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REPORTAGEM: E SE PATROCINAREM O CONSUMO?

João Marcelo, da Trama: “Tivemos sucesso com o Álbum Virtual”. Foto de Rogério Alonso

Por Bruno Nogueira

Gravar, reproduzir e distribuir: o problema que as gravadoras e editoras conseguiam resolver até metade da década de 90, já deixou de ser um problema. Enquanto uma considerável parcela dos artistas brasileiros ainda estão atrás de subsídios para dar conta dessa primeira etapa do processo, a gravadora Trama comemora dois anos de um formato diferente, que aposta exatamente no patrocínio pelo consumo. O Álbum Virtual, como é chamado, tem o slogan “de graça para você, remunerado para o artista”.

Sócio fundador e atual presidente da gravadora, João Marcelo Boscolli tem sempre cuidado de responder, ao longo da entrevista, “nada contra patrocínio público”. “Fácil não é”, avalia João, que vem de uma linhagem de músicos que desenha a própria música popular brasileira – seus pais, Ronaldo Boscolli e Elis Regina, dispensam apresentações assim como a irmã, Maria Rita – “mas se você considerar que [em um ano] o mercado lançou declarados 64 álbuns, nos estamos lançando 14”.

É um modelo que está bem longe de ser inédito, como admite o próprio Boscolli. “Nada mudou desde 1928, data de lançamento do primeiro programa de jazz apresentado coast to coast nos Estados Unidos, que era patrocinado pela Nabisco”, lembra o músico. “As pessoas ouviram de graça, patrocinados por uma marca, que olham sempre audiência e envolvimento emocional das pessoas com música”. Com essa proposta, a Trama já conseguiu aproximar empresas como Volkswagen, Audi e Brandili. A última, no ramo de tecelagem, aproveitou o patrocínio para lançar uma linha de camisas de artistas novos, a Xtreme Days.

A mecânica do Álbum Virtual começou com um sistema que a gravadora lançou no site Trama Virtual chamado de “Download Remunerado”. Nele, qualquer artista que se cadastrar no site pode participar de um esquema parecido com os royalties. Supondo que o valor reunido dos patrocínios cheguem a R$ 10 mil em um mês que o site registre 100 mil downloads, cada artista receberia R$ 0,10 por download. Parece pouco a princípio, mas através de campanhas e marketing direcionado, bandas como o Dance of Days (SP), já chegou a faturar R$ 2 mil por mês no site.

“É uma das propostas mais interessantes entre as formas de se distribuir música”, comenta o produtor Fabrício Ofuji, da banda Móveis Coloniais de Acaju, que teve o disco “C_mpl_et_” lançado no formato. “Desde 2003 que o Móveis disponibiliza MP3 grauita no site, então a parceria com a Trama foi algo natural para nós”. A banda bancou uma parte da gravação do disco, que teve produção de Carlos Eduardo Miranda.

“Hoje, com mais de 500 mil músicas baixadas, acho que tivemos êxito com o Álbum Virtual”, completa o produtor, lembrando que o disco ainda foi lançado em formato físico depois. A banda usou o patrocínio para financiar versões diferenciadas do disco, como um formato digipack, que é vendido nas lojas e shows. “Acho importante essa flexibilidade”, comenta Ofuji, “é um projeto da Trama, mas pode ser usado como plataforma por outros artistas, como foi com o Macaco Bong e o Autoramas”.

“Mas é tudo muito específico de um nicho”, explica o analista de mídias sociais Luiz Rangel. “Apesar de ser um modelo com resultados positivos, seria difícil ter esses números com artistas que tem pouca relação com a internet, como um medalhão da MPB ou um forrozeiro pé-de-serra”, comenta. Rangel lembra o fato de que um grupo como o Dance of Days, e o emocore, gênero que está inserido, nasceu e existe basicamente na internet.

O Álbum Virtual opera nesse espaço, trabalhando imagens de artistas com imagens de marcas maiores. Entre os lançamentos, além de bandas que estão em sintônia com a web, como Cansei de Ser Sexy e Móveis Coloniais de Acaju, estão artistas como Ed Motta e Tom Zé. “Outros selos e gravadoras, como a Warner, estão nos apoiando e em breve iniciaremos outros lançamentos”, defende Boscolli, com a promessa de que “serão centenas”.

Em termos práticos, comparado com um programa de patrocínio como o da Petrobras, que ano passado destinou R$ 1,3 milhões para gravação de discos, os valores trabalhados pelo projeto da Trama não são tão diferente. “Temos no nosso plano operacional a meta de faturar R$ 900 mil até o final do ano”, revela Bôscolli. A ação, apesar de operar em fase de testes por dois anos, só entra em atividade comercial de fato a partir de agora, após a abertura do modelo ao público.

“Ser de nicho não é exatamente uma crítica”, complementa o analista Luiz Rangel. “O que aconteceu aqui é que uma gravadora entendeu como seu público específico funciona e encontrou uma maneira de trabalhar com ele”, complementa, com a provocação de que “o modelo pode não funcionar para outras gravadoras, mas caba a cada uma delas pensar em seu formato”.

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