Festa de dez anos de gravadora prova como vale à pena convencer os mais velhos que o rock pode dar certo. Principalmente se este mais velho for o dono dessa empresa.
Meus amigos, tristeza não tem fim; felicidade, sim. Começo uma coluna de rock citando uma célebre frase bossa-novística porque é exatamente essa frase que me surge dentro da cabeça, ao lembrar que a coisa já foi boa e tem tudo para ser melhor. Explico. Anteontem, ou melhor, na madrugada de quarta para quinta, no Circo Voador, tive uma noite daquelas. Eram três e tantas da manhã e um considerável número de pessoas vibrava efusivamente com três senhores de meia idade tocando punk rock pra valer. Eram eles Pierre, Val e Redson. Sim, meus amigos, a formação clássica do Cólera mandando ver todos os seus hits para uma platéia de todas as idades. Isso, repito, às três da matina.
Lembrava eu, lá pelas tantas, que este mesmo Cólera, lá nos anos 80, lotava o Circo Voador, em geral junto com a parceira Plebe Rude, em noites memoráveis. Digo isso em tom de lamentação porque essa dobradinha Cólera + Plebe Rude e Circo Voador já não existe mais. Primeiro porque o Circo já há temos deixa de abrir espaço para bandas novas e para o próprio público de rock, ao cobrar preços incompatíveis com esse mercado. Depois, porque – e até por conseqüência disso, não existem bandas legais que encham minimamente a cara (caríssima) estrutura do Circo Voador versão anos 00. Então ver aquela euforia numa madrugada de quarta para quinta, no Circo, parecia mesmo um sonho.
Mas não era, não. Tratava-se do aniversário de dez anos de uma gravadora que açambarcou muito do que aparece de bom no rock nacional nos últimos tempos. É verdade que isso só aconteceu porque o filho do dono gosta de rock e fez disso o mote para se transformar num dos melhores produtores do segmento no Brasil. Não que ele rasgue dinheiro e leve a firma do pai à falência, mas o convence de investir nessa ou naquela banda, e a coisa pode até dar certo. Caso, por exemplo, do Matanza e seu inacreditável sucesso. Como pode uma banda tão pesada, com letras tão duras (para dizer o mínimo) e um som tão indigesto fazer sucesso? Não tenho os números, mas o Matanza já deu certo, e ainda deve render bem aos cofres da empresa. Foi a banda quem abriu a noite, botando um Circo lotado para pogar em contagiantes rodas.
O grande feito do convencimento rock do filho do dono, no entanto, só tocou no dia seguinte. Pitty é hoje uma artista nacional, consagrada, e não só dentro do segmento rock. Uma garota que tinha uma banda de hardcore tosca (isso é um elogio) e uma fitinha com algumas músicas com voz e violão e que este filho do dono, com o capital e os conhecimentos do pai, transformou em estrela nacional. Quinta o Circo não estava tão cheio assim, mas havia gente à rodo. Como o Circo Voador, até pela sua tradição e vocação para a vanguarda sempre deveria ser. Nem precisou da prometida participação de Marcelo D2 para a noite encerrar, também na alta madrugada, com a Nação Zumbi mostrando s músicas de seu álbum mais recente.
Na quarta, antes, um bebaço João Gordo pagou um mico, aparentemente, involuntário. Segundo consta, o chamaram (junto com o batera Boka) para cantar umas músicas do Ratos de Porão com o Mukeka di Rato tocando. Como Celebridade, Gordo chegou ao Circo e foi direto aos camarins tomar todas. Só que a tal gravadora havia anunciado, em todo o material de divulgação, um show do Ratos de Porão. Pois lá estavam os fãs a gritar “Ratos! Ratos! Ratos!”, pedindo esta ou aquela música, e o Gordo, trôpego, arrastando a fala no canto da boca, pensando que era a vez de “Crucificados pelo Sistema” a cada intervalo, até perceber a furada em que tinha se metido e pedir o boné – que, aliás, um fã lhe roubou e quase foi linchado no meio do público. Quem pagou para ver o Ratos deveria é exigir o dinheiro de volta, isso sim.
A dobradinha capixaba Mukeka e Dead Fish (não é que os nomes das bandas se completam?) de seu lado, não fez feio. O segundo, principalmente, tem muito público e manteve o pique do Matanza sem muita dificuldade. Quanto ao Matanza, soube de fonte segura, no próprio vai-e-vem do show, que Donida, guitarrista, letrista, principal compositor e desenhista, deixou o grupo. No que eu retruquei: então a banda acabou. Não que tenha algo contra Alex Kaffer, que tocou nesse show. Mas, vejam bem, eu disse que Donida é guitarrista, letrista, principal compositor e desenhista. Se um cara desses sai de uma banda, a banda já era. Apurando os fatos, a gravadora negou sua saída, e um post no site oficial, assinado pelo próprio Donida, diz que Alex é um substituto eventual, e que ele continua. Que assim seja.
Faltou falar que o Cachorro Grande também tocou, e ratificou a pecha de ser uma das melhores bandas sobre um palco de que se tem notícia. O show curto não impediu o grupo gaúcho de fazer uma performance alucinada, com encerramentos (sim, mais de um) dignos de grandes arenas, e que continuam a eternizar o Circo Voador. Uma outra bola dentro do filho do dono, que, somadas às atrações desses dois dias, resultou numa das melhores lembranças de como era bom o Circo Voador e as bandas de rock que tocavam nele, e como isso pode continuar acontecendo. Não é tão difícil, não, podem crer. Nem a presença do Strike no elenco me rouba essa certeza.
Até a próxima e long live rock’n’roll!!!
Rafael Ramos é osso!!!