Ribeira retoma caminho da ascensão
Sérgio Vilar
sergiovilar.rn@dabr.com.br
A cultura corre mais rápido na Ribeira. Se o capital das imobiliárias constrói arranha-céus em terrenos históricos da cidade, alguns bares, pubs e centros culturais revitalizam o bairro reconstruindo o gosto pela boa música e história da chamada Ribeira Velha de Guerra. Velha, cansada da Guerra que chacoalhou a cidade e transformou o bairro em quartin de pracinhas americanos sedentos pelas putas da cidade. Os bordeis glamourosos viraram ruínas, lojas, oficinas. As paredes emboloradas envelhecem junto aos cupins que devoram a história de velhos casarios abandonados. Na contramão das intempéries do tempo e do poder público, empreendedores idealistas reconstroem o bairro. E adotam no revestimento de cada prédio o emblema do bom gosto cultural.
Rua Chile: casarões têm se reinventado na intenção de atrair o público potiguar. Foto: Adriana Amorim/DN/D.A Press |
Se nos fins da década de 90 o empresário Paulo Ubarana transformou restos de uma casa em ponto de encontro da galera alternativa no esquecido bairro, aquele Blackout de outrora se multiplica hoje em Buraco da Catita, Centro CulturalDoSol, Galpão 29, Casa da Ribeira, Consulado Bar, Cultura Clube, Central Ribeira, Let’s Rock e outros que por ventura abriram hoje ou semana passada e ninguém soube. Se a Ribeira de outrora respirava a poeira deixada pela Segunda Guerra e concentrava o nicho underground no Bingos ou no Casarão localizados na Rua Doutor Barata, o bairro histórico hoje pulsa vitalidade. Da Rua Chile a então desconhecida Rua das Virgens, passando pela avenida Rio Branco e percorrendo um circuito promissor.
O Circuito Cultural Ribeira, idealizado pela parceria Centro Cultural DoSol e Casa da Ribeira mostrou a potencialidade do bairro na estreia, no início do mês. Foram mais de quatro mil pessoas para instantes roqueiros em plena terça-feira de carnaval. E a programação será estendida até o fim do ano. “Mostraremos aos domingos um resumo do que acontece todos os dias no bairro: a cultura, a história e o trabalho de revitalização da Ribeira”, comenta o produtor e fundador do combo DoSol, Anderson Foca. E para além dos shows, a programação da segunda etapa do Circuito promoverá uma “bicicletada” pelo bairro, tombado pelo Iphan como patrimônio histórico e ainda à espera da atenção dos poderes públicos ao que poderia ser também um centro turístico.
Ilustres
A Ribeira foi morada de ilustres potiguares: Café Filho, Câmara Cascudo, Henrique Castriciano, Ferreira Itajubá, Pedro Velho, Newton Navarro, Aderbal de França, Erasmo Xavier, Januário Cicco, entre outros. Mas hoje nutre uma característica propícia ao fomento do comércio e iniciativas culturais. “Ou seja: tem potencial. Não há problema da licença ambiental ou perturbação da vida alheia”, aponta Foca. A vizinhança, ao contrário, torce pela abertura de novos bares que possibilitem um corredor de alternativas cada vez mais atrativo, a exemplo de ruas inteiras e até bairros repletos de recantos charmosos vistos em outras capitais, ou mesmo no Alto de Ponta Negra, onde o público procura outro tipo de ambiente.
Começo, meio e o agora
No contexto da história todos contribuem para a formação da atual realidade. Mas há os marcos, as linhas divisórias responsáveis por mudanças drásticas, quebras de paradigma. E nesse aspecto, a Ribeira rende créditos a Paulo Ubarana pelo início em 1997 com o Blackout – a “segunda casa” de muitos roqueiros. Era morada das bandas pops do momento: Inácio Toca Trompete, Boca de Sino, Mad Dogs, Officina e muitas outras. Em “garagens” mais sujas, o rock pesado atraía o nicho underground que iniciou a movimentação no bairro. A pedida era o Bingos, Casarão da Ribeira ou, por vezes, o próprio Blackout.
Três anos depois, Anderson Foca abriria o DoSol em um armazém abandonado também na Rua Chile. Ali perto, na Rua Frei Miguelinho, um grupo de atores buscava patrocínio para fundar a Casa da Ribeira. Ambos mudariam a feição cultural do bairro como os principais líderes do movimento de revitalização da Ribeira pela cultura. O próprio Blackout se expandia com o anexo do B-52. No prédio vizinho, a boate Downtown (depois Music) atraia uma clientela adepta dos pubs até então concentrados no Hooters, na Praia dos Artistas.
E a Ribeira criava uma efervescência musical eclética. Passados alguns anos, o público se estabilizou. Fiel, fez da Ribeira mais um local de encontro da cidade. Mas faltava outro boom. Aliás, ali mesmo, na Rua Frei Miguelinho, nas imediações da tombada casa onde morou o poeta Ferreira Itajubá e da própria Casa da Ribeira, estreou em fevereiro, durante a terça-feira de carnaval, o Circuito Ribeira, com a perspectiva de um evento mensal. O primeiro, que atraiu uma média de três mil pessoas à Ribeira, reuniu bandas locais como Camarones Orquestra Guitarrística, Rosa de Pedra, DuSolto e Valéria Oliveira, regionais, como a paraibana Cabruêra, e Canastra, do Rio de Janeiro, banda que traz em seu elenco Rodrigo Barba, baterista do Los Hermanos. Essa foi a primeira vez que o grupo se apresentou na região Nordeste.
EM 1997 O SANGUE BLUES FOI A 1ª BANDA A TOCAR NO BLACKOUT!