Meus amigos, o tempo é o senhor da razão. A frase é milenar, mas toda vez que lembro dela me vem à cabeça o ex-presidente Collor. Nos idos de 1992, todo domingo pela manhã ele saía da residência oficial para dar uma corrida, e jamais concedia entrevistas. Já estava sendo investigado no escândalo detonado pelo irmão Pedro, que o levara a ser impedido de exercer o cargo de Presidente da República. Preferia, então, usar camisetas com frases “de efeito” para se comunicar com a Nação. Num desses domingos a frase foi essa. O tempo é o senhor da razão. E ela se mostrou correta: passou o tempo e Collor foi impedido de ser presidente e de se candidatar a cargos públicos durante oito anos. Hoje é senador, mais isso são outros quinhentos.
E daí? Pergunta o leitor indignado. O que isso tem a ver com o rock e com o fim do TIM Festival, anunciado lá no título? Nada, acredito eu. Só lembrei da passagem e resolvi contar. Ou, por outra, tem a ver sim, e nem é preciso forçar tanto a barra. Collor, nesse período, vivia num mundo no qual se achava intocável, e onde poderia fazer o que quisesse que estava feito. Era o próprio dono do mundo diante de sua estapafúrdia “república das Alagoas”, tão bem dissecada, na época – vejam vocês, e sem trocadilhos – pela Veja. Se tivesse o mínimo de noção de que realmente o impedimento era factível, Collor, que era um animal, mas jamais burro, teria feito esforços para não perder o cargo, e conseguiria com facilidade, era só reconquistar o apoio perdido no Congresso, que é quem vota o tal impedimento. Collor caiu porque se achava um intocável.
Ao falar de Collor, hoje me lembro do Dunga. Sim, meus amigos, o famigerado técnico da seleção brasileira de futebol. Alguém sabe quem está a favor de Dunga na seleção? Provavelmente ninguém. Nem os jogadores, a comissão técnica ou o próprio presidente da CBF. Todos querem que Dunga saia e ele deve sair antes de o apito inicial da primeira partida da Copa de 2010. Mas Dunga, de seu lado, se sente como Collor. Como um intocável. Perguntado sobre o desempenho pífio da seleção, atribui tudo a fatores periféricos como a pressão de ser treinador, a paixão o torcedor, a melhora de outras seleções e assim por diante. Jamais vê, no seu trabalho, inexperiência, falta de treinamento de jogadas, desempenho ruim desse ou daquele jogador. Dunga se acha um intocável.
Mas isso aqui é a coluna de futebol do site? Pergunta o insistente leitor que continuou até este ponto do texto. No que eu decido, então, chegar ao ponto. Disse, já no título, que o TIM Festival acabou, e não me referia à edição de 2008, que aconteceu no final de semana passado, e que teve a cobertura d’O Homem Baile. Digo que o TIM Festival acabou. Excetuo o segmento jazz do festival, que tem a uma criteriosa curadoria, para afirmar que se não mudar o formato, as idéias, e – sobretudo – os bam bam bans que escolhem as atrações a cada ano, e que levaram o evento à lamentável situação desse ano, não existirá mais TIM Festival.
O leitor de longa data pode até creditar tal sentença a certa implicância que nutro pelo Antropólogo (recém promovido a etnomusicólogo) que se mete a trazer ao festival as mais novas novidades novinhas em folha a cada ano. Com um investimento altíssimo por parte do patrocinador e cachês vitaminados, o festival é uma verdadeira bênção para artistas nanicos no cenário mundial, mas transformados em grandes estrelas por aqui. Uma síndrome de colonizado que, como Antropólogo, nosso parco conhecedor de música (e de rock) deveria dominar. Acontece que, depois de acertar, ao menos, nos últimos anos, em algumas atrações – quem não se lembra de Wilco, White Stripes, Strokes e Killers? – desta feita ele passou ao largo do que realmente interessa, atingindo um comparecimento ridículo por parte do público comum – excetuando artistas e celebridades fakes. E olha que vou deixar de dizer aqui que o tal Cicrano estragou o festival ai tirar-lhe o “perfil Montreux”.
Nem sempre se pode ser Deus, diria qualquer cristão em defesa do cidadão de bem, no que tem a minha anuência. E pensava assim – que esta edição do TIM Festival era só um momento infeliz – até ler uma entrevista com o dito cujo, que – diga-se, sempre comparece a todos os palcos do evento – no Jornal do Brasil. Ali, ele disse claramente, por a + b, que não existem critérios para a seleção de atração para o evento. Mais: que as atrações eram escolhidas com base em comunidades do orkut e a partir de sessões de vídeo assistidas no youtube. Confesso que retornei ao início da entrevista para ver se estava entendendo direito e se era ele próprio o entrevistado. Fiquei, acreditem, estarrecido.
Ocorre que, em princípio, o Antropólogo não iria fazer tal revelação. Só o fez porque foi espremido com brilhantismo pelos repórteres Bráulio Lorentz e Luiz Felipe Reis. Conforme o entrevistado procurava se esquivar da resposta, foi cercado por todos os lados pelos entrevistadores e acabou abrindo o jogo. Para o bem do jornalismo, tudo foi publicado, escancarando como um repórter deve agir. Parece óbvio, mas, em tempos de informação abundante e volátil, é raro ver um repórter ser repórter de verdade, o que só reafirma a competência da dupla – não sei se os dois estavam entrevistando o dito cujo juntos ou se cada um fez uma parte da matéria. Raro também é a publicação da íntegra de uma entrevista, no que merecem os parabéns aqueles que decidiriam assim publicá-la. O estarrecimento das declarações do Antropólogo foi compensado pelo bom jornalismo praticado pela equipe do JB.
Mas eis onde eu queria chegar. Assim como os exemplos de Collor e Dunga, nosso Antropólogo se sente um intocável. Faz o que quer e não está nem aí par o resultado final. Não sei se o patrocinador acompanha o que acontece no festival, ou se fica só contabilizando a tal “exposição da marca na mídia” – bem grande, diga-se -, mas bancar curadores a peso de ouro para ficar buscando atrações no orkut e no youtube é, no mínimo, jogar dinheiro fora. Porque qualquer Zé Mane pode fazer isso. Não é a toa que a decadência do TIM Festival é latente. E por isso mesmo já dá pra apontar o fim definitivo do festival, caso não se mude muita coisa. O Collor já saiu há tempos. Só falta o Dunga e o Antropólogo. Porque, sabemos todos, o tempo é o senhor da razão.
Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!