Um papo com o cara à frente do Cérebro Eletrônico
O nome é tirado de uma música de Gilberto Gil. Uma das inspirações vem da Tropicália de Caetano Veloso. Uma música homenageia o maldito Sérgio Sampaio. O nome do último disco é uma referência a um clássico filme de Glauber Rocha. Olhando assim parece claro que a banda paulista Cérebro Eletrônico tem um olhar fixo no passado. Mais precisamente o final dos anos 60 e a década de 70 da cultura brasileira.
Não está errado pensar assim, mas não é apenas isso. O grupo, formado em 2001 na capital paulista, faz uma música moderna, com todas essas referências ao passado e várias outras, e, ao mesmo tempo capta as sonoridades mais modernas que têm contribuído para a formação de uma nova música brasileira. Uma MPB não mais só de canção, violão e poesia, mas disso e muito mais, rock, Raul, marchinhas, guitarras, provocações e liberdade.
É essa junção do deuses da MPB com o diabo do rock misturados no liquidificador que tem feito da Cérebro Eletrônico uma das bandas mais interessantes do cenário atual. Com três discos lançados e começando a circular mais pelo país, o grupo pratica uma liberdade criativa que seria impensável há alguns anos. Foi dessa liberdade, da ligação com a Bahia e de outros temas que Tatá Aeroplano, vocalista e principal compositor da banda falou coma gente em uma entrevista por telefone:
– Primeiro queria que falasse de sua ligação com a Bahia, já que você tem uma influência clara de vários artistas daqui.
Tatá Aeroplano – Salvador é um lugar que sempre quisemos conhecer e o último lugar que faltava pra tocar. A gente sempre quis pela importância cultural que a Bahia tem. Caetano, Gil, Tom Zé, Gal Costa sempre foram uma influência bem presente, assim como Raul. Particularmente ouço Raul desde pequeno por causa de meu pai. E na década de 80 uma das bandas que mais pirei foi o Camisa de Vênus, que também é baiana. A ligação é tanto com essa música brasileira quanto com o rock. E com artistas atuais também, como Rebeca Matta, com quem já toquei junto, e outros grupos como Ronei (Jorge), que até participou do nosso show ai.
– Sergio Sampaio é outra influência, até citado em música. Esse lado meio marginal da música brasileira parece que te atrai. Tem isso? Acha que falta mais esse tempero, uma certa acidez nessa nossa música?
Tatá Aeroplano – Eu acho que pelas influências mesmo tem a ver tanto de Sérgio (Sampaio), quanto até do Raul (Seixas). Acho que também tem a ver com a liberdade que a gente tem hoje de compor. A gente está num processo hoje onde praticamente todos os grupos são independentes. Não tem ninguém que diz que não pode fazer isso. Isso se reflete no trabalho e não é nada forçado, é natural. Tem algo nas composições devido a essa liberdade de fazer como quiser, lançar um disco e não ter ninguem pra dar pitaco.
– O que mais incluiria nessas influências?
Tatá Aeroplano -Eu acho que as grandes influências são os nossos próprios amigos músicos. Gosto muito do Vanguart, o Hélio Flanders, o próprio Jupiter Maçã, o Léo Cavalcanti, a Tulipa, a Bárbara Eugênia, gente que a gente convive e que estão com trabalhos incríveis. Tem a Chá de Boldo, uma banda daqui de São Paulo, o Garotas Suecas, tanta gente, que dava para listar uns quarenta. A gente hoje tem um panorama excelente na música atual. O mainstream não existe mais. Não vai existir mais aquela coisa de um artista ser catapultado e ser fenômeno. A gente está descobrindo um espaço pra gente nessa história. Temos possibilidade de criar, viajar, fazer público, ganhar um público a cada disco novo. Isso vai ampliando e, na verdade, é bem natural. Com a gente nunca rolou jabá, por exemplo. Algumas coisas vem acontecendo naturalmente com essa galera. A própria Tulipa é uma felicidade. Porque é uma coisa que nasceu naturalmente, não tem ninguém fazendo esquema para ela conquistar espaço. É saudável. Mais saudável do que acontecia antes, com esquema com produtores e aquela indústria da picaretagem. Hoje cada vez mais tem menos espaço pra isso. Existe um espaço real pra quem tem feito música com amor.
– A banda já tem um tempinho de estrada, já mudou de integrantes, o que sente que mudou lá do começo, do primeiro disco para agora.
Tatá Aeroplano – A banda tem dez anos. A gente começou em 2001, era um cenário bem diferente de hoje. Tinham poucos artistas fazendo trabalhos como o nosso e pouco espaço. Com o tempo começou a rolar espaço na mídia, melhor infra pra tocar e fomos criando um público, não só em São Paulo, mas com os festivais pelo Brasil. A gente foi viajando, conhecendo artistas, fazendo conexões. Isso propiciou a gente ter tranquilidade para fazer os discos. Musicalmente a gente amadureceu bastante também, a estrada traz muita experiência, cada um evolui no seu instrumento, as composições melhoram. A gente também passou a compor melhor com os amigos, que também vão evoluindo e faz a gente se inspirar.
– Como está o disco novo e o trabalho de divulgação?
Tatá Aeroplano – A gente lançou o disco em outubro de 2010. Recentemente lançamos o clipe na MTV e já estamos fazendo outro clipe. E isso é outra coisa legal, a MTV voltou a dar uma ênfase na música, isso ajuda bastante. Ajuda na divulgação para o resto do país. A molecada é muito ligada na MTV, sempre que toca o clipe lá o pessoal comenta na internet, twitta. Muita gente conhece através da TV. Outra coisa que a gente tem notado é que algumas rádios têm tocado a música independente. A gente percebe pelo ECAD, recebemos a planilha e dá pra ver que as músicas tocaram em rádios do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A internet é importante pra isso, o cara lá da rádio vê nossa música e toca. Isso tem acontecido com mais frequência.
– A cena paulista tem chamado atenção, parece estar efervescente, está assim mesmo ou é a midia que favorece?
Tatá Aeroplano – Se a gente for pensar em São Paulo, todos os movimentos da música brasileira aconteceram aqui, até a Bossa Nova primeiro foi aqui pra depois o Rio aceitar. É uma cidade que abre muito pra o Brasil. Essa cena atual não é uma coisa de São Paulo, aqui tem a Karina Buhr, de Recife, o Cidadão Instigado, do Ceará, Jupiter Maçã, gaúcho que morou muito tempo aqui e influenciou muita gente. Tem muita gente daqui fazendo coisas e acontecendo, mas é um momento muito interessante do país, na verdade. Como tem muita gente aqui de todo lugar isso reflete no país inteiro. É um momento da música no país inteiro muito interessante. Pela viagem que a gente fez, por exemplo, pra Belém (a banda tocou no festival Se Rasgum, na capital paraense), dá pra perceber como tem bandas boas. O Mini Box Lunar, do Amapá, por exemplo, é sensacional, você conhece? (não só conhecemos como falamos dela aqui) A gente vive um momento muito especial a margem do maistream. Só que cada vez mais as coisas estão se aproximando. Existe uma linha tênue entre o que a gente está fazendo e conquistar um público maior. Mas sem aquela estrutura do maistream. É um movimento nacional que está rolando e daqui a pouco é latino-americano, porque está rolando um intercâmbio com Argentina e outros países.