AQUI: NATAL TAMBÉM FOI RRRRROCK!
E como! No último finde, a capital do Rio Grande Do Norte sediou a segunda edição do Festival DoSol, produzido pelo músico e colunista da Dynamite Anderson Foca. Foram três noites de guitarras em brasa, todas devidamente e muito bem acompanhadas pelo enviado especial André Pomba, cujos textos sobre o evento podem ser acessados na página de notícias aqui do site.
E como é a cena rocker de Natal, afinal? Uma da mais movimentadas do Brasil hoje, sem dúvida alguma. Tão movimentada que a coluna pediu ao jornalista potiguar Rodrigo Levino fizesse uma ampla radiografia do rock que rola por lá. Leia abaixo e confira:
NATAL – A CARA DO ROCK
(Por Rodrigo Levino)
Há quem diga que Natal é uma cidade sem rosto. Sem traços culturais fortes como Recife e seu maracatu, Salvador e sua cultura afro-brasileira mística e rica em ritmos e ritos. Pode ser. Não é de todo falsa a afirmação, e há fatores históricos que expliquem essa condição. Natal tem na sua história um leque de invasões estrangeiras que de certa forma foram apagando as marcas mais fortes da tradição – e aí se inclui a música – com raiz local. A principal delas foi a dos americanos, durante a II Guerra Mundial.
Por aqui passaram mais de 25 mil soldados na maior base militar americana fora dos EUA. E claro, além das coisas relacionadas à guerra, eles trouxeram na bagagem coisas curiosas como a primeira coca-cola bebida em solo brasileiro. E não foi só: trouxeram o blues, o jazz, o bibop, o country que eram ouvidos nas radiolas de ficha dos cabarés da Ribeira.
Coincidentemente, cinqüenta anos depois, é nesta mesma Ribeira onde Natal começa a ter um rosto, dos muitos que uma cidade pode tomar para si: Natal tem a cara do rock. Mas isso não nasceu ontem. Uma longa história que começou no início da década de noventa, parece ter chegado ao seu projeto final depois de tantos esboços. Final não no sentido de definitivo, e sim, de um degrau vencido no caminho de sempre evolução do rock.
A abertura cultural que Natal sempre teve, era demonstrada em execuções por exemplo, de bandas como Happy Mondays e Smiths, nas rádios locais. Coisa que aos poucos foi sendo substituído pela praga do Axé Music e pelo forro eletrônico cearense.
Por causa disso, os canais – numa época sem internet – começaram a se movimentar no underground, na troca de fitas K-7, discos, revistas e zines, o que de certa forma deixava uma parcela significativa de quem mexia com rock, informada sobre tudo o que rolava lá fora, do grunge ao início do britpop.
Quando procuramos os principais personagens envolvidos com a cena rock da década passada, um nome é sagrado: General Lee (depois General Junkie). Não há dúvidas que foi até hoje, a maior banda de rock de Natal. A prova encontramos não apenas nos relatos instigantes, mas em algumas barreiras rompidas pelo grupo, que por exemplo, foi o primeiro potiguar escalado para tocar no Abril Pro Rock, um festival que na real, nunca deu muita bola para o vizinho aqui.
Segundo Pablo Capistrano, rocker e multimídia da época, o primeiro grande evento da geração 90 foi o Circo do Rock. Alem do General Junkie, as bandas Ferrovia do Ácido, Movement, Florbela Espanca, Velvet Blues, Jus Cause, Modus Vivendi, Os Quatro começaram a organizar shows em espaços alternativos na época, atraindo um público fiel e variado, que não se prendia apenas à música. Daí saíram poetas como Carito (que hoje comanda o projeto Poetas Elétricos com Edu Gómez, ex-Modus Vivendi), e muitos outros artistas marginais.
A falta de lugar para tocar não era problema, o difícil mesmo era manter o ponto. Bares como Bali, na praia de Ponta Negra não conseguiram se firmar devido ao intenso envolvimento dos donos desses locais com o mundo rock, o que inclui doideiras deveras interessantes e perigosas. No fim das contas, tudo acabava numa jam session para secar as garrafas de mais um bar que falia, sem nunca claro, perder o espírito. Assim como General mantém até hoje sua aura intocada – mesmo depois do fim da banda-, nenhum lugar é tão incensado quanto o El Chaco. O nome diz mais ou menos tudo do que era o lugar. Lá as principais e novas bandas da cidade tocavam toda semana, com noites regadas a punk rock, stoner e pós punk, tudo made in Natal, como o Modus Vivendi por exemplo.
Paralelo ao El Chaco, o Chernobyl fazia as honras de casa alternativa, mas alternativa mesmo, e assim com o anterior, fazendo jus ao nome bem sugestivo. Esses bares cruzaram sua história tanto na década de oitenta, como na de noventa, deixando um legado impagável na música local. Além das bandas locais, os seus proprietários e freqüentadores garimpavam tudo que acontecia lá fora e deixava tudo assim, como se fosse em casa. O Bar do Buraco encaixava-se na mesma proposta, com shows um pouco maiores com bandas de fora, fazendo sempre um intercâmbio interessante.
Poucas bandas conseguiram romper a barreira das rádios dominadas pelo lixo. Uma delas foi o Alfândega, que chegou a tocar bem nas rádios locais mesmo que por pouco tempo. Uma coisa curiosa era a cena punk, que chegou a unir membros tanto do RN quanto da Paraíba, na banda Descarga Violenta. A banda até lançou um compacto – raridade de sebos hoje em dia – e figurou nalgumas coletâneas européias.
Mas foi na metade da década de noventa que a coisa tomou outro rumo: o da profissionalização. Dois marcos iniciais dão conta disso: a abertura do Bar Blackout e o Selo Solaris, de 1995 e 1996 respectivamente. O Blackout iniciou a pretensa revitalização da Ribeira, o bairro histórico onde os americanos ouviam jazz.
A partir daí, as antigas bandas dividiam espaços com novos projetos como o Ravengar (ex Jam 97), Terrorzone, Mula Mad e o AR-15, além de outros produtores investirem em novos pontos de show, bares, como o Bronx, o Casarão da Ribeira (palco de shows antológicos na cidade como Raimundos e Planet Hemp ainda engatinhando), Bimbos, A Lata e o Bronx. A profissionalização da cena atraiu a atenção da MTV, que em 97 gravou com bandas locais um especial para o programa Território Nacional. Os velhos nomes ainda na ativa como o General Junkie apresentavam novos grupos, como o Ravengar, que chegou a excursionar por São Paulo em shows bem elogiados na época um ano depois.
Enquanto isso o Solaris, o primeiro selo musical da cidade, tomava conta dos discos, fitas e CD-Rs, garantindo o registro das bandas da época como o Zaratustra, produzidas por figuras experientes como Alexandre “Solaris” e Vlamir Cruz, por exemplo, que mais tarde fundaria o Mudernage Diskos.
Bandas locais, talvez impulsionadas pelo Mangue Bit começavam a misturar elementos regionais com riffs pesados e distorcidos. Aí nasceram Cleudo e os Bambelocos, Brebôte e um pouco mais adiante e já colhendo os frutos dos festivais, o Embolafunk, que fez shows em festivais culturais na Europa.
O segundo marco na história do rock na cidade deu-se em três pontas: a consolidação do Blackout como o melhor reduto para antigas e novas bandas que explodiam em modismos como o pop rock (Offcina, Boca de Sino, Inácio Toca Trumpete) e até o blues (anote-se Mad Dogs Blues, GRM Blues, Bourbon 33); as primeiras edições do Festival Música Alimento da Alma (MADA) produzido por Jomardo Jomas e os eventos promovidos por Anderson Foca com o apoio da FM Tropical, que mais tarde tomariam corpo no selo DoSol.
A primeira edição do MADA nem de longe sonhava em reunir 10 mil pessoas num só dia, como o que aconteceu em maio último. O foco do evento era disperso e contou com um set list variado na sua primeira edição, incluindo pagode, samba, mpb e rock, além de ter catapultado para o Brasil a banda de reggae Alphorria, que do MADA partiu para uma excursão no sul maravilha à convite do Cidade Negra.
A partir da segunda edição o MADA foi direcionando m
elhor a programação, focando em atrações independentes e mais, colocando Natal na rota de shows nacionais de médio porte. Foi no MADA que o Memoria ROM, que voltou este ano depois de quase quatro fora de atividade, fez sua primeira apresentação e sagrou-se como uma das mais importantes do rock natalense.
Noutra ponta, Anderson Foca começou a promover eventos como o Festival Pop Rock Tropical, revelando grupos novos sempre dentro do rock, seja no hard core ou no regionalismo distorcido, como o que aconteceu na terceira edição do festival quando o SeuZé sagrou-se campeão do mesmo. O prêmio do Pop Rock Tropical era perseguido por bandas da cidade inteira: a gravação de um disco, tudo pago pela produção do evento. A banda Offcina deu início aos trabalhos que duraram quase dez anos, segurando a onda das bandas covers por um bom tempo, até lançar seu primeiro disco autoral, já pelo Selo DoSol, um filho da Solaris Discos, com uma proposta mais ampla e sob o comando de Foca.
Entre o fim da década de noventa e o início dos anos 2000, o MADA tomou caminho dos grandes festivais, revelando e dando oportunidade não apenas às bandas potiguares, como de todo o Brasil, escalando bandas já de grande porte para encerrar as noites.
E como o MADA não durava o ano inteiro, outros projetos foram preenchendo o vácuo como o Rádio Alternativa, um projeto bacana liderado por uma das principais bandas do início da nova década: o Brigitte Beréu. Foi o regionalismo rock que deu certo, ao menos enquanto durou, liderando não apenas bons shows, como um protesto às claras contra a OMB, puxando novos diálogos e intercâmbio mais apurado com bandas não potiguares.
Pouco tempo depois do DoSol, em 2002, surgia a Mudernage Diskos, sob a cartilha de Vlamir Cruz, que já movimentava a cena alternativa rock na cidade desde meados da década de oitenta. A profissionalização era um caminho sem volta. Os novos selos, o crescimento do MADA, a consolidação do Blackout e dos eventos promovidos pela DoSol Produções começavam a expor uma cena mais organizada e não apenas cheia de romantismo, mas com muito pragmatismo na cabeça.
Nos últimos quatro anos aconteceu um “boom”. Novas bandas com propostas musicais mais maduras foram marcando seu espaço, amparadas pelos selos e as poucas casas de show que restaram, já que muitas fracassaram junto com a tentativa de revitalizar a Ribeira que não deu certo por falta de apoio do poder público dente outros motivos.
O Blackout deu adeus à noite natalense, deixando uma lacuna preenchida em parte pelo DoSol Rock Bar, um braço do Selo DoSol que concretizou muitos projetos que até então não encontravam onde tocar na cidade. Do outro lado, a Mudernage, A Geladeira e o Solaris continuam seus trabalhos lançando novos discos elogiados em todo o país não apenas pela qualidade técnica, como pela sonoridade das bandas.
Em 2005 o DoSol promoveu seu segundo festival, agora ocupando o lugar deixado pelo MADA na Rua Chile, a principal via da Ribeira, o bairro histórico que testemunhou boa parte da história do rock potiguar. O MADA pelo tamanho que adquiriu, já não cabia no largo da rua, e tomou rumo da Via Costeira.
Bugs, Os Bonnies, SeuZé, Jane Fonda, Allface, Expose Your Hate, Experiência Ápyus, Automatics (a banda carro-chefe da Solaris Discos que lançou um disco triplo!), Montgomery, DuSouto (formado por ex-integrantes do General Junkie), Pots, A Máquina, A Válvula, Parole, Darma, Arquivo, Calibre, formam com muitas outras bandas uma nova cena do rock potiguar. O foco não é mais disperso, há bom material técnico, ótimos estúdios como o Megafone, disponíveis para lançamentos de ótima qualidade.
Os frutos de tantas loucuras, bares fechados, amadorismo romântico e novos projetos, estão sendo colhidos agora e não têm previsão de fim de colheita. O MADA reuniu em 2006 um público histórico, o Festival DoSol teve uma primeira edição bem mais vitoriosa que a primeira edição do MADA. A Mudernage ganhou as resenhas nacionais com grandes lançamentos nos últimos dois anos de bandas como o Bugs, Jane Fonda e Os Bonnies.
Hoje é possível ouvir bandas locais nas rádios da cidade, os festivais conseguem com, cada um com seu foco, caminhar paralelamente lançando novos trabalhos e garantindo repercussão em todo o país. Bons os tempos em que os donos dos bares onde as bandas tocavam enchiam a cara junto com o público e acabavam amargando um grande prejuízo, mesmo que rodeado de poemas. No entanto, a cena agora é outra, e já pode dar a Natal, o rosto cultural que ela perdeu um dia. Rock é cultura. Natal é a cara do rock.
Na próxima semana será a vez de Cuiabá tremer sob o peso das guitarras na edição deste ano do também já consagrado e enooorme festival Calango. Neste sim a coluna estará presente, ao vivo e à cores (kkk), para acompanhar de perto e contar tudo por aqui em relatos diários, que depois serão reproduzidos novamente na coluna. E além disso, também na próxima semana a cena rocker de Cuiabá ganha sua radiografia completa em Zap’n’roll, se nada der errado e se o nosso “sossegado” querido amigo Pablo Capilé (o homem que comanda a produção do Calango) colaborar. Aguardem!