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BRUNO NOGUEIRA (PE): ENTREVISTA COM EDUARDO RAMOS

Eduardo Ramos é melhor conhecido como o ex-empresário do Cansei de Ser Sexy. O cara que foi com a banda para os Estados Unidos e catou na unha show por show até que acontecesse a história como nós a conhecemos. Inclusive as confusões depois, entre constante troca de acusações e processos judiciais envolvendo também a gravadora Trama. Esse texto não vai perder nenhuma linha alem dessas sobre o assunto. A entrevista abaixo é a sequência do post anterior “Independência, parte dois” sobre o novo projeto dele como produtor.

– Primeiro, a inevitável: qual o destino da Slag Records? Você falou que está se juntando com a Amplitude, mas existe algo mais concreto? Ainda tem artistas ligados ao selo? Vão virar um selo só? Vão virar o Day One dos independentes? 🙂

De concreto só o chão da estrada, porque é ali que está o futuro. Nós não sabemos nem como definir o que é um selo… antes era uma “coisa” que lançava discos, mas por que ter um selo se é só colocar as músicas on-line atualmente? Este “algo mais” foi o que sempre faltou no mercado independente brasileiro… e hoje categoricamente não falamos em discos (no conceito antigo de prensar 1000 discos e fazer distribuição). Não vamos virar uma coisa só porque as propostas artísticas dos dois selos são absurdamente opostas. Não vamos virar nada mega… somos 4 pessoas em uma sala pequena, cheia de discos, livros e idéias e é assim que vai continuar. Selo no sentido de lançar disco… não tão cedo. Banda para ter disco lançado tem que fazer 60 shows por ano, então invertemos a equação, vamos fazer 60 shows por ano e dai ver o que acontece… e não necessariamente trabalhando só com as bandas do selo (como o Macaco Bong que é da Monstro). Ninguém sabe o que está acontecendo no mercado independente e deste caos queremos achar algo!

– No release de vocês tem um buraco enorme entre “ligações para casas sem a menor idéia” e *bum* 40 shows marcados. Como foi que vocês conseguiram montar esse circuito efetivamente?

Trabalhando absurdamente, tentando convencer gente que não tem a menor idéia do que estamos falando. Desde março estamos formatando esta idéia… são 6 meses de trabalho!

– São Paulo é uma região urbana muito atípica, comparada ao Brasil, para formatar um projeto desses. Me parece ser bem mais fácil – porque ninguém vai encontrar uma cidade como Bauru no interior de Pernambuco, por exemplo – … vocês pensam em exportar essa idéia para outras capitais? Ou o circuito já é esse mesmo, fechado?

A idéia é criar um circuito nacional. Para isso existe uma comunicação e uma coordenação com outras cenas. Começar em São Paulo foi uma necessidade, pelos motivos já citados e porque é fácil para pegar um carro e atravessar o estado em 6 horas no máximo. Mas, por exemplo, existe uma coordenação acontecendo com o Foca (do DoSol) em tours futuras para fazer uma perna no nordeste. Ele adorou a idéia e é possível realizar pelo menos mais 10 datas coordenadas. O Fabrício (Nobre da Monstro) vive me falando que dá para armar uma perna com Uberlândia/Uberaba/Goiânia/Brasília. Na verdade em Minas Gerais está rolando uma movimentação parecida. Se você adicionar o Sul… estamos falando de muitas cidades, estamos falando de um circuito de 90 shows, ou seja, pela primeira vez estamos falando de uma tour de verdade pelo Brasil, que vai sustentar uma banda independente e dai sim, justificar um disco sendo distribuido nacionalmente. Até agora, vou ser sincero… distribuição nacional é uma piada, porque não existe nada nacional.
Assim como nos EUA, ninguém toca no interior do Colorado… assim como vai ser muito complicado ir tocar no interior de Pernambuco, mas é uma piada uma tour passar pelo nordeste e não tocar nas capitais. É isso que buscamos com este projeto.

– Sendo esse o caso… como pensar primeiro no problema das capitais? São Paulo foge totalmente a regra pela dimensão urbana, mas em outros casos, seria pensar “tocamos nos EUA, mas ainda não fomos a Caruaru”. Quando na verdade as bandas não estão tocando nem no Recife…. Traduzindo melhor o que quero falar: você não acha que falta muita profissionalização nos centros, para começa a pensar já nas periferias?

Falta tudo Bruno… as bandas precisam mudar para começar. Precisa acabar esta postura de “banda de final de semana”… Eu não quero me envolver com isso, não estamos montando este projeto para este tipo de banda. Eu quero uma banda que vira e fale: isto é a minha vida! Porque este projeto é a nossa vida!!! Eu adoraria ser público e usufruir (como selo) disto tudo, mas novamente, se não colocamos a cara para bater, ninguém coloca. E este que é o problema! Hoje eu recebi umas 30 ligações de bandas (algumas até relativamente estabelecidas) falando que querem tocar no interior! Porque os tais “produtores” deles (atuais ou do passado) não fizeram isso antes? Porque as bandas não pegaram o telefone e fizeram isso? Porque não existe planejamento! A maioria das bandas são uma piada ambulante… ficam felizes de lançar um CD e mostrar para a namorada/família e eventualmente aparecer em uma matéria na Rolling Stone! Isso não existe… nem aqui e em nenhum lugar do mundo, apesar que este marasmo das bandas é algo universal, não é problema só daqui não. No Reino Unido acontece direto, nos EUA acontece direto. Odeio quando alguém vem e fala que as estradas brasileiras são uma merda, isso é desculpa de perdedor.

– A maior crítica que é feita hoje aos festivais independentes são as “ajuda de custo”. Quem entrar nesse circuito ai vai ganhar por show? Como vão ser os cachês?

Me responde uma coisa: quando o Black Flag começou a fazer tours em 1981, eles pediram ajuda de custo para quem? Os EUA em 1981 eram uma piada, 1000 vezes pior do que o Brasil hoje, então qual a desculpa que alguém vai inventar agora? O circuito independente americano foi formado de uma maneira simples: eu preciso ganhar o dinheiro para ir para outra cidade. Este é o cachê! O cachê é a mesma bilheteria que a merda do Foals ganhou por um ano e meio antes de assinar com a Transgressive, o mesmo cachê que o Animal Collective ganhou antes do Sung Tongs… então mais uma vez, eu só escuto desculpas das bandas! Por isso que tem que ser 8 ou 80! Por isso que no meio das tours quando os caras do Butthole Surfers passando fome e frio se perguntavam: POR QUE? Eles respondiam: porque eu prefiro isso do que ficar trabalhando em um banco das 9 as 6!

– Essa é mais pré-conceituosa… Porque você acha que o interior do Brasil está culturalmente pronto para isso? Talvez isso esteja mais ligado a essa minha dúvida inicial sobre montar esse circuito. Quer dizer… o dono de um bar em uma cidade menor toparia pagar um cachê razoável para uma banda instrumental de Fortaleza com músicas que duram quase sete minutos?

Qualquer cidade do interior tem um bar de rock, qualquer cidade do interior tem 200 pessoas que escutam rock da maneira mais genérica possível… estas pessoas vão assistir o show do Fóssil e falar “TOCA RAUL”, da mesma maneira que na gringa gritavam “TOCA STONES”. Destes 200, 20 vão gostar… da próxima vez 40… e por ai vai. Não tem que ficar pedindo cachê, 40 latas de cerveja ou comida… tem que ir e tocar, parar de frescura. Frescura é coisa de classe média, tocar e ter hotel garantido, som garantido… NÃO EXISTEM GARANTIAS NA VIDA! Eu respeito quem faz isso, mas não é este tipo de banda que eu trabalho/vou trabalhar e não são bandas assim que vão fazer parte deste circuito.

– Como vai ser feita essa logística on the road? Nos EUA as bandas alugam vans – se não me engano, o Debate fez isso também – ou micro-ônibus. Isso vai ser uma estrutura pronta dessa empreitada de vocês ou vai ser um gasto de cada turnê?

Existem problemas no Brasil obviamente. Para dirigir uma van legal, você precisa ter uma carteira especial… então por mais que uma van usada custe uma grana, tem este lance da carteira… é um saco, estamos esbarrando nisso. Mas qualquer um pode pegar um carro e sair tocando… é esta idéia. Obviamente este esquema é complicado para fazer uma tour do Móveis Coloniais por exemplo, por sorte as bandas que vamos trabalhar tem um tamanho mais “normal”… e estamos alugando carros para realizar as tours… mas já pensamos em comprar uma van para as próximas tours… em tentar criar uma estrutura melhor. Mas lembrando que até agora tudo está sendo feito com nosso próprio dinheiro.

– Vai existir alguma integração no sentido inverso? Essas casas que vocês fecharam certamente tem muito pouca a nenhuma ligação ao modus operandi do independente brasileiro. Vocês pretendem abrir esse canal? Abrindo myspaces ou orkuts das casas?

Abrir o canal? Você diz abrir a informação? Claro… eu quero mais é que mais pessoas façam o mesmo que estamos fazendo. Quem precisar de qualquer informação me liga que eu explico. Estou de saco cheio de gente que não circula informação.

– Qual o propósito disso tudo? Fazer muito show para ficar mais conhecido? Ganhar dinheiro fazendo show? Vender discos nas cidades do interior? A idéia de um circuito com 90 shows é bem interessante, mas o que acontece com a banda depois disso?

O objetivo é ter um circuito independente que se auto sustenta… isso tem a ver com discos, shows, camisetas, downloads, empresas pagando a conta… é fazer existir um circuito, não ACHAR que existe algo. O que acontece com a banda depois de fazer 90 shows? Descansa por alguns dias, grava um disco novo e começa tudo novamente, tenta fazer algo lá fora… isso que é a vida de uma banda. Nada de banda de fim de semana ou turismo musical.

– Conectando com a pergunta anterior – e encerrando – qual a vida útil de um circuito como esse? Ou, me repetindo nas perguntas, existem novos trechos por vir para as bandas cairem na estrada?
Vida útil? Cara… isso tem que rolar para sempre. É um absurdo isso já não existir… tem que abrir mais cidades, mostrar para as pessoas que existe público(e existe), fazer cidades menores entrarem no esquema. Eu estava conversando com o Nobre estes dias e falei: cara a 10 anos atrás se alguém falasse para você que iria ter um show do Vaselines e do Black Lips em Goiânia, você acreditaria? Eu não! Agora – pelo amor de Deus – Goiânia fica no meio do nada e tem público, como em São Carlos não tem?

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