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ARTIGO: MÚSICA – O GARGALO DA CIRCULAÇÃO

Por Roger Deff


foto de Lúcio Afonso Pereira

Uma das principais vitrines de visibilidade para o atual momento da música produzida no Brasil está justamente na participação em festivais de música independente, que pipocam país afora. Exemplos de sucesso deste tipo de empreitada é o que não faltam, como os brasilienses do Móveis Coloniais, os cuiabanos Macaco Bong e Vanguart, o paulistano Emicida, entre outros cases.

Não por acaso, uma das questões mais debatidas entre os músicos é a circulação, que ainda é uma dificuldade a ser superada por uma parcela considerável de bandas. Com a disponibilidade de tecnologias que possibilitam estúdios caseiros e uma infinidade de opções de distribuição/ veiculação digital dos trabalhos, uma das últimas barreiras a ser vencida é justamente “por o pé na estrada”, porque esbarra em questões de ordem financeira. O problema está no fato de que, para a maioria dos artistas, a música ainda não se tornou uma atividade auto-sustentável, e o paradoxo é que um dos caminhos para que se alcance a tão sonhada e discutida sustentabilidade passa justamente pela circulação.

Lucas Mortimmer, do Coletivo Pegada, afirma que “mais que uma dificuldade, a circulação é uma necessidade para bandas que querem atingir sustentabilidade trabalhando com música independente. Mesmo que a banda tenho um público local forte, ela não consegue manter uma frequencia de shows por um longo período de tempo e manter seu público frequente a ponto de ter sustentabilidade”, enfatiza. Mortimmer diz ainda que é importante para a banda iniciar a formação de público em cidades próximas, compreendendo inclusive as realidades dos outros municípios. “Não adianta a banda exigir as mesmas condições que ela tem sua cidade ”, conclui.

Coincidentemente, enquanto produzia este texto, assisti a um debate sobre o atual momento da produção musical, debate este promovido pelo Sebrae e que contou com as presenças de Kuru Lima (Cria Cultura/ Conexão Vivo), Leo Morel (percussionista do Monobloco e autor do livro Música e Tecnologia- um novo tempo apesar dos perigos) e Leonardo Salazar (autor do livro Música LTDA e produtor da banda Devotos). Inevitavelmente, a questão da circulação foi uma das pautas discutidas.

Kuru Lima foi enfático ao afirmar que “conseguimos produzir música, distribuí-la, mas temos muita dificuldade em circular com ela”, ao passo que o produtor pernambucano Leonardo Salazar contou como conseguiu fazer com que a banda Devotos, com a qual trabalha atualmente, realizasse uma pequena turnê pela Europa. “Fizemos o contato com o pessoal utilizando o myspace. O difícil depois foi conseguir o dinheiro para viajar, depois de tentarmos várias opções, apoio do governo etc, a solução foi dividir no cartão de crédito”, conta.

Kuru ainda chamou a atenção para a necessidade de investimento por parte das bandas em shows que, muitas vezes, não pagam cachês, mas são úteis para a formação de público. Se existe um consenso em toda essa história, ele reside em um aspecto fundamental: todos concordam que circular é preciso e que trata-se de um investimento imprescindível para qualquer carreira musical.

O mesmo assunto surgiu em uma entrevista que fiz com Hélio Flanders, da banda Vanguart, um dos trabalhos independentes mais bem sucedidos do país, em parte pela presença constante em diversos festivais. Flanders sugeriu que os festivais investissem em meios para custear as viagens das bandas. E é aí que entra em cena outra questão polêmica: cabe aos festivais fazer isso, ou este é um investimento exclusivo do músico? É possível um meio termo nessa relação? São várias as opiniões para cada uma das perguntas colocadas, o que já rendeu um número elevado de fóruns on-line em listas de discussões, com argumentos coerentes em sua maioria, em que cada lado (artista e produtor) apresenta aspectos pertinentes para defender suas respectivas posições.

Uma provocação interessante foi feita por um amigo recentemente. Ele me questionou sobre os trabalhos que tem apelo apenas local, ligados à realidade cultural de suas respectivas regiões e cidades. De fato, é uma realidade que deve ser avaliada pelo artista quando pensar nas possibilidades de divulgação e alcance de seu trabalho. Afinal, “sucesso” é algo extremamente relativo e não há nada de errado no fato de um trabalho artístico funcionar dentro de uma determinada perspectiva regional, o que muitas vezes está ligado à característica do que se produz. Mas mesmo trabalhos com essas características necessitam de investimento em circulação, mesmo próxima, para que consigam manter uma agenda mínima de shows, a médio e longo prazo.

Iniciativas e facilitadores

O Fora do Eixo, ao lado da Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes), trabalha no sentido de fornecer plataformas que viabilizem a continuidade e a proliferação dos festivais, além da inserção cada vez maior de bandas e artistas de todo o país em um modelo de trabalho colaborativo, cujo objetivo é dar oportunidades de circulação a um número crescente de propostas musicais. A Abrafin, de acordo com informações do site da instituição, conta com 32 festivais cadastrados, movimentando mais de 600 bandas anualmente. Já o Fora do Eixo, que é uma rede de trabalho colaborativo em prol da música (e vem expandindo para outros segmentos artísticos), ocupa hoje 25 unidades federativas do Brasil.

O surgimento das duas “entidades” ajudou a ampliar as possibilidades de circulação de bandas de todo o país, estimulando o surgimento de vários festivais, bem como de plataformas como a Toque no Brasil, através da qual bandas e produtores podem cadastrar seus respectivos trabalhos e eventos, ajudando também a resolver outro problema, que é aquele relacionado aos gastos para envio de materiais aos festivais.

Os artistas podem ainda recorrer a mecanismos como Leis de Incentivo e outros editais que podem auxiliá-los em suas turnês. Uma conclusão fácil: se, por um lado, algumas bandas ainda demonstram dificuldades financeiras para a realização de viagens para outras localidades e a participação em festivais, o fato é que estabelecer rotas de circulação e contatos com outros públicos e produtores nunca foi tão acessível quanto é agora. Existem dificuldades estruturais mas é indiscutível o fato de que a música passa por um momento singular e bem mais democrático do que era no período em que apenas as majorsditavam as regras.

PS: texto originalmente retirado do blog do Coletivo Pegada (Belo horizonte/MG)

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