Por Bruno Nogueira – (popup)
Ouvir as músicas e as histórias sobre a vida de Siba serve de combustível suficiente para a imaginação se apoiar em vários estereótipos, enquanto a mente se diverte formulando como deve ser a imagem desse recifense que decidiu morar na Zona da Mata Norte para extrair sua música direta da fonte. Na verdade, ele se confunde fácil na multidão. Mesmo naquela concentrada na livraria Cultura, onde ele passeia de boné verde, bolsa, camisa de botão e tênis. Toma café e atende com sorrisos aqueles que o reconhecem, enquanto pesquisa os livros expostos.
Siba Veloso, um dos criadores do Mestre Ambrósio, desfruta de uma certa tranqüilidade que é almejada por muitos músicos. “Toda vez que dou um passo, o mundo sai de lugar”, seu segundo disco solo, já na primeira semana de lançamento teve respostas de todos os principais jornais do Brasil. Todos na primeira página do caderno de cultura, alguns destacando que aquele era o grande lançamento do ano de 2007. “Minha vitória”, reflete o músico, “é o nível de diálogo e questionamento que consegui atingir dessa vez com a imprensa. Antes tinha aquela busca do velho contra o novo, elétrico contra acústico, estereótipos superficiais, e o tom da minha conversa com eles agora é de questionamento justamente disso”.
Entender sua música é conhecer um pouco de sua história. Assim com hoje sua imagem se mistura na multidão, na adolescência Siba poderia ser confundido com qualquer garoto comum. “Não sei dizer muito bem como, mas aos 15 anos comecei a me interessar por rock. Sempre ouvia muita música em casa, do Quinteto Violado a Alceu Valença, MPB em geral, até discoteca dos anos 70. Tinha ainda meu pai que gostava muito de cantoria de viola, sempre tive essas referências sem conflito”, lembra, “mas ai me envolvi com o rock. Tocava guitarra, ouvia Led Zeppelin, Black Sabbath, tive várias bandinhas de garagem que nunca se apresentaram”.
O começo com a música veio bem mais cedo, quando a mãe o matriculou na escola de música do Colégio São Bento. “Mas era coisa de criança, durou uns sete anos”, explica Siba, “foi involuntário, mas me dei super bem”. Ouvindo Jimmi Hendrix por dois anos, ele aprendeu a procurar novas referencias sonoras. “Até os 20 anos nunca tinha ouvido jazz, mas ele me abriu muito a percepção. Passei a ouvir reggae, música pop africana e isso foi muito importante para mim, porque era uma música tradicional se renovando, com referencias do rock e da música cubana”, conta.
Aos poucos, Siba encabeça o modelo ideal de identidade de um modernismo tardio, estudado por Stuart Hall na fundação de seus estudos culturais. Nesse caso, sua identidade cultural não é centrada na localidade, mas em sua mobilidade por várias camadas de produção estética. Siba absorve, para depois reproduzir e transformar um ambiente urbano que está em constante movimento. Como um retrato de um cidade que tem, pincelado por cima, uma tela transparente de elementos regionais. E ele move essa tela, reconfigurando o cenário da maneira como acha coerente.
Toda essa negociação acontece de maneira instintiva. “Cheguei na Zona da Mata Norte por acaso, no final da década de 80. Fui acompanhando um pesquisador norte-americano, trabalhei um ano com ele na região, mas quando ele foi embora eu fiquei”, recorda o músico. Do envolvimento, ele absorveu a referencia que usaria em 1992 ao formar a banda Mestre Ambrósio, que teve com principal importância a aproximação de um público completamente jovem ligado a música pop e rock a ritmos realmente regionais, como o forró. Parecido com o que a Nação Zumbi fez com o maracatu, mas de uma maneira menos pop e com ritmos que carregavam muito mais estigmas.
“A gente sabia que estava fazendo parte de algo maior, isso que é chamado de manguebeat, que estava fazendo uma transformação local fortíssima, porque de repente pela primeira vez as pessoas aqui se reconheciam com um som feito no lugar”, lembra Siba. “Era possível fazer algo aqui e partir para fora, estávamos abrindo uma porta que não deveria ser fechada. Quando chegamos em São Paulo, víamos surgir novas bandas como Chão e Chinelo e o Cordel do Fogo Encantado, que só foram possíveis porque o Mestre Ambrósio quebrou aquela barreira”. Mas, antes de soar polêmico, explica, “não é que elas existam por causa do Mestre, mas a gente quebrou um lacre, sabíamos que tinha uma contribuição nossa ali”.
O Mestre Ambrósio começou como um grupo de estudo para os integrantes. “Tocávamos rabeca, baixo, pandeiro, tocávamos cavalo marinho, estudávamos toadas, forrós, depois entrava com gaita, sempre juntando as coisas, meio de improviso”, conta Siba. Uma maneira de reunir tanta informação que era trazida por membros de identidades distintas. “Eu tinha um envolvimento direto com a escola da tradição, Mauricio (Alves, percussionista) vinha de uma família de ubanda e candomblé, Hélder (Vasconcelos) era um cara que pesquisava muito, comprava discos, todos estavam num processo de assimilar”.
Tantas referências construíram duas bandas que, ouvidas de perto, funcionava como duas. Mesmo depois do primeiro disco lançado, o Mestre Ambrósio (o nome vem de um personagem do cavalo marinho, uma variação do bumba meu boi), era elétrico e acústico. “Eu meio que puxei a banda para que fizéssemos uma síntese, esse que seria o grande lance, com o baixo no forró, a guitarra no maracatu”, recorda Siba. O resultado mais ideal disso consegue ser conferido no álbum “Fuá da Casa de Cabral”.
Paralelo a história da banda, que estava com contrato assinado com a multinacional Sony (”nunca encontramos um equilíbrio entre o que eles queriam fazer e nós”, lamenta), Siba continuava envolvido com a Zona da Mata Norte. “Eu tinha uma inquietação de fazer parcerias musicais lá, porque o que eu sempre gostei de cantar mesmo foi maracatu, essa era minha onda mesmo”, lembra o músico. Em 1996, ele passa a avisar a banda que, em um ano, iria até a Mata Norte fazer esse trabalho, “mas que não tinha a ver com terminar o Mestre Ambrósio ou sair dele”, garante.
Passados seis meses, ele decide não voltar. “A banda continuava, as vezes eu até pagava passagem para ir fazer um show, mas outros conflitos levarem o grupo ao fim logo depois”. O Mestre Ambrósio encerrou em seu maior momento. “Aparecemos em todos os programas de TV, com exceção de Xuxa e Faustão, era reconhecido na rua, as pessoas paravam para dizer como nossa música tinha afetado elas. Um assédio constante, mas leve”. Siba chegou a achar que sua carreira não iria tão longe após essa fase.
De volta a estaca zero, ele contava (e cantava) agora com os músicos da Mata Norte, que nunca haviam feito turnê e só tocavam juntos a três meses. “Não sabiam nem o processo da passagem de som antes do show”, recorda. Situação inversa do que acontece hoje, cinco anos depois dessa história. “A Fuloresta (como chama sua banda) poderia ter dado muito errado, gastei toda minha grana que ganhei em São Paulo, mas consegui tecer uma rede legal de parceiros”, e comemora afirmando que “chegamos no ponto máximo que queríamos”.
Assim como o processo criativo de Siba não obedece a regras geográficas, sua circulação também atende processos distintos. A Fuloresta faz poucos shows no Recife, no reflexo de uma cidade de poucos contratantes, mas tem várias apresentações na Europa. “Faz-se um certo exagero sobre isso, porque na verdade, lá o que fazemos é ocupar um espaço específico de mercado. A gente não toca na rádio, não aparece na TV, ninguém sabe quem a gente é na Europa”, explica. “Mas existe um mercado para música do mundo inteiro lá, com vários festivais interligados, chegando até a Rússia, que contam com selos e rádios independentes. Dentro desse circuito sim, temos um trabalho significativo”.
Apesar do pouco anseio pelo universo pop, Siba tem consciência de que sua música se comunica com diferentes representações culturais. “Esse meu trabalho novo tem um som que se tocar no rádio, não vai incomodar ninguém. É uma linguagem que o cortador de cana entende e que um engenheiro entende. Essa é uma busca minha como artista”, se defende, mas admite, “só que nunca vai tocar. Porque esse problema das rádios é um problema muito potencial que ninguém nunca quer tocar”.
Siba trabalha esses conflitos junto a uma necessidade de refinar as políticas culturas de Pernambuco, ao mesmo tempo em que se preocupa em definir os rumos da carreira. “Cada disco é um conceito, estou fazendo um agora só com rabecas [instrumento que quase não aparece no atual trabalho] com Roberto Correia, violeiro de Brasília. Também um trabalho mais elétrico, com uma viola elétrica que adaptei. Tudo como projeto solo mesmo”, adianta.
Matéria publicada originalmente na revista Continente de janeiro de 2008
Sensacionais. Tanto o primeiro disco “Fuloresta do Samba”, como o segundo “Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar”. O primeiro calcado na cultura local, o segundo na mundial. Todo mundo que gosta de misturar para obter algo inovador deveria escutar o segundo. Sensacional.
Cara parabens pelo se blog,mas parabens mesmo! adorei, ja ta aqui no favoritos, e eu acabei de conhecer o siba e a fuloresta pelo seu blog e acabei descubrindo que vai ter show em sp dia 8 e 9 no auditório ibirapuera do lado de casa, vou la certeza
se eu filmar alguma coisa eu te mando !
po cara muito obrigado mesmo
e parabens pelo blog
Osenhor siba : ele e’ um homem realmente bom com musica fiquei impressionado sou musico tenho 15 anos e me chamo;: silas machado e estudo no colegio e curso nossa senhora do carmo Recife UR 1 Ibura ass: silas
Há um tempo conheci as músicas de Mestre Ambrósio, inigualáveis!!! O repertório é fantastico e me apaixonei, às vezes ouço como forma de conhecimento de mim mesma enquanto um ser humano multicultiral; isso leva-me a música Semem…uma busca por si mesmo, por origens. Autêncidade, para mim a palavra que concentra Mestre Abrósio. Agora, Fuloresta, mais surpreendente ainda, a busca já não é una e sim coletiva.
Parabéns a Siba por seu arrojo, por sua ousadia, parabéns pelo blog e por tamanha sensibilidade pela música brasileira.
Um abraço.