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E OS FESTIVAIS DE MÚSICA EM 2024?

Por Anderson Foca

Esse foi um ano interessante para analisar o movimento dos festivais de música no Brasil. É preciso começar dando um passeio argiloso e voltar até a pandemia em 2020. Ali começou um processo que explica onde estamos (e pra onde vamos) com os festivais.

A pandemia deixou as pessoas em casa, se cuidando e também imaginando como seria o futuro próximo pra quando a crise sanitária passasse. De 2021 para 2022 tivemos a reabertura das atividades coletivas e na música o que mais cresceu entre clientes e empreendedores foi sem dúvida a ideia em volta de um festival. A escassez gerando a demanda, um clássico do capitalismo.

A farra da pós-pandemia gerou alta procura por ingressos em todo o mundo. Atraiu também empreendedores de outras áreas, agência de publicidade com orçamentos retraídos de marcas querendo “contato humano” fora do ambiente digital. No Brasil o começo da publicidade das Bets com grande impacto inicial também foi um marco.

O formato coletivo de um festival era a ideia perfeita para o momento. Furou a bolha de um movimento criado por e para quem gosta de cultura mais alternativa e passou a estar em todas as camadas da sociedade  e para todos os tipos de música. Até prefeituras e governos estaduais passaram a divulgar suas atividades culturais como se fossem o Coachella ou o Lollapalooza nas suas publicidades locais. Pra quem é mais jovem dava pra dizer que festival de música “virou modinha”.

Tá, mas e aí? E 2024 nessa história? Como toda “modinha” o auge é rápido mas desgasta o produto. Parecia bem lógico que aquele trend pós-pandêmico iria arrefecer. Causa e efeito de uma lógica de consumo que é como o capitalismo opera: super demanda, super oferta, super venda, esvaziamento do valor do produto e fuga do investimento pra outras áreas. Super óbvio. Eu podia estar falando de qualquer outra área econômica. Mas estamos mesmo falando de festivais de música em 2024.

Por que a energia que impulsionou o aparecimento de “novos” festivais se esvaiu tão rápido? Com muita oferta por todo o país o meme “é tudo igual” caiu como uma bomba em cima do público que foi perdendo o interesse. Aí entra o papel de curadoria que é uma das principais características do aparecimento dos festivais desde Woodstock. Sem esmero em programar as atrações e a “tal da experiência” fica tudo igual mesmo, e vira uma corrida maluca e sem rumo onde o que importa mesmo é tentar vender ingresso.

Com muitos empreendedores num mercado mal analisado, pautado num momento atípico de demanda (pós-pandemia) os festivais criados recentemente, muitos deles sem nenhum compromisso com suas cenas locais e com a promoção da música no Brasil, faliram e não aconteceram em 2024. Muitos ainda tentaram um último suspiro do formato com pouco sucesso de venda e de captação de recursos com as marcas.

Acabou por aí? Esse é o resumo da ópera? Não, não é. Agora vem a parte boa disso tudo. O segundo semestre de 2024 mostrou um caminho que a gente pode usar como modelo. Um caminho antigo, mais difícil de caminhar, uma estrada mais sinuosa e por isso mesmo tratada com mais esmero e atenção. Vários festivais decanos que conseguiram sobreviver e concorrência (muitos vezes desleal) no mercado, ligados ao desenvolvimento de artistas e de cenas tiveram edições épicas ou com ingressos esgotados: caso do paraense Se Rasgum, dos nordestinos Dosol (RN), Coquetel Molotov (PE) e Carambola (AL) e do paulista Coala só pra citar alguns. 

Em comum a todos eles três coisas: programação diversa e cuidadosa apostando no fã de música, relação com suas cenas locais e espaço pra artistas em desenvolvimento. A solidez de quem não começou ontem e não vai terminar amanhã. 

Os dois caminhos continuarão existindo em 2025. O furor e a velocidade dos festivais que nasceram pra suprir demandas de mercado com seus respectivos ajustes necessários de rota e os festivais de desenvolvimento de artistas e cenas. Eles podem andar juntos, se complementar, gerar interesse genuínos de patrocinadores. Seus estados de origem também estão começando a reconhecer o impacto cultural, educacional e econômico dessas atividades. Isso precisa urgentemente ser ampliado.

Fato: festivais de música são uma ferramenta potente de energia cultural e entretenimento pra população. Precisam e devem existir pra sempre.

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