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RELEXÃO: PORTO MUSICAL – O DEBATE ENTRE O PASSADO NOSTÁLGICO E O FUTURO ANGUSTIANTE

midani

Por Jamerson de Lima

Foto: Rafael Medeiros

Hoje em dia, passados mais de dez anos da popularização da Internet, da invenção do mp3 e das redes de compartilhamento de arquivos, ninguém ainda se atreve a considerar soluções concretas para este incerto futuro do Music Business. E ao longo de quatro dias, só se falava disso no Recife e mais precisamente no Porto Musical, feira de negócios e de conferência de música e tecnologia, que ocorreu entre os dias 17 e 20 deste mês fervilhando a capital pernambucana de idéias.

Entre diversas conferências, algumas com temas mais genéricos e outras mais específicas, o público conheceu visões bastante interessantes acerca do atual e, sobretudo, do passado deste mercado fonográfico. Uma parte expressiva dos debatedores foram personagens ativos que fizeram parte desta convencional indústria musical. Vê-los falando sobre o passado, seus sucessos e suas curiosidades, soava nostálgico, porém imprescindível para tentar entender o que deu errado neste caminho ou tentar ver se é possível repetir fórmulas e exemplos.

Na ala digital do Porto Musical, a maioria dos temas abordados era inevitavelmente sobre modelos de negócios para música. Como construir um mercado e fazer com que este público atual deixe de pegar tudo de graça e passe a valorizar financeiramente os produtores desta arte? Esta é a pergunta que todos se fizeram, mas sem nada que conseguisse ser aplicado a qualquer mercado ou país. De certa forma, a maioria das perguntas e respostas cairam no lugar-comum dos atuais debates sobre música e tecnologia, onde parece que todos perguntam apenas para ter certeza se suas certezas se confirmam.

“Ironicamente, para tentar entender o futuro, o público presente ouviu de um senhor de 77 anos as projeções mais interessantes a respeito deste enigmático mundo moderno”

Reflexões – No entanto, André Midani (foto), um dos nomes mais importantes da indústria fonográfica brasileira, no auge de sua lúcida experiência no mercado, protagonizou o momento mais emocionante de todo o Porto Musical. “Não deixem os tecnocratas dominarem a música”, repetia Midani ao longo de seu discurso. Em pouco mais de uma hora, este senhor de cabelos encaracolados, fala suave e aspecto gentil teceu um panorama bastante interessante a respeito da música de como era antes, muito tempo antes e como chegamos até aqui.

Ironicamente, para tentar entender o futuro, o público presente ouviu de um senhor de 77 anos as projeções mais interessantes a respeito deste enigmático mundo moderno. “Não seria coerente que eu, que já não tenho mais 25 anos, possa falar sobre o futuro, mas vamos tentar”, advertia Midani de maneira sincera enquanto nos lembrava de que o crescimento da população mundial, sobretudo chinesa e muçulmana, pode afetar o consumo da música, em especial pelo modelo falido de copyright.

Uma vez que existem mais de 15 milhões de sites de artistas pelo mundo e que as vendas de música são irrisórias frente ao tráfego de arquivos em mp3 pela Internet, Midani declarou que o ponto crucial desta situação está e esteve na falta de visão da própria indústria fonográfica, que ao longo de seus anos de glória tornou-se preguiçosa e ineficaz para entender o que acontecia ao seu redor.

Uma vez em que o Music Business passou a ser gerenciado pelos tecnocratas e gente com visão administrativa, mas sem competência artística, tudo começou a desandar. Relembrando o fato de que todas as principais decisões tomadas neste curto espaço de 10 anos no mercado fonográfico foram feitas por gente sem esta qualificação criativa, Midani reforçou o ponto de que esta gente não quer artistas e sim as músicas como produto final que adquirem uma “vida útil” cada vez menor. E em meio a disputas entre formatos de mídia gravável e suas fábricas, Midani aponta esta concorrência de interesses econômicos entre lobby de gravadoras x lobby de fabricantes de hardware como uma das principais causas deste atual problema e da própria pirataria física que invade as ruas das cidades.

Ao relembrar o que um dos seus amigos artistas havia lhe escrito em carta certa vez nos anos 80, a frase repetida por André Midani no Teatro Apolo serve como alerta a todos para voltarmos a nos focar no lado criativo e não no lado mercadológico desta coisa toda: “Da música nasceu o mercado. Não podemos deixar que o mercado mate a música”. Ao final de seu discurso e de suas observações, que nesta breve resenha parecem superficiais, tudo isso se mostrou muito mais profundo e relevante para os que se fizeram presentes naquele momento e que souberam aplaudir de pé uma pessoa essencial que pode encorajar mais pessoas de 25 anos a manter a sua paixão pela música.

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