Por Hugo Montarroyos
Os textos sobre os shows da sala Cine PE serão escritos por Breno Mendonça, e estarão aqui no ar em breve.
Se existe um festival no Brasil que cresceu ano a ano – e hoje merece todos os elogios do mundo -, ele atende pelo nome de “No Ar: Coquetel Molotov”. Ainda que peque na escalação e que force uma barra tremenda para emplacar bandas suecas em terras brasileiras (de banda ruim a Suécia está cheia), os acertos acabam sendo mais relevantes do que as falhas, caso dos gols de placa ao apostar em Marcelo Camelo e Mallu Magalhães. Sem contar que a estrutura é de primeiro mundo: o som foi impecável em todos os shows, a iluminação estava perfeita (dá-lhe, Albert!), e é de encher os olhos ver o Teatro da UFPE lotado, abarrotado de gente. Trabalho de formiguinha que começou lá atrás, em 2004, na primeira edição do evento.
O primeiro dia do “No Ar: Coquetel Molotov” serviu para cravar de vez o nome de Marcelo Camelo como principal artista brasileiro de sua geração. Camelo é hoje uma espécie de Chico Buarque dos anos 00: todas as meninas querem dar para ele. Os caras querem ser iguais. E os gays não se envergonham de gritar “lindo!” e “gostoso!” durante toda a apresentação dele. E, analisando por outro prisma, bem menos passional, tal tietagem é justificável, emblemática e merecida no caso de Camelo, um compositor talentosíssimo, bom músico e excelente letrista que conta hoje com o apoio da melhor banda brasileira da atualidade, a paulistana Hurtmold. Não bastasse tudo isso, e o sujeito possui um carisma ainda maior do que a quantidade de fãs que entoam todas as suas canções em uníssono. Trata-se de uma seita: é questão de aceitar ou não.
Aos shows: o duo pernambucano Júlia Says fez um show que primou pelas novidades e pelo bom aproveitamento da estrutura do palco do Teatro da UFPE. Mostrando um estilo desencanado de ser e viver, o guitarrista Pauliño entrou no palco sem camisa, e assim levou o show até o final. Acertaram bem a mão ao despejar peso da guitarra e da programação, e mostraram ótimas canções, como a bem trabalhada “Intro-Mental” e a excepcional “Aos Segredos”, que fechou o show. Permanecem pecando em alguns momentos, sobretudo quando a frágil voz de Pauliño surge em primeiro plano, defeito que aos poucos vem sendo corrigido ao cobrirem seus vocais com efeitos eletrônicos. E a execução de “Mohamed Saksak”, com telão exibindo o clipe da música, beirou a perfeição. O Júlia Says galgou degraus altos em curto espaço de tempo. Ainda há muito a ser melhorado, mas é visível o quanto de talento existe ali. O público os recebeu com simpatia, mas a verdade é que o show não chegou a empolgar muito.
A empolgação começou a vir aos poucos, e se instalou de início na boa apresentação do cearense Cidadão Instigado, que tocou de última hora no lugar do Vanguart (que perdeu uma oportunidade de ouro de expandir seu público por essas praias). Liderados pelo guitarrista Fernando Catatau, uma espécie de Odair José intelectualizado, a banda contou com coral da platéia em boa parte de seu show, casos de “O Pobre dos Dentes de Ouro” e na deliciosamente brega de beira de estrada “O Tempo”. Foram bastante aplaudidos no final.
Ê, Suécia! A tal de Shout Out Louds faz hoje o que o The Cure já fazia muito melhor nos anos 80. Ou seja, pura cópia da banda de Robert Smith, mas tão descarada, tão deslavadamente cara-de-pau que dá até vergonha. E, quem diria, eles possuem até um numeroso neo-fanclube no Recife, pois não eram poucas as pessoas que bradavam as letras do grupo a pleno pulmões. Mas, cá pra nós, não passa de um pastiche bem sem-vergonha do The Cure. Para aqueles que preferem a cópia ao original. E parece que não são poucos. Paciência…
A noite era toda dele. Órfãs do Los Hermanos e fãs da nova safra de Marcelo Camelo se espremiam por todo o teatro na tentativa inútil de conter os nervos diante da espera do ídolo. Desesperada, a produção do festival sofria para convencer o público a permanecer sentado, milagre que acabou por fim operando: apenas no bis a platéia se soltou e levantou para dançar. E, faça você parte ou não da seita “camelônica”, a verdade é que foi um show e tanto, o primeiro da “digressão” pelo País. Segundo declarou, para delírio dos fãs, a estréia do show “tinha que ser aqui, tinha que ser hoje e tinha que ser com vocês”. E nada do que ele fala parece premeditado, calculado ou dito só para agradar. Ali está um ser de dissimulação zero.
Ele entra no palco, fica meio sem jeito com a saraivada de palmas que inunda o teatro, pega o violão e dedilha “Sou”, cantada por parte bem numerosa da platéia. Depois, chama a excelente Hurtmold, empunha uma guitarra e leva “Téo e A Gaivota”. E o “estrago” estava feito: a mesma devoção dedicada ao Los Hermanos é renovada na carreira-solo de Camelo. A histeria segue com “Tudo Passa”, dos belos versos “eu, você e todos os encontros casuais/os ais e os hão de ser/e todos os casais também/ olha, acho até que quem achou que nunca ia/ esse ia se espantar de ver que o ódio e o amor/ e até eu vou pra ver no que vai dar/ a massa, a moça e até esse pra sempre tudo passa”. Parece retalhos de letras, mas todos cosidos de maneira a dar significados ocultos às partes e interpretações pessoais ao todo. E, quem diria, o recém-lançado “Sou” já está na boca do povo.
O momento mais emocionante da noite se faz quando Camelo chama Mallu Magalhães ao palco, amiga que, nas palavras dele, “mudou minha maneira de ver a música, mudou minha maneira de ver a vida”. Mallu entra, abraça Camelo e desata no choro de uma criança de 16 anos que até anteontem era fã do Hermano, e que hoje vive o sonho dourado de menina de dividir o palco com o ídolo. Quase não consegue dedilhar o violão ou cantar de tanto que chorava, e a impressão que ficou é que o próprio Marcelo desabaria no choro a qualquer momento. Mallu saiu correndo após sua participação, e o show prosseguiu em clima de uníssono até o fim. Após uma certa hesitação, Camelo volta para o bis, banquinho e violão e, cartada de mestre, ataca com “Tchubaruba”. Mallu corre para cantar novamente ao lado do ídolo, desta vez uma canção dela, e o momento fofura estava instaurado de vez. Camelo então pede licença ao Hurtmold, que tomava posição para acompanhá-lo novamente, e diz que o clima de improviso estava tão bonito que preferia continuar assim por mais um tempo, banquinho, violão e todas as vozes do teatro. Ao Hurtmold restou esperar respeitosamente o término da catarse para entrar em cena novamente, como figurantes de luxo.
Aos fãs: Camelo está de volta em sua melhor forma, e o show de seu “Sou” é ótimo. Aos que não gostam: vai ser difícil se livrar dele no próximo verão. Às seguidoras: Aleluia, irmãs! A seita ressurge…Para o bem e para o mal. Para cristãos e ateus (licença, Zeroquatro). Batizados e pagões. Resta escolher o seu lado e ser feliz.
Bom texto, fiquei a fim de conhecer. Só um toque: se escreve ‘pagãos’…