Por Anderson Foca
Já começo logo dizendo: o texto é sobre CULTURA e sobre o CARNAVAL de Natal, que venho atuando, propondo e acompanhando há pelo menos 15 anos dentro da estrutura do Dosol. Ano após ano, sempre na quarta de cinzas faço um texto como esse pra gente debater nossa maior festa popular.
E por que digo isso logo de cara? Porque o carnaval estava (e ainda pode estar) virando uma coisa maior dentro da cidade, atingindo todas as classes sociais e de certo modo, atendendo os anseios das mais diferentes correntes de pensamento. Blocos pela festa, blocos da elite, movimentos afro, blocos políticos, blocos, blocos e mais blocos. O tal do carnaval para tudo e todos ou carnaval da diversidade. Levando a cidade e seus foliões para patamares POPULARES nunca vistos antes na festa de momo. E o carnaval diz muito sobre nossa comunidade, sobre como a cidade pode pertencer aos seus viventes. É um recorte da própria vida.
A gente precisa ir lá atrás para entender esse movimento. Cidades como Natal, João Pessoa e Maceió sempre ficaram reféns dos incríveis e tradicionais carnavais de Recife, Olinda e Salvador (só pra citar alguns). No RN o fluxo também rumava os foliões para as praias e destinos como Pirangi, Caicó e Macau. Num resumo básico dava pra dizer que o carnaval de Natal era DESMOTIVANTE para quem queria festa.
Esse movimento começou a mudar por volta de 2010 e a mudança não foi só aqui. Carnavais regionais ganharam força em cidades como Fortaleza, São Paulo e Belo Horizonte (polos que tradicionalmente exportavam foliões). Natal entrou nesse rebranding com o fortalecimento de Blocos tradicionais como As Kengas no Centro histórico, ressurgimento da Redinha como pólo forte e Ponta Negra sendo ocupada por blocos como o Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens e Suvaco do Careca só para citar alguns. O Dosol já tentava uma política de diversidade fazendo algumas edições da Chamada Carnavalesca do Rock e Circuito Cultural Ribeira de carnaval sempre às terças de folia. Tudo isso começou a crescer e virar tradição. E quando há capital social envolvido, governos chegam junto, uma praxe da atuação política e está tudo certo e é como deve ser.
Esse movimento foi se consolidando por mais um tempo e em 2015 já dava para dizer que Natal tinha carnaval novamente. Nas ruas a ânsia pela festança nos vizinhos foi diminuindo, quem passava os dias de folia fora, começou a cogitar ficar ou voltar antes para ver parte da programação na cidade. A monocultura carnavalesca do axé tinha arrefecido, abrindo espaço popular pra diversidade. Muitos atores do Carnatal, micareta potente da cidade, fundaram blocos importantes aproveitando o fluxo e ajudando a impulsionar essa retomada. Vieram Kd Xoxó, Se Parar eu Caio, APonta e mais duas dezenas de atividades parecidas. A juventude e a turma alternativa colou junto na empreitada. Apareceram ações como o Bloco da Greiosa, Bloquíssimo, Patuscada, Acorda Clubber, Vermelho É a Cor Mais Quente, Carnarap e Transfolia, entre outros. 2020, foi na minha opinião o ano auge da retomada do carnaval de Natal e grande Natal.
Pra gente fazer uma comparação básica do que rolou naquele ano no poder público com o que rolou nesse ano de 2025, fica muito claro o quanto andou pra trás o carnaval da cidade, sobretudo e principalmente no viés CULTURAL. Se tínhamos para além dos artistas onipresentes e populares no carnaval de Natal como Ricardo Chaves, Grafith, Cavaleiros, Saia Rodada e Serginho Pimenta (todos escalados pro carnaval desde ano também), 2020 também recebeu gente como Carlinhos Brown, Margareth Menezes, Duda Beat, Antônio Nóbrega, IZA, Monobloco, Gloria Groove, Daúde e Mestre Forró. Uma diferença curatorial e de diversidade gritante.
Naquele ano, os artistas locais tiveram um chamamento público para ocupar os palcos do carnaval. Para além de convites diretos tinha como qualquer um ir lá e se inscrever para tocar, ser avaliado e selecionado. Com a diversidade de bons artistas, nas mais variadas áreas, forçava a prefeitura a criar ambientes para receber essa diversidade E A CIDADE GANHA COM ISSO. Mais gente sai de casa para ver a programação, mais gente cogita não sair da cidade se a programação é atraente. Um ciclo.
Perdemos tudo isso.
Aqui pelo Dosol perdemos o palco do Bloco da Greiosa durante o carnaval (via iniciativa nossa as prévias se mantiveram e foram ótimas), um lugar que fazia um encontro interessante da cena potiguar com a cultura do resto do Brasil. Sempre LOTADO de público (e de diversidade). Passaram por lá gente como Nação Zamberacatu, Dusouto, Skarimbó, Dani Cruz, Orquestra Contemporânea de Olinda, Academia da Berlinda, Attooxxa, Duda Beat e Chico César só pra citar alguns nomes.
A nova Secretária de Cultura do Município, Iracy Azevedo, é uma das maiores produtoras de eventos da história de Natal. Ela anunciou de cara um compreensível recuo estratégico no tamanho do carnaval deste ano pelo lado financeiro. Isso importa sim. Existem dívidas do carnaval do ano passado ainda não pagas. Irresponsabilidade da gestão que estava. Mas a visão muito mais de evento e menos pelo prisma entretenimento/cultural com que foi encarado o lineup e a condução do carnaval 2025 preocupa.
É preciso mais conversas com a comunidade cultural para entender o que TODA a cidade pede. A festa popular cobra isso e pro carnaval ser grande DE VERDADE, mesmo com orçamento reduzido, não dá para abrir mão de uma visão plural da nossa cidade (e de quem vive nela).
CARNAVAL É MUITO SOBRE CULTURA, FEITO PELA SECRETARIA DE CULTURA. Isso precisa tá na frente de tudo.
Os artistas mais diversos precisam estar na programação, junto com os artistas populares (é nesse equilíbrio que vivem todos os grandes carnavais do Brasil: Olinda, Recife, Rio, Salvador e afins). Não fosse pela insistência pessoal dos produtores atuantes no Polo do Centro Histórico, teríamos uma diversidade ainda mais comprometida. Um fato, mas também um indicativo de como as coisas podem ser feitas nos próximos anos.
Empilhar artistas populares sem se preocupar com o todo, sem uma construção de fluxo de pessoas pela cidade, sem dividir interesse da população para que não super lote um o outro palco também é relevante nessa conversa. O show de terça de carnaval do Henry Freitas em Ponta Negra de bonito só teve a foto super lotada do público, mas poderia ter terminado muito mal. Um artista popular como ele não poderia ocupar o palco de Ponta Negra, por exemplo. Espaço pequeno, demanda gigante. Uma mistura explosiva.
Como acertos dessa edição, para além da presença massiva do público em praticamente todos os palcos (fruto de uma construção sólida do que se tornou o carnaval de Natal) vou citar a Avenida da Alegria. Localização estratégica, segura, ampla, via em ótimas condições, sem fios elétricos transformando a passagem dos trios segura, ótimos artistas pro perfil da ação e num horário alternativo aos palcos principais. Deu mais opção de diversão logo cedo para a população. Como positivo também os horários dos palcos principais começando mais cedo, aumentando o número de slots para artistas e mantendo a folia acesa do começo da tarde até a madrugada.
O Carnaval CULTURAL de Natal desfilou de ré em 2025 e já estou na torcida (e à disposição) para que ele volte a andar pra frente em 2026. Com mais investimentos, mais cultura e diversidade e com uma chamada pública poderosa para que os artistas de Natal tenham espaço real, diverso e valorizado dentro da folia de momo. Um ajuste possível e justo para que a festa continue crescendo.
Veremos.
Foto do post: Orquestra Greiosa no Bloco das Kengas 2025 por Mylena Sousa.