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MARCOS BRAGATTO (RJ): PUNK`S NOT DEAD

Um olhar cuidadoso sobre a história da cultura nos últimos 30 anos deixa claro que o mundo em que vivemos seria definitivamente outro, caso o punk não tivesse acontecido.

Meus amigos, se tem uma herança que o punk deixou para todos nós, é ela a de tomar a iniciativa de fazer o que tem que ser feito nós mesmos. Quando não há nada que nos interesse, façamos nós mesmos o que deve ser feito. Eis a mais genuína das sentenças: faça você mesmo. Digo isso depois de rever o documentário “Botinada – A Origem do Punk no Brasil”, dirigido por Gastão Moreira e lançado em DVD há quase dois anos. E quem diz isso, no documentário, é o baixista do Replicantes, Heron Heinz, depoimento que acabo de endossar e dar fé pública.

Revi o documentário não por vontade própria, mas porque recebi a encomenda de dar uma geral no punk e hardcore nacional, e tive que usar o DVD como uma de minhas fontes. Além de pesquisas na internet, também fui atrás de meus discos, livres e fanzines. Sim, meus amigos, fiz uma viagem no tempo ao encontro do punk rock perdido por essas plagas, passando por Antonio Bivar, Janice Caiafa, Helena Wendel Abramo, Silvio Essinger, Redson, João Gordo, Fábio, Wander Wildner, Philippe Seabra, Ariel, Clemente e por aí vai.

Mas falava do documentário, que por um motivo ou outro, acabei não fazendo uma resenha propriamente dita, nem mesmo para este site ultrapessoal. Lembro que à época do lançamento, estava efetivamente na redação da Revista Outracoisa (esquisito falar nisso no passado) e o parceiro Tiago Velasco se encarregou de fazer umas perguntinhas sobre o DVD para o Gastão, o que garantiu um texto sobre o excelente trabalho. Lembro ainda que Gastão prometia um outro documentário, nos mesmos moldes, sobre o heavy metal no Brasil. Espero que o projeto tenha andado.

O documentário é bom porque focou (palavra em moda) seus esforços no iniciozinho do punk, e aí conseguiu cobrir muito bem a agitação toda que acontecia em São Paulo naqueles idos do final dos anos 70/início dos 80, quando, segundo o testemunha ocular da história Clemente, se o punk não tivesse sido criado em Nova York e Londres, teria sido inventado na periferia paulistana. A afirmação parece arrogante, mas eu não duvidaria disso. Falei de São Paulo porque o documentário é basicamente sobre o punk paulista, já que Gastão parece ter optado por deixar de lado ouras cidades importantes para o início do punk, sobretudo Brasília. Os minutos dedicados à Capital Federal, Rio e Porto Alegre, somados, são insignificantes ante a superpesquisa feita em São Paulo. Eis aí o único senão do DVD: achar que o Brasil é São Paulo. Não é, não, Gastão.

Outra frase que marcou aparece na hora de avaliar o legado deixado pelo punk, e é o chapa Silvio Essinger quem fatura o prêmio da melhor observação ao dizer que, depois do punk, todo movimento identificado com rebeldia juvenil é de certa forma identificado com o próprio punk. Ele tem razão, e a imagem de bandas do grunge sob sua fala é precisamente ilustrativa. Além de designar um movimento musical e social, a palavra punk sintetiza rebeldia, volta às raízes, ao básico, ao tosco, para depois começar de novo. Um dos entrevistados, do qual não lembro o nome, fala dessa desconstrução que aqui no Brasil chegou a ser apropriada até por Chico Science e suas alfaias.

Não gosto – diga-se – quando o termo “punk” é utilizado para definir uma situação ruim, difícil, sentido muito aplicado do lado de lá da Dutra. Punk só foi depressivo (e mesmo assim esteticamente) no pós-punk, espécie de “dream is over” do movimento, detonado pelo suicídio de Ian Curtis, o líder do Joy Division (já viram os filmes?). E nem engulo a história de que o punk surgiu como uma reação ao academicismo do rock progressivo. Primeiro porque nunca acredito que, no mundo do rock, uma coisa venha para substituir outra – como aqui no Brasil, onde os fãs de metal juram de pés juntos que foi o grunge que acabou com o hard rock -, mas isso é outra história. O punk nasceu para combater tudo e todos, explosão de rebeldia juvenil em estado bruto. O rock progressivo nada tinha a ver com isso, tanto que suas bandas nunca acabaram, e ele – o progressivo – se renovou na década 80 mesmo (Marillion, Palas, Pendragon) e vive se atualizando. Ou por acaso os caras do Pink Floyd, Yes, Genesis, etc, passaram a tocar só com três acordes e com as calças rasgadas, calçados de all star sujo?

Não, meus amigos, isso aqui não é um tratado punk, muito menos uma resenha sobre o grande DVD produzido e dirigido por Gastão Moreira. É só o bom e velho papo de mesa de bar de porta de show. No que aproveito para reafirmar que o punk está em todos os lugares. Foi (e é) importante para tudo o quanto é subgênero do rock, no Brasil e no mundo. Metal, grunge, hardcore, rap, rock nacional, mpb… Em tudo que é lugar, em algum canto tá lá um “quê” de punk. Pode ser a voz gritada, a crueza dos acordes, a jaqueta de couro, o set de bateria, as tatuagens, as letras escalafobéticas, os cabelos espetados ou qualquer outro símbolo icônico – para deixar meu professor de lingüística orgulhoso. Mais: no mundo cultural globalizado, o punk superou os limites da música e se representa em partidas de futebol, desfiles de moda, portas de fábrica, artes e no pensamento do homem em geral, do final do século passado pra cá.

Sim, meus amigos, definitivamente o mundo em que vivemos não seria como é, não fosse o punk. Por isso a tarefa eu me deram, embora seja uma obrigação profissional, é – de novo – algo muito prazeroso. E, de quebra, ainda me deu o mote para chegar a mais esta Rock é Rock Mesmo. Afinal, nem sempre se pode ser Deus. Mas isso já é papo para outra coluna.

Até a próxima e long live rock’n’roll!!!

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