Maria Scombona
“Mais de um Nós” (Independente)
por Jesuino Oliveira
O sergipano Henrique Teles é uma pessoa interessante, uma especie de “brincante” que encontramos na literatura nordestina, como nos livros de cordel ou em qualquer outra literatura cheia de magia que povoam nossas estantes. Circense, teatral, polivalente, imagem e som em arte. Com uma óbvia regionalidade nordestina, mas essencialmente moderno e cosmopolita. Da sua postura e vida artistica se fez um excelente compositor, tendo como resultado o Maria Scombona (que no linguajar sergipano significa “pirueta”, “cambalhota”).
Nós já vimos essa história antes, não se trata da originalidade, mas de um contexto marcante chamado personalidade. Nascido e criado numa familia de artistas e músicos, sua vida não poderia seguir outro curso. São quase vinte anos moldando essa manifestação sonora alicerçada de dois pontos: o universalismo de suas influencias e seu lirismo personal. Nessa formação é explicito as influencias de pioneiros compositores nordestinos como Alceu Valença, Ednardo e Zé Ramalho; o folclore de artistas populares e a cosmofagia do estrangeiro de carater rock.
Entretanto o verbo não se faz sem corpo. Teles é completo quando definiu a formação ideal do Maria Scombona – enxuta, agil e expansiva – com o excelente baterista Rafael Junior (também da banda Snooze), o estilo jazzy e rock do guitarrista Saulo Ferreira e a eficiência preciosa do baixista Robson; além de agregar outras feras locais nesse seu segundo trabalho “Mais de um Nós” – incluindo o destaque da participação de Silvio, vocalista da lenda punk aracajuense Karne Kura, na faixa-interativa acustica-blues-embolada “A Saga”.
Cada faixa de “Mais um de Nós”, mais recente disco com 11 músicas e uma faixa interativa, destrincha seus microcosmos, seja enveredando pela música negra (rock, blues e soul music), seja pela a naturalidade nordestina (sotaque, costumes, lirismo) e a brasilidade impregnada de modernidade mpbistica. É um disco pop porque transita muito bem sobre cada nicho com propriedade, por mais perigoso que a colocação possa ser. E sutilmente conceitual: em cada musica/letra tá embutido suas reflexões sobre quem ele é, de onde veio e como vê o mundo, bem confessional.
Basta prestar atenção na abertura com “A reporter”, onde fala com humor e sarcasmo sobre a indiferença de ser nordestino; ou no espirito universal quando diz “Eu não quero parecer com voce/ Eu não quero parecer com ninguém/Eu quero olhar no meu espelho/E ver que tem uma cara pra se ver” sentenciado no pêso de “Cara de Coco”. Talvez Teles e sua Maria Scombona tenha adiquirido a madureza que tanto se cobra de compositores multiplos como ele, nesse expediente, basta verificar em faixas como o folk-nordestino-setentista “Contemplário 79”, a melhor faixa do disco; ou de um estilizado tango em “Retos versos” ou enveredando pela tradicionalismo MPB com sotaque nordestino no balanço de “Trança” e no funky-jazzy “Pra não desvairar”.
Num registro fonográfico de uma banda, geralmente somos educados a ouvir destaques por partes ou seções, a performance de um instrumentista ou a exagerada idiossincrasia do letrista ou o carismático vocalista, etc.; o que a acontece nesse álbum é a certeza singela da audição de um trabalho unificado no bem preciso do equilibrio entre letras, melodias, harmonias e destacados arranjos, quase como uma formula perfeita de se fazer som.
Ousaria compara-los como se fossem uma versão tupiniquim e mais humilde do lendário grupo canadense The Band. Em suma, aqui temos um disco bem produzido, com quarenta minutos de duração num pack gráfico de primeira, feito para ser apreciado calmamente em tempos de urgência. E ainda, democraticamente, pode ser baixado na integra no site da banda!
Maria Scombona: www.mariascombona.com.br