Só agora consegui colocar meu cotidiano nos trilhos. Cheguei segunda-feira de Goiânia, onde presenciei a maior festa do rock que o Brasil certamente vai viver esse ano, após os três dias de edição histórica do Bananada. Contra indicação médica, totalmente sem voz, peguei vôo para Brasília na sexta-feira e segui de ônibus até a capital sede da Abrafin. Só descobri mais tarde que estavam rolando debates no Sebrae com meu ex-patrão Yussef e sobre a Virada Cultural.
O LUGAR
Essa foi a primeira vez que fui ao Martim Cererê. Engraçado pensar que o Goiânia Noise, assim como o Bananada, aconteceu durante tantos anos nesse lugar e agora o primeiro evento mudou de formato para o palco do Centro Oscar Nyemeyer. O que eu vi foi provavelmente o modelo perfeito para qualquer evento de música independente. Dois teatros – sem cadeiras – numa grande área de circulação. Um espaço mantido pelo estado de Goiás, onde acontecem shows de rock há 15 anos, mas também de outros gêneros, além de apresentação de teatro e etc.
Os dois teatros se chamam Pyguá e Yguá, a referência indígena deu espaço a lembrança que o local foi supostamente usado para tortura na época da ditadura militar antes de ser transformado num centro de distribuição de água. Hoje tem espaço para 600 pessoas cada. A área externa provavelmente serve também de arena, mas no Bananada estava ocupado por uma verdadeira feira gastronômica. Entre as banquinhas de discos, camisas, vinil, bottons (muitos bottons), tinha também yakisoba, churrasco (com um grill profissional gigante) e o hambúrguer empanado que eu tinha saudade desde o Noise.
No sábado, noite mais movimentada, quase 1500 pessoas circularam pelo lugar. Na apresentação da Mallu Magalhães, a lotação ultrapassou em quase 200 pessoas. O que, segundo Fabrício Nobre – organizador da parada junto a Monstro, além de vocalista do MQN e presidente da Abrafin – era fichinha. “Quando o Ratos de Porão tocou aqui na sua melhor fase era esse mesmo número de pessoas, só que numa grande roda. E ta vendo aquelas grades ali com cara de nova?” disse apontado para a entrada. “Foi presente do Los Hermanos. Quebrou tudo de tanta gente tivemos no dia”.
O clima do festival, por si só, já faz valer a pechincha dos R$ 15 do ingresso. Muita gente circulando e trocando idéias, sem falar de estarmos na cidade com as mulheres mais bonitas do Brasil. Entre os papos, o tópico número um e inevitável era a recente coluna do Thiago Ney. E entre as micro-celebridades que estiveram de passagem nos shows teve até o Esdras do Móveis Coloniais de Acajú.
OS SHOWS
Fabrício Nobre do MQN ensopado de cerveja, Marcio do Mechanics com a boca sangrando, Eline do Hang the Superstars mais uma vez ao microfone, tudo isso com cerca de outras 20 pessoas no mesmo palco, numa barulheira estranhamente cheia de melodia, no que deveria ser a versão mais fiel do Quanta Ladeira (bloco anárquico do Carnaval do Recife comandado por Lenine e com encontro de grandes nomes da MPB) do rock. Já passavam das 3h da manhã depois de uma jornada de 42 bandas durante três dias, quando a cena quebrou qualquer expectativa de que nada mais poderia impressionar.
A idéia da Monstro foi de montar uma programação com 21 bandas inéditas na cidade tocando com mais outras 21 bandas locais. Soma que aumentou o fator de ineditismo para mim e que serviu de incentivo para partir por conta própria ao festival garimpar novidades. O saldo não é positivo por acaso. A produtora arriscou muito pouco, porque mesmo as mais verdes conseguiram fazer boas apresentações. Mas vamos aos detalhes.
The Melt (MT), Godlfish Memories (GO), Identidade (RS), Sapo Banjo (SP) e Are You God (SP) foram as melhores surpresas do primeiro dia. A primeira banda, de Cuiabá, toca um quase-stoner rock, mas o quase sai em questão de um pouco mais de estrada. É uma gurizada mais nova, que mesmo sem lançar um single – “a gente só tem camisa e adesivo”, disseram na van – já conseguiu apoio da prefeitura local para viajar até o festival. Reflexo da cultura política local já infestada pelo Espaço Cubo. Natural de uma banda mais nova, eles ainda se desencontram em algumas músicas e mostram que as melhores são as cantadas em português.
A Goldfish foi a melhor das novas bandas locais que assisti nos três dias. Som mais redondo, que em algumas horas quase flerta com o grunge. Referência que eles quebram com um megafone fazendo efeito na voz e uma pegada mais stoner. O som é ainda mais talhadinho quando escutei as gravações em estúdio. Fui atrás de Rise Above the Flame, que não me saia da cabeça.
Identidade é formado por parte da banda que segue Júpiter Maçã e, na boa, estão bem melhores sem ele. A pegada é bem mais rápida ao vivo – “porque o disco tem que ser mais pop”, como bem define o guitarrista Lucas Hanke – e, sem os excessos da grife do rock gaúcho, fazem um show que empolga pra caralho. No meio de tanto som pesado é certo dizer que o ska da Sapo Banjo chamou atenção justamente por quebrar um pouco do ritmo da noite. Mas justiça seja feita, os caras sabem muito bem o que estão fazendo. Fizeram show animadissimo no último e voltaram várias vezes nos outros dias com marchinhas e versões ska para clássicos entre o público do festival. Depois posto vídeo disso.
Já o Are You God é grindecore modernoso de sampa, rápido, violento e intrigante quando o vocalista João dá umas quebradinhas do pescoço e ensaia umas quedas do palco. É o tipo de música que você nunca vai contar para sua avó que escuta.
Mas nada nesse dia superou o paulista Curumin. Frontman na bateria, com uma nova formação que lançou disco pela YB semana passada. Acompanhado só por baixo, programação e um iPod Touch ele fez o melhor show de todo o festival. O teatro, que sempre ecoa música para avisar ao público, lotou antes de terminar a primeira música. O mais espantoso foi ver as músicas cheias de malícia e swing agradarem um público que estava ali para conferir uma programação de bandas mais pesadas.
“O que eu mais curto é essa galera que vem para curtir um pouco de cada coisa diferente. A vibe é muito legal”, contou ele depois, já empolgado para seguir no calendário dos festivais. “É o que eu mais quero fazer. To conhecendo esse circuito agora, o Fabrício tem ajudado um bocado”, completou. Curumim fez um show no Recbeat também, que não chegou a 15% do que ele fez em Goiânia. Foi foda mesmo.
Só não curti mesmo o Jonas Sá do Rio de Janeiro. Não rolou sintonia no show, que também exige uma maturidade que boa parte do público não concordou em dar nas primeiras músicas. E, veja bem, não conseguir o que quer do público de Goiânia é desconfortável, por que eles são sim o melhor do Brasil. Do meio para o fim rolou legal, mas não ainda assim não me convenceu.
Assim que receber as fotos posto elas no texto. Amanhã tem o do segundo dia. Já aviso logo que filmei quase todo o show da Mallu Magalhães. No post abaixo tem um resuminho dos shows da primeira noite.