Gripado, com voz rouca e encatarrada, mito do rock fez show curto ontem no Rio. Má educação do público, que invadiu o palco, marcou a noite, encerrada precocemente, talvez, por essa razão.
A notícia de que Chuck Berry havia passado o dia gripado e cuidando da voz causou temor e acabou se confirmando assim que ele subiu ao palco pontualmente, ontem, no Vivo Rio. Com 81 primaveras, o cara que ajudou a inventar o rock já não se agüenta mais, e iniciou a apresentação com acordes tímidos (ao invés dos riffs endiabrados de outrora) e voz rouca e encatarrada. Tanto que “Memphis, Tennessee”, a primeira música, soou meio acústica e quase não foi reconhecida pelo público, recheado de músicos, playboys e classemedianos bem-sucedidos. Berry vestia uma vistosa camisa vermelha purpurinada e usava o tradicional chapéu de marinheiro – um verdadeiro clássico do rock.
Fisicamente, no entanto, o guitarrista estava bem, andava de um lado para o outro no palco, surpreendendo os próprios músicos da banda, que viam em sua vitalidade motivo de orgulho. Ele convocava seu filho, Chuck Berry Junior, para duelar com em algumas músicas. Em “Wee Wee Hours”, um blues lento e ritmado, o garoto teve seu melhor momento. Com o baterista brasileiro Maguinho, Chuck também fez graça, em “Around And Around”, tudo de forma muito elegante e suave. Aos que gritavam por rock’n’roll no meio do público, Chuck Berry respondeu com a paciência dos idosos. A mesma que usou para tentar entender o que os fãs do gargarejo pediam. O grito de “Yesterday” fez o guitarrista dizer que a música não é dele, e sim dos Beatles, e levar o comecinho da canção mais gravada na história da música pop, para delírio dos mais velhos.
O público participou muito também ao fazer o tradicional dueto sugerido em “My Ding-a-Ling”, a quarta música da noite, em que Chuck Berry, com a garganta grossa, praticamente narrou a letra. “You Can Never Tell”, apropriada por Quentin Tarantino para o genial “Pulp Fiction” foi uma das mais aplaudidas, e uma das poucas em que a guitarra de Chuck Berry ecoou seu tradicional modo de tocar, meio percussivo, com o mínimo de punch. Nem sua música-símbolo, “Johnny B. Goode”, conseguiu escapar da fragilidade com que tocava, de modo que o fabuloso riff inicial quase não foi reconhecido, o que levou a platéia a cantar somente no refrão. Mas a música valeu pelo momento histórico em que ele fez o “duck walk”, a dancinha de pato que o consagrou nos últimos cinqüenta e poucos anos, imagem que hoje pertence ao imaginário coletivo da música pop.
Como era de se esperar, depois de exatos 50 minutos e 13 músicas o show chegou ao fim, sem tempo para que Chuck Berry apresentasse sua banda. A tarefa coube ao filho, já que uma multidão subiu ao palco (e depois desceu) e uma quantidade razoável de peruas desancadas e descerebradas permaneceu no palco em “Reelin’ And Rockin’”, deixando Chuck assustado. Também, quem mandou o velhinho safado chamar quatro moças para dançar com ele de cada lado do palco? Rock’n’roll, baby!