “medalhões”, encerrando a noite. Nem aquele público mais chato do Abril pro Rock reclamando a falta de um Detonautas ou de uma outra banda impossível de se bancar. Com isso, consegue favorecer uma programação que é boa de verdade. Autoramas (RJ) e Forgotten Boys (SP) estão entre os melhores shows de rock hoje no país.
Antes dessas, MQN (GO), Walverdes (RS), Bois de Gerião (DF), Los Canos (BA) e Bugs (RN) são uma escalação que daria certo em qualquer cidade do país hoje. E deu certo lá, mesmo para público pequeno e sempre afugentado pela chuva. O esquema cedo do festival, que abre as portas pontualmente às 16h30, prejudica só um pouco algumas bandas. A Carfax fez um show bem instigante, mas para poucos privilegiados.
Hardcore
Não tem para onde fugir. Natal é mesmo uma cidade 100% hardcore. Os dois elementos que mais podem prejudicar um show – ser feito no domingo e em horário muito cedo – não fez a menor diferença. Cerca de 2500 pessoas davam o clima de “lotado” na rua Chile. Todos para ver os shows do Devotos e Dead Fish. Esta última, ainda, era o principal alvo de tietagem. O pessoal subindo pelas janelas do bar DoSol, que servia de camarim, para conseguir um autografo e uma foto com o vocalista Rodrigo.
O prenúncio do sucesso desta noite foi dado às 18h. O Dead Nomads executou a fórmula secreta do sucesso para um show adolescente. Cover de “Blitzkrieg Bop”, do Ramones, para abrir a noite com uma enorme roda de pogo. Depois dela, até uma sofrível – e bota sofrível nisso – versão para “Bigmouth Strikes Again”, do Smiths, funcionou.
A noite foi empurrada por uma seqüência de bons shows, começados pelos Astronautas e seguido pela “banda do dono”, a Allface, com o vocalista Anderson Foca, organizador do DoSol, a paulista Aditive, a herói local – de longe o público mais cativo – Jane Fonda e, então, a Devotos e Dead Fish. Todo mundo voltou para casa suado e sem fôlego, cheio de disco novo debaixo do braço. Sim, tem isso, lá eles compram disco de verdade.
* A viagem foi a convite do evento