Uma aparecida na Rua Chile
Sérgio Vilar // sergiovilar.rn@dabr.com.br
Mulheres são conhecidas por falar muito. Falam pelos cotovelos. Falam e falam, principalmente se estão em bando. Com um sotaque paraense, esse “falar demais” ganha um ritmo próprio, uma sonoridade que a alguns ouvidos soa como música. E foi isso que se transformou em composições na interpretação da cantora Iva Rothe, reunidos em Aparecida, disco lançado no ano passado e que agora chega a Natal para um show amanhã, às 17h, no Centro Cultural Dosol, dentro da oitava edição do Circuito Cultural Ribeira.
Toque mais que feminino: trabalho da paraense consiste na observação de mulheres de vários países, mas especialmente na participação de conterrâneas Foto:Arquivo pessoal/Divulgação |
A experimentação de Iva teve início quando, em shows, ela abria o microfone para algumas mulheres falarem durante a execução da música que acabou por dar nome ao projeto. “Isso começou com a música Aparecida, que já inicia perguntando se toda mulher é parecida com outra mulher; se é ou não aparecida. Na música já tinha espaço e tempo em aberto como se fosse para respostas, então acontecia espontaneamente de eu estender o microfone às mulheres responderem. De repente essaconversa foi se espraiando do começo da música para a música inteira, e da música inteira para o disco inteiro”, descreve a artista.
Foi exatamente há uma década, quando Iva ainda fazia faculdade de música, que ela se encantou pela possibilidade de fazer música a partir de sons fora do padrão convencional. Daí ela passou a ouvir as vozes femininas de outra forma. A pesquisa iniciou com mulheres de várias origens e idiomas. Quando em temporada pela Europa, Iva levou junto gravador e microfone e registrou entrevistas com mulheres alemãs, africanas, inglesas e até finlandesas, sempre se guiando por um roteiro de perguntas único. “Pensava em usar mulheres falando em línguas bem diferentes, mas aí foi afunilando e acabei ficando só com as paraenses”, diz.
Dose certa
Apesar de todo o experimentalismo, Iva garante que o disco foi trabalhado como algo para ser ouvido naturalmente, mas encontrar essa dose acertada não foi tarefa fácil. “Apesar do meu trabalho ser experimental, era um disco de música popular pra se ouvir, pra se dançar. A gente tinha que acertar a mão para que a coisa não ficasse embolada e tivesse a fluência da sonoridade de um disco. Para isso foi feito um trabalho de lapidação em estúdio, que me rendeu brigas homéricas com o Beto Fares (que assina a direção musical), e o bacana foi que consegui entrar na viagem da fala de forma mais profunda, o que valeu muito pela Valéria Marques, minha parceria, que foi minha professora e orientadora da faculdade e foi quem me introduziu nessa viagem eletroacústica”.