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COLUNA DO MARCOS BRAGATTO (RJ): MUITO ALÉM DO LAQUÊ OITENTISTA

Carreira do Whitesnake e de David Coverdale tem muito mais a mostrar do que a superficialidade que imperou no hard rock dos anos 80. Com ou sem botox.

 

Meus amigos, o tempo não pára. Nem para mim, nem para você, nem para o David Coverdale. Ele está girando pelo Brasil com o Whitesnake na turnê de lançamento do disco “Good to Be Bad”, que passou pelo Rio ontem. É o primeiro CD do grupo com músicas inéditas em 10 anos, finalmente o cara de pau resolveu compor alguma coisa com o bom guitarrista Doug Aldrich, e se mantém na ativa. Não escutei ainda o disco novo, mas, moderno que sou, vou baixar tudinho através de um link que o amigo e figuraça Panamá me passou via orkut. Visivelmente recauchutado por aplicação de botox e afins, como já se notava desde a segunda vinda da banda ao Rio, em 1997, Coverdale, no entanto, mantém a voz muito boa. Sim, meus amigos, o tempo não pára. Muita gente faz do Whitesnake motivo de chacota justamente por não conhecer o grupo na plenitude de seus (já?) 31 anos de história. Para a grande maioria, a fase que mais marcou foi aquela em que Coverdale e seus comandados pegaram carona no hard rock oitentista, aquele rotulado somente aqui no Brasil como “farofa”. Disse “farofa” e já me arrependo. Acho o termo abjeto quando aplicado nesse sentido, além de ser fora de propósito por ser intimamente doméstico. Farofa, para mim, é só um prato da culinária brasileira feito à base de farinha, a partir de um refogado gorduroso. Não tem nada a ver com rock, muito menos com o hard rock. Voltando ao assunto, só se nota a mudança, tão somente, pela quantidade de laquê despejada na cabeleira do vocalista. Musicalmente, o Whitesnake tem a fase pesada e turbinada pela colaboração de guitarristas típicos do período, como Steve Vai e Adrian Vandenberg. Refiro-me aos discos “Whitesnake”, de 1987, que traz a baba “Is This Love”, e “Slip of the Tongue”, de 1989. Há, no entanto, outros períodos, positivamente melhores.

Um deles é a daquela formação que esteve no Rock In Rio, com John Sykes na guitarra, Neil Murray no baixo e o saudoso Cozy Powell na bateria. Era uma espécie de versão reduzida daquela que gravou o excelente “Slide It In”, lançado em 1984, e que contava ainda com os teclados de Jon Lord e o excepcional guitarrista Mel Galley. Desse álbum saiu o precioso hit “Love Ain’t No Stranger”, famoso por estrelar uma campanha publicitária de cigarros. O disco é precedido por trabalhos nem tão bons assim, mas que continham preciosidades que foram regravadas pelo próprio Whitesnake e duram até hoje. Caso de “Here I Go Again” e “Crying In The Rain”, do album “Saints & Sinners”, de 1982. Em “Come An’ Get It”, de 1981, boas músicas escondidas sumiram na história da banda, como a faixa-título, “Don’t Break My Heat Again” e a ótima “Child Of Babylon”.

Esses dois discos pegam o restinho de uma das melhores formações do Whitesnake, para muitos a única em que o grupo teve uma identidade, foi o “verdadeiro” Whitesnake. Tocavam com Coverdale Jon Lord (teclados), Bernie Marsden e Mick Moody (guitarras), Neil Murray (baixo) e Ian Paice (bateria). Como se vê, metade da banda vem do Deep Purple, e, além daquilo que Coverdale e Glenn Hughes implantaram no grupo – swing, funk e afins – o grupo envereda por um hard rock inovador justamente por misturar isso tudo com os dois pés fincados no blues americano de duas décadas atrás. “Ready An’ Willing” e “Live In The Heart Of The City”, ao vivo, ambos de 1980, e “Lovehunter”, de 1979, com o batera Duck Dowle, cristalizam essa esplêndida fase. Música símbolo do período? A espetacular “Fool For Your Loving”, também regravada em fases posteriores.

Não, meus amigos, isso aqui não é um texto biográfico, só pretende colocar alguns pingos nos “is”. David Coverdale, embora tenha se aproveitado do hard rock dos anos 80 para sabiamente manter sua banda viva e se renovando a cada disco, não pode ser confundido com a superficialidade que, salvou poucas exceções, imperou no hard rock daquela época. Ademais, Coverdale, autor de baladas irresistíveis, e certamente o sujeito que mais utilizou a palavra “love” desde a descoberta da pólvora, tem um estilo que lhe é muito peculiar. Não é só vocalista, mas cantor de voz privilegiada e que sabe interpretar, literalmente, uma canção. Não a toa volta e meio o chamo de Mr. Feeling, que desde os tempos do Deep Purple sente, ao cantar, cada palavra que sai de sua boca. Basta ver interpretações históricas para músicas como “Mistreated”, “Soldier Of Fortune”, e “Ain’t No Love In The Heart Of The City”, só para ficarmos entre as mais dramáticas.

Fora do Deep Purple, Coverdale também fez das suas. Além de ter lançado os dois primeiros discos do Whitesnake usando seu próprio nome, e do bom “Into The Light”, de 2000, fez, com Jimmy Page, causando ciúmes em Robert Plant, o excepcional álbum “Coverdale Page”, em 1993. A música “Take Me For a Little While”, desse disco, é um exemplo bem acabado de como funciona o Mr. Feeling, seja qual for a empreitada. Daí a obrigatoriedade de ser marcar presença num show do Whitesnake, com 31 anos de rodagem. Com botox e tudo. Sim, meus amigos, o tempo não pára. Imune a ele, a generosa obra do Whitesnake precisa ser reverenciada

Até a próxima e long live rock’n’roll!!!

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