Resenhas

RESENHA DE DVD: DAVID GILMOUR – LIVE IN GDANSK

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Por Marcos Bragatto

Os mais novos talvez não saibam que o fim do regime socialista no Leste Europeu começou num porto de uma cidade polonesa chamada Gdanski, onde um sindicato liderado por um eletricista de nome Lech Walesa liderou as ações trabalhistas até chegar à presidência da República. Qualquer semelhança com o Lula e o ABC Paulista não é mera coincidência. Nos anos oitenta, o logotipo do Sindicato Solidariedade (Solidarnosc, em polonês) virou até motivo de consumo pop classemediano. Pois foi justamente no tal porto que o eterno ex-Pink Floyd David Gilmour se apresentou, em 2006, no vigésimo sexto aniversário do sindicato, e gravou esse DVD/CD duplo ao vivo, junto com a Orquestra Sinfônica Filarmônica do Báltico.

No Brasil o material aparece nas prateleiras em dois formatos: um só com o CD duplo e outro com o DVD como terceiro disquinho – lá fora CD e DVD são idênticos, e ainda há uma caixa com um terceiro CD, com músicas em versões de outras apresentações durante a mesma turnê. Assim, por aqui periga a opção só de áudio ser a mais interessante. Não que o vídeo não valha a pena – muito ao contrário -, mas o repertório do CD é sete músicas maior, sendo que, entre elas, seis são clássicos do Pink Floyd que jamais poderiam ter ficado de fora do vídeo, prejudicando a íntegra e a seqüência do espetáculo, já que não se sabe, a julgar pelas imagens, que música vem antes da outra. Ademais, onde já se viu um DVD durar menos que um CD?

O ano de 2006 marcou o lançamento do álbum “On A Island”, de Gilmour, que é executado na íntegra no início do vídeo, já que “Speak to Me”, “Breath”, a exuberante “Time” e “Breath (Reprise)”, foram limadas. Como o repertório é bem lento o espetáculo torna-se muito mais contemplativo, com a orquestra, do que agitado, como num show do rock. Além do palco enorme, com seis telões gigantescos sobre ele, que exibem imagens individualizadas dos integrantes, realça o fantástico jeito de tocar guitarra de Gilmour, que usa e abusa, às vezes com a ajuda de Phil Manzanera (aquele mesmo do Roxy Music) da guitarra steel, instrumentos cujas cordas ficam presas em uma mesa e são tocadas com um dedal de metal. É assim nas ótimas “Then I Close My Eyes”, quase atrapalhada por um saxofone, “Smile”, e em “High Hopes”, da fase do Pink Floyd sem Roger Waters.

Inevitável, então, a comparação entre as apresentações solo dos dois que um dia lideraram o Pink Floyd. Gilmour não tem a inquietude política de Waters – embora “A Great Day Of Freedom”, inspirada nos conflitos da Europa Oriental, tenha virado música-símbolo da apresentação -, mas é o guitarrista, e isso lhe confere maior autoridade ao tocar as músicas do PF, sobretudo com a presença do tecladista Richard Wright, num de seus últimos registros em vídeo, já que faleceu esse ano. Wright canta na brilhante “Comfortably Numb” e é peça indispensável nos 25 minutos de duração de “Echoes”, garantindo – de longe – o melhor momento do vídeo. Waters, de seu lado, parece cantar com mais autoridade as paranóias que escreveu. Diferenças que reforçam a necessidade de juntar os dois, assunto, aliás, evitado por Gilmour numa coletiva que aparece no “Gdansk Documentary”, onde o guitarrista e a mulher são recebidos por Walesa.

Se a abertura política propiciou, entre outras liberdades, a de ter um espetáculo desses na Polônia, coisa rara nos tempos da Cortina de Ferro, de outro lado os sindicalistas temem perder o local onde funciona o porto (e onde aconteceu o show) para a especulação imobiliária. Prova irrefutável de que, se o socialismo não deu certo, tampouco o capitalismo é bem sucedido.

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2 Comments

  1. Live In Gdansk é o registro definitivo de David Gilmour. Não que os outros discos ao vivo de Gilmour/Pink Floyd-era DG não sejam excelentes, muito pelo contrário, mas a tecnologia utilizada na gravação deste disco faz a alegria de qualquer audiófilo fã do Pink Floyd literalmente chorar de emoção. É até difícil destacar alguma faixa deste álbum tamanha a coesão e acerto na escolha das músicas e arranjos. Simplesmente imperdível. Obviamente que Echoes, Confortably Numb e Wish You Were Here são absolutamente arrebatadoras mas vale também uma menção honrosa a Fat Old Sun (faixa do album da vaca – Atom Heart Mother) e High Hopes de Division Bell. Echoes inclusive serve como epitáfio do esplêndido Rick Wright, um dos caras mais gente fina da história do rock. Mesmo a reprodução na íntegra do ultimo álbum de Gilmour – On An Island – é uma bola dentro porque as músicas ganharam muito em relação as versões originais. É como eu já disse: imperdível!

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