Texto originalmente publicado no site da Diginet
“Ele almejava muito mais do que podia alcançar. E naquele dia não encontrou nada de bom, vendeu a sua alma por um aparelho de som. Estava feliz, porque podia escutar Fuzztones, mas ele nem sonhava que o diabo ia lhe enganar. E no outro dia o demo veio lhe pegar, pra onde eles foram não precisavam de duplo pedal, vendeu a sua alma pra escutar fita k7″.
Eis uma época boa, a época das fitas k7, dos discos de vinil, aqueles bichos pretos que funcionavam com uma agulha correndo os sulcos. Não precisa chegar a tanto, vender a alma como o personagem da música da banda Fuzzfaces. Basta ir no Alecrim e comprar uma radiola. Ah, você gosta de mp3, da tecnologia. Eu também gosto. Gosto de sentar na cadeira, entrar na net e mandar buscar “Motherfucker Satanic Of The Gold Islands Of Cerro Corá”. Pode digitar, vai aparecer uma banda de Papua Nova Guiné inspirada nas andanças de Lampião pela região do Seridó. Isso é a tecnologia, a globalização. Eu prefiro buscar banda de Garage.
Eu gosto da tecnologia, gosto das facilidades, mas ainda não inventaram a cerveja virtual, o garçom do Bar do Roberto Carlos virtual, muito menos o caldo de camarão com torradinha virtual. No dia que inventarem tudo isso, estou feito. A tecnologia é boa para descobrir coisa novas, facilitar acesso, baixar custos, diminuir distâncias. Mas e o contato entre os interlocutores (não venha me dizer para usar a webcam) ? E a cerveja quase gelada acompanhada daquele dvd do Tributo a Bob Marley na Cervejaria Continental? Hoje as pessoas estão ficando confinadas se relacionando via msn, orkut e demais facilidades. E a descoberta de um disco novo comprado na finada Aky Discos compartilhada com um amigo? Pois é, antes era assim. Um comprava um disco e chamava outro para escutar, nisso ele sacava do bolso uma fita cassete Basf ou TDK e já gravava o disco. Ia para casa feliz da vida escutar sua fita. Hoje ainda tem quem grave discos de vinil, geralmente compactos, e ainda tem quem grave e lance material novo em fitas k7. Mentira? O Frattelli está querendo lançar. Esses são considerados quase, ou totalmente, loucos.
Muitas bandas sentem tremenda paixão por equipamentos antigos. Vintage. Dizem que proporcionam uma sonoridade diferente, mais sensível, mais crua. É a mesma coisa que dizem os que gostam de vinil em detrimento do mp3, que o som tem mais qualidade. Isso é verdade, já foi comprovado que o mp3 comprime a música de modo que a qualidade cai. E já anunciaram a morte do cd e o surgimento de um novo disco que ganha mais qualidade. Mas como disseram que os discos de vinil tinham acabado e eles teimam em continuar perambulando pelas vitrolas da vida… É esperar para ver.
Acho que todo esse apego pelo passado tem a ver com a aproximação que as coisas antigas traziam, e trazem, às pessoas. As bicicletas levavam as praças, lá tinham quadras, brinquedos, outras crianças, interação, brigas, risos. Hoje temos condomínios fechados, video-games ultramodernos, parquinhos em shopping centers. A música e o vídeo foram banalizados, como a amizade, como a vida. O livro ainda não. Na verdade o livro foi e é um marginal. Tem gente que parece com livro, outras pessoas parecem um pen-drive. Hoje não se vive, se sobrevive. Quase todos estão preocupados em ouvir, não em sentir a música. Será que sempre foi assim? É a nostalgia, dos amigos que chegavam com Camisa de Vênus, Ultraje a Rigor , Mundo Livre S/A, Ratos de Porão, Chico Science e Nação Zumbi, Gangrena Gasosa (uma banda onde os integrantes tocavam vestidos de entidades de Candomblé). Do tempo, não muito distante, em que a FM evangélica era a Transamérica. E que tinha o programa Estúdio Transamérica, com shows sensacionais. Era o tempo de shows nacionais que vinham de seis em seis meses. Tudo se foi. Hoje qualquer banda que surge passa por Natal. Temos dois excelentes festivais de porte nacional, as bandas não lançam mais os discos nas caixinhas, com encartes, agora é virtual. Como sentir um encarte emborrachado como o do segundo CD de Otto (Condom Black)? Entendeu o trocadinho com o nome e com o material do encarte? Não? Em compensação, hoje não precisamos esperar a Bizz chegar as bancas para sabermos as novidades musicais. Também há a possibilidade de ter acesso a discos que nunca acharíamos como o da banda The Makers que faz um garage rock passando pelo Blues, Rockabilly e Psychobilly. Os milhões de blogs espalhados nos proporcionam baixar discos, filmes, nos informar. Em que revista você poderia ler um texto e escutar um disco?
E agora? O que fazer perdido em meio a nostalgia e a evolução inevitável? Convidar os amigos para tomar uma escutando o disco remasterizado com faixas bônus e video-clipe.
…
Gostei do texto!!!!!!
Nada além da realidade em suas diversas faces!!
Uma poesia do Carlos Drummond, que retrata bem a concepção do texto postado pelo Hugo Morais.
ANTIGAMENTE – Carlos Drummond –
“As moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava, dando às de vila-diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.
HAVIA OS QUE tomaram chá em criança, e, ao visitarem família da maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei presente.” Outros, ao cruzarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, ao que o Reverendíssimo correspondia: “Para sempre seja louvado.” E os eruditos, se alguém espirrava — sinal de defluxo — eram impelidos a exortar: “Dominus tecum”. Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso metiam a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam, quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artioso. Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos, umas tetéias.
ANTIGAMENTE, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. Uns raros amarravam cachorro com lingüiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o moleque do tabuleiro, quase sempre um cabrito, não tivesse catinga. Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por ceca e meca, trazia novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Janeiro. Ele vinha dar dois dedos de prosa e deixar de presente ao dono da casa um canivete roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo apear do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais do que velhacos: eram grandessíssimos tratantes.
ACONTECIA o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, asthma os gatos, os homens portavam ceroulas, botinas e capa-de-goma, a casimira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London, não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam.
MAS TUDO ISSO era antigamente, isto é, outrora”
Velhos tempos em que saíamos de casa na sexta a noite levado sempre um k7 sem capa no bolso, encostava perto de um carro de algum amigo, pedia p rolar… Vinho de garrafão, cerveja em lata rígida e pogo no meio da rua! Nas festinhas que invadíamos era a mesma coisa, anoite inteira enchendo o saco pedindo p rolar uma fita. Quando rolava era o delírio. Dead Kennedy’s, The Clash, gang of 4, Stiff little fingers… Pogo até cair!!!
Velhos tempos!
já discotequei usando fitas é mole?
Até hoje ainda gravo fitas K7. A nostalgia me faz viajar ao passado. A gente era feliz e não sabia…
Alem de ter um valor bem acessivel, podia-se gravar e regravar quantas vezes quizesse, ate hoje as uso. Semana passada comprei 15 fitas novinhas no
Uruguai. É uma beleza !