“João do Morro… no Recbeat… TOMA!”. Quando João do Morro gritou isso para uma verdadeira multidão em sua frente, ninguém ali desconfiava que alguns minutos antes ele estava sentado no camarim, ainda roco do show que fez no Galo da Madrugada, dizendo a todos que entravam o quanto estava nervoso e assustado para se apresentar. Passado a confirmação da aprovação de grande parte do público – que fez questão de aparecer cedo como nunca tinha acontecido antes, nos últimos 14 anos de evento – essa já pode ser definida como a escalação mais simbólica de todo o festival Recbeat.
Gutie, produtor do festival e empresário de João do Morro, fez questão de não esconder a felicidade que a apresentação trouxe. Dias antes, ele recebia ligação da Prefeitura do Recife, perguntando se ele iria mesmo escalar o cantor de pagode / swingueira no Recbeat. Penso que essa é uma primeira ruptura do conceito tão preso a estética que os artistas independentes sempre tiveram. São dois resultados para celebrar: do lado de lá, parece que um artista chegou um nível aceitável suficiente para conviver entre outras bandas de rock, tango e tec. Do nosso lado, cai um pouco da frescura em se misturar.
E, ainda de sobra, tem um outro grande trunfo. O público do Morro da Conceição, que compôs toda a comissão em frente ao palco, mostrou humildade em não ir embora logo após o show de João. Continuaram lá e fizeram questão de acompanhar todo o restante do Recbeat. Isso é algo que o público de festivais independente ainda precisam aprender com essa turma. Ainda mais considerando que a transição para o show da Nuages (Equador) não foi fácil. Era uma banda visualmente atrativa, mas instrumental e recheada de muito mais informação.
Só não aproveitaram melhor o clima da noite que a Ska Maria Pastora. Verdadeira revelação do Recbeat, o grupo (que não toca exatamente Ska, apesar do nome), foi a surpresa mais agradável de todo o festival. Banda redondinha, que estava escondida dos holofotes da imprensa, mas faziam pequenos shows pela cidade. Só precisam agora aproveitar a super-exposição para ganhar mais espaço. Se fizerem, esse deve ser um grande nome da música local para este ano.
A chuva torrencial que voltou logo depois do show deles me fez perder boa parte da apresentação de Sílvia Machete. O pouco que vi (as últimas duas músicas), lembrou bastante a passagem que vi dela em Salvador meses atrás. Tem toda um lado quase teatral, mas é um repertório 100% de covers. E isso sempre me soa negativo. O comentário da noite, que concordei, era que ela misturava Danny Carlos com Catarina Dee Jah. E essa não é uma boa mistura.
Vendo o show do Desorden Público, da Venezuela, lembrando da apresentação que o Móveis Coloniais de Acaju fez ano passado, me fez pensar que o Recbeat deveria ter uma noite inteira dedicada ao Ska. Os vizinhos não fizeram apenas o melhor show da noite, mas de toda a programação do festival. Foi incrível a maneira como a música dele pulsava pelos braços e pernas de todos que a ouviam, quase que obrigando todo mundo a dançar enlouquecidamente. Nessa brincadeira de abrir as portas para a América Latina, esse já é pelo menos o terceiro grande nome que o Recbeat traz e que fica óbvia que deveria se apresentar aqui no Brasil sempre.
As fotos são de Caroline Bittencourt